Eu já me manifestei aqui algumas vezes por ser contrário ao projeto Escola Sem Partido, isso porque, primeiramente não acredito que o projeto seja sem partido. Seus defensores alegam que basta ler o documento para ver que ele tão somente trata apenas dos direitos constitucionais, mas um historiador sabe muito bem que um documento é um monumento como diria Foucault, isto é, o referido documento tem sua história e contextualização. Ler o documento é insuficiente, precisamos ler e analisar o movimento em prol do projeto, os grupos que nele estão envolvidos, as intenções por trás do texto frio da lei e a ideologia que este representa. Isso mesmo ideologia, aquilo que o Escola Sem Partido diz ser seu principal alvo, traz consigo em todo seu processo um viés ideológico.
Para ficar só no caso do Rio de Janeiro o projeto de lei 2974/2014 cujo autor é o vereador, Flávio Bolsonaro, filho do deputado federal, Jair Bolsonaro. Apenas o fato do projeto receber o apoio da família Bolsonaro, já é suficiente para questionar o título Escola Sem Partido, seria mais honesto pensar em outro nome para o mesmo, uma vez que o que não falta neste projeto é a participação partidária. Isso pode ser verificado no próprio site da ESP, os projetos de lei que se espalharam pelo país são todos, sem exceção, de autoria de deputados ligados aos movimentos conservadores.
Há três grandes preocupações por parte do ESP, a primeira versa sobre o pensamento da esquerda, isto é, não existe no movimento qualquer crítica, ao liberalismo, ao capitalismo, são adeptos da meritocracia como se esta não fosse uma tecnologia ideológica da lógica liberal. Seu alvo são, portanto, e tão somente, as teses da esquerda. Todos os professores e educadores que até agora sofreram sanções, o foram por apresentar proposições da esquerda. Nenhuma denúncia quanto as proposições liberais? Uma professora da Faetec sofreu um processo administrativo sob a acusação de “doutrinação”, porque a bibliografia da grade de seu curso constava autores tais como Milton Santos, Paulo Freire, Hobsbawm e alguns artigos da Carta Capital. Mas será que os cursos que figurem em sua lista autores como Adam Smith, John Stuart Mill e Fernando Henrique Cardoso sofrerão sanções?
Quanto a outra preocupação do PSE é a chamada “ideologia de gênero”, um termo cunhado para desqualificar os estudos de gênero. A proposta do ESP é retirar a palavra gênero do currículo educacional, trata-se aqui de uma demonização desses estudos, uma vez que segundo os autores do projeto tal “ideologia” procura negar a biologia humana. Assim procuram negar a existência milenar de pessoas cujo o gênero contrasta com o próprio sexo. Apelam para a “ameaça a família”, incutindo o medo nas pessoas de que educadores possam influenciar na escolha sexual dos seus alunos. Para saber mais leia: http://apublica.org/2016/08/existe-ideologia-de-genero/
Por fim, os defensores do ESP também querem intervir na questão religiosa, sob a alegação de que se deve respeitar a crença e os valores morais que estes recebem em casa. Neste caso, o pai ou mãe poderá questionar o professor ou a escola que trate das religiões de matrizes africanas? Estaremos nós vivenciando devido a tal recrudescimento o que já vimos ocorrer nos EUA, uma batalha pelo ensino do criacionismo nas escolas públicas? O professor deverá se limitar apenas apresentar as duas posições como se ambas fossem teorias válidas que cabe aos alunos optar por aquela que mais lhe convém? Uma aula sobre as reformas protestantes na Europa certamente não sofrerá quaisquer sanções, mas estudar as suratas do alcorão que falam de amor e de paz numa aula sobre o Islã sim?
Por fim, o projeto ESP, que de sem partido nada tem, procura combater a ideologia ocultando suas próprias premissas ideológicas. Uma visita ao site da instituição é possível perceber claramente que a Escola sem Partido só quer punir e retirar do cenário educacional um único partido e uma única ideologia.