Era de se esperar que um dia essas
crônicas terminassem. Eu poderia ter escrito outras, pois muitas coisas
ocorreram nos últimos meses, mas não tenho tido muito tempo de registrar minhas
experiências. No momento em que comecei a escrever essa crônica, meu pai estava
internado em uma UPA, após doze dias ele partiu definitivamente. Eu imaginava que
esse dia chegaria e por mais que saibamos, nunca estamos preparados quando ele
chega. Não tem um jeito fácil de passar por isso. O câncer deteriora não apenas quem é acometido
por ele, mas todos os que estão envolvidos com o doente.
Mas não quero fazer desta última
crônica um discurso fúnebre, creio que seja o momento adequando para trazer
aqui memórias felizes. Estas não faltarão para aqueles que conviveram com o Sr.
Manoel, sujeito espirituoso, de uma simplicidade franciscana. Nunca vi aquele
homem desejar mal a alguém, destilar veneno, promover discórdia, ou qualquer
outra ação decadente que a raça humana utiliza. O Sr. Manoel era desprovido de
maldade, às vezes chegava a ser ingênuo de tanta pureza e docilidade.
Foram muitas as lições que ele
nos deixou, homem de caráter irrevogável, que nem a pobreza e a dificuldade de
alimentar cinco bocas, o fez questionar seus valores. Sua grande marca era a
gratidão, nunca questionava as adversidades, sólido em suas crenças acreditava
que em tudo havia um propósito. Viveu uma vida de resignação ao lado de uma mulher
que sofria de transtorno compulsivo obsessivo, sua paciência para com ela transcendia
nossa capacidade de compreensão.
Naturalmente como qualquer pai
ele cometeu erros. Fora distante e omisso, não era do tipo carinhoso com os
filhos, mas demonstrava afeto. Mas não falhou mais do que eu com meus filhos, principalmente
se se levar em consideração a infância que teve. Eis uma coisa que nós filhos
não somos capazes de fazer enquanto somos jovens, somente a maturidade nos
possibilita essa empatia com os pais. E o Sr. Manoel teve motivos de sobra para
ser um homem amargurado pelo passado, mas ele escolheu viver o presente como se
fosse uma dádiva. Essa arte de viver é o seu legado para todos nós.
Jonatas carvalho é filho de Manoel Carlos de Carvalho e Helena Francisco de Carvalho com muito orgulho.