Um indivíduo tem a responsabilidade moral de desobedecer
leis injustas... Martin Luther King Jr.
A
frase acima é muita conhecida nas páginas de facebook e outras mídias sociais,
poucos sabem, porém, que trata-se de um trecho da chamada Carta da Prisão de
Birmingham, prisão que Luther King passou um tempo em 1963, acusado de
infringir a lei segregacionista do Estado do Alabama. A carta é uma resposta à
oito líderes religiosos que se pronunciaram alegando que as ações do pastor
negro eram “inoportunas”. Na prisão, King viu de perto a diferença entre lei e
justiça, em outro trecho de sua carta, esse menos conhecido, escreve: Uma lei injusta é um código que um grupo,
majoritário, força uma minoria a obedecer, sem que alguém seja responsabilizado
(…) um indivíduo que viola uma lei injusta deve fazê-lo abertamente,
amorosamente e disposto a aceitar as penalidades. Acusado de extremista
entre os seus, sofreu todo tipo de perseguição, muitas com bases legais. King
chegou a receber uma carta anônima em 1964 (que hoje sabemos fora enviada de
dentro do escritório do FBI de J. Edgar Hoover), cujo conteúdo dizia que ele
era uma “besta maléfica anormal”, a carta sugeria que ele se suicidasse caso
contrário, revelariam seus casos extraconjugais. Hoover, o grande chefe do FBI
acreditava que King sofrera influência do comunismo.
A
história da infidelidade conjugal de Martin Luther King é francamente discutida
pelos seus biógrafos, mas cheia de controvérsias. Ele fora acusado de ser um
“ativista sexual”, de usar dinheiro de dízimo para financiar orgias, de curtir
prostitutas brancas dentre outras. Mas o fato é que o FBI nunca usou suas
“provas” contra ele, alguns biógrafos dizem que chegaram a mandar a gravação de
uma noitada em um hotel para sua esposa, mas que esta se negou a reconhecer se
a voz era de seu marido. O fato aqui é: um dos personagens mais importantes dos
direitos civis estadunidense não era nada santo.
Escrevo
isso como modo de responder a uma série de conteúdos que vi essa semana que
condenavam a fala da senadora e presidente do PT, Gleisi Hoffman, que em fala
recente afirmara que não aceitaria a condenação de Lula. Diversos grupos e
indivíduos se manifestaram contra a senadora, disseram: então a senhora não respeita
a justiça?
Não
estou aqui para defender a senadora ou o Lula, não sou petista, nunca
fui...votei em Lula? Sim, duas vezes. Recentemente escrevi um artigo em
parceria com a colega, doutora em antropologia, Beatriz Brandão, onde fizemos
críticas ao “Estado Penal” na gestão do PT e ao seu “neoliberalismo social”,
demonstramos ali como a lei de drogas do governo Lula em 2006 foi injusta ao
dizer que reduziria as penas a usuários e aumentaria as dos traficantes...
condenando milhares de pessoas por tráfico sem de fato serem, elevando a
população carcerária brasileira ao posto de a 3ª maior do mundo.
Combato
essa lei injusta, assim como combato a Lei Seca e tantas outras leis que como
Luther King escreveu tenho a responsabilidade moral de desobedece-las. Muita
injustiça já foi praticada em nome da lei. Homens e mulheres comuns todos os
dias são penalizados injustamente com base em leis, por outro lado, a
impunidade para os ricos reina por entre artigos, parágrafos únicos e incisos.
Você
poderá me questionar, estás comparando a lei segregacionista do Alabama com a
lei de responsabilidade fiscal, ou outras leis de combate a corrupção no Brasil?
Evidente que não. Há leis injustas e há aplicações injustas de leis justas. Foi
Deleuze que disse em entrevista a Toni Negri: “é a jurisprudência a verdadeira
criadora do direito; ela não deveria ser confiada aos juízes”. Me lembro das tentativas estapafúrdias para
não dizer vergonhosas de deputados ligados ao direito tentando justificar
(seria melhor dizer: inventar) uma jurisprudência para o “crime” de Dilma durante
o debate na comissão que optou por seu impedimento. Para ao fim, ouvirmos falas
como a do senador Cristóvam Buarque que ela não “tinha condições de governar”,
como se vivesse em um sistema parlamentarista. Aquele Frankenstein de Janaína
Pascoal e Miguel Reale Jr, foi construído,
também, com mãos do legislativo, judiciário, imprensa, sendo transformada na maior peça de
ficção jurídica brasileira ao fazer de Dilma a primeira, a única e a última
condenada pelo crime de “pedaladas fiscais”.
Não
tenho dúvidas que o TRF4 irá manter a condenação de Lula, não nos termos que
Moro estabeleceu, com penalizações mais brandas, suficiente para comprometê-lo
eleitoralmente. Significa que Lula é culpado? A questão mais apropriada aqui
seria: sobre quais dispositivos legais haverão de culpar o Lula? Que provas
concretas serão apresentadas referente a acusação? Elas serão ocultadas do povo
brasileiros? Que outros cerceamentos lhe serão impostos após uma segunda condenação?
Se
formos mais combativos deveríamos perguntar mesmo é como um caso de tríplex no
Guarujá (SP), foi parar nas mãos de um juiz de primeira instância em Curitiba. Isto
é, que manipulações legais foram necessárias para levar Lula a Moro? Vários
juristas no Brasil e no mundo vem denunciando a fraude disfarçada de legalidade
na ação contra Lula, para citar apenas um, o jurista italiano Luigi Ferrajoli,
apontou três “traços da deformação do processo contra Lula.” O primeiro seria a
confusão entre a acusação e a justiça, o que significa dizer que o juiz
instrutor de um processo não pode e não deve fazer parte da equipe de acusação,
pois desta forma ele perde sua condição de juiz isento que analisará com o
mesmo cuidado as provas e as contraprovas. O segundo traço é o que ele chamou
de hipótese acusatória, a hipótese aqui em questão é sobre a propriedade de um tríplex
ATRIBUÍDO a Lula, imóvel esse que recentemente sofreu um pedido de penhora da
2ª vara de execuções de títulos. A juíza que mandou executar a penhora alegou
que a ordem de penhora não “emite juízo de valores sobre a propriedade do tríplex”,
mas a penhora é para a “satisfação” de dividas da OAS e não de Lula. Voltando ao
Luigi Ferrajoli, o terceiro traço de deformação do referido processo é a “espetacularização
do processo”, onde Juiz e Ministério Público aparecem na mídia, dão palestras
(e até cobram por elas), vão a talk shows, manifestam-se sobre o caso e vazam
informações sigilosas para a grande imprensa. São muitas as investidas contra a
lei feitas por representantes da lei para se alcançar um objetivo; derrubar o
Lula.
Dia
24 de janeiro de 2018 entrará para a História (juntamente com o dia 31 de
agosto de 2016 - dia do impeachment de Dilma), como mais uma data onde a
justiça, o direito e a democracia brasileira foram envergados e contorcidos para
atender aos interesses internacionais sobre o nosso petróleo (que já não é mais
nosso e sim da Shell), pois a maior ameaça a esses interesses atende pelo sobrenome
de da Silva e sustenta até aqui a liderança nas pesquisas presidenciais.
Jonatas
Carvalho.