sexta-feira, dezembro 29, 2023

SOBRE O "LAR"

 Foram doze dias com eles, meus filhos, o genro e a nora, visitei meus poucos amigos, passei a noite de natal com minha irmã mais velha na casa da minha sobrinha e seu marido. 


Amo estar com meus filhos, é sempre especial. Sempre me pego pensando no quanto é incrível ver aqueles indefesos serezinhos que peguei no colo, hoje tão autônomos, que tocam suas vidas, tomam decisões sérias, sejam elas profissionais ou pessoais. 


Eu li em algum lugar nesta semana que o lar, não é apenas onde nos sentimos acolhidos, mas é o lugar em que encerramos nossas fugas, gosto dessa definição, mas gosto mesmo é da  definição romana (de onde herdamos a palavra lar), em que “lar” é onde se acende o fogo para cozinhar e para se aquecer  (a palavra lareira vem daí). 


Amo estar com meus filhos. Hoje, vivendo em outro Estado, só consigo fazer isso em momentos de férias e feriados prolongados. Mas após alguns dias, a vontade de voltar ao meu lar é gigante, sim, sou muito bem tratado pelos meus filhos, mas não tem nada que se compare ao nosso cantinho. 


O lugar de cozinhar e se aquecer, e, por isso mesmo, o lugar de compartilhar a comida e o calor com outrem, alimentando e sendo alimentado, aquecendo-se mutuamente, isto é uma dádiva. No meu caso, sou um privilegiado que com tão pouco tempo em São Paulo, posso dizer que estou com um lar em pleno desenvolvimento. 


Sim, desenvolvimento, porque lar é sempre uma construção, não uma coisa estática, mas algo vivo e em movimento (o alimento e o calor precisam ser renovados). Lar não é ausência de conflito, mas é, sobretudo, espaço de conciliação. É uma puta de uma satisfação, sentir aquela palpitação, quando estamos retornando ao lugar em que nos sentimos absolutamente à vontade, onde podemos ser nós mesmos. 


Lar é reciprocidade, ternura, mas também é revolução. Pois só é possível desenvolver um lar quando nos desprendemos de nós. Claro, isso aqui não é um texto de “faça você também como eu”, não tenho qualquer intenção de ser coach sobre nada. Trata-se de uma reflexão, minha, apenas minha, que não se roga de ser verdadeira sobre nada. 


Meus filhos estão desenvolvendo seus lares, e já se depararam com muitos obstáculos, isso porque, um lar não é projeto que se realiza só, ele é coletivo, envolve todos que  o habitam, se isso, por uma lado, pode ser mais trabalhoso, por outro, certamente, o tornará muito mais complexo, dinâmico e sólido. 


Retornarei ao meu lar hoje, quero encher de beijos e carinho minha marida, desfrutar da sua companhia que tanto me apraz, agrada, contenta, deleita, satisfaz, delicia, aprecia, alegra, regala, anima, encanta, diverte, sorri, compraz, enleva, regozija, letifica, distrai, entretém… LAR.


Obs: Meus sentimentos de pezar aos povos e grupos sociais que tiveram seus lares destruídos pela violência da ganância de alguns.   


sábado, dezembro 23, 2023

A LIMPEZA ÉTNICA, PROGRAMADA, ANUNCIADA E ASSISTIDA EM TEMPO REAL.

 

"A recente abstenção dos EUA e a aprovação de uma resolução da ONU contrária ao prosseguimento dos assentamentos judaicos em áreas palestinas não interferirá no projeto do Estado de Israel. Donald Trump que condenou a abstenção dos EUA, retomará relações com Netanyahu, os anos que se seguirão serão ainda mais terríveis para os palestinos." CARVALHO, 26/12/2016. 


Já se passaram sete anos desde que escrevi, aqui mesmo neste blog: "A NOIVA É BELA, MAS É CASADA COM OUTRO HOMEM." (clique para ler), uma análise da situação dos palestinos com os crescentes assentamentos judaicos na região da Cisjordânia. Como vocês podem ler no recorte acima, na ocasião, eu terminei o texto com uma sentença: "os anos que se seguirão serão ainda mais terríveis para os palestinos." Evidente que não se trata de profecia, aliás, nós historiadores somos compelidos a não produzir prognósticos. Eu, pessoalmente, me empenho em não cair nessas armadilhas de tentar determinar, a partir do presente, o que poderia ser o futuro. Bem, se o que escrevi em 2016 não é um prognóstico, então é o que? Eu poderia teorizar aqui a partir da Marc Bloch, sobre a incompreensão do presente e a ignorância do passado, ou mesmo sobre a repetição histórica como tragédia e depois como farsa (Marx). Nada disso é necessário, trata-se apenas de olhar o tempo histórico, os acontecimentos desde os primeiros crimes sionistas no final do XIX e início do XX, acobertados pela potência imperialista da época, a Inglaterra, até os crimes de guerra cometidos pelo Estado de Israel, acobertados pelo novo poder imperialista: os EUA, logo: é a própria história dos imperialismos.  

Esta é uma história que as gerações futuras, olharão e se perguntarão: como normalizamos isso? Como fazemos hoje quando pensamos na escravização das sociedades africanas por quatro séculos, ficamos aterrorizados com os argumentos pró-escravização no século XIX.  Em um futuro não muito distante, nossos sucessores olharão as fontes... jornalistas, historiadores, sociólogos e outros, se depararão com a obviedade: tratava-se de uma limpeza étnica, até então, sem precedentes na história. Mas se era tão óbvio, até para nós do presente, por que permitimos? A resposta não é simples, mas escolherei aqui uma abordagem: trata-se de uma das mais bem sucedidas tecnologias de poder dos últimos tempos, que a filósofa e psicanalista Suely Rolnik chamou de “antropofagia neoliberal”; um instrumento de produzir subjetividades absolutamente voltadas para si, cujo maior efeito é nos manter tão egoisticamente mergulhados nas nossas questões, que somos incapazes de nos articular em função do outro. No máximo, nos engajamos via redes sociais, fazemos vaquinhas, ações que pouco modificam a realidade, mas que ajudam a diminuir a culpa que sentimos. Como zumbis, devoramos apenas o que serve ao nosso ego consumista.  

Os motivos dessa limpeza étnica eu já abordei aqui (uma perspectiva) em OS SENHORES DO CÁLCULO, DA GUERRA E DA FOME, já quanto aos requintes de crueldade com que o Estado de Israel elimina os palestinos, nos lembra os colonialismos dos grandes Impérios como a Grã-Bretanha na Índia ou o Congo sob o domínio de Leopoldo II. O deslocamento de massas populacionais, a destruição de bairros inteiros, até mesmo cidades. O que é pior, a destruição de unidades hospitalares, impedindo que os feridos sejam tratados, o bloqueio de luz, de água e comida. Mas o bárbaro é o outro. Quando escrevi "O SENHOR DA GUERRA NÃO GOSTA DE CRIANÇAS" (10/11), Gaza, já sofria com os bombardeios por parte de Israel por um pouco mais de 30 dias, a contabilidade, na ocasião, era de 4 mil crianças mortas. Desde então, passados 42 dias, mais 3,7 mil crianças morreram, ao todo são quase 8 mil crianças. Em que uma criança palestina é diferente de uma criança israelense? Como o massacre e o extermínio de um povo não resulta em total paralisação do mundo?  

Foto: Monitor do Oriente. 

Se a limpeza étnica dos palestinos foi programada e anunciada, ela também foi combinada com os conglomerados de comunicação (co-partícipes-financiados dos conglomerados das guerras), a ocultação de informações se converte na ocultação do massacre e de um mar de cadáveres. A adoção do título Israel X Hamas, para “cobrir” jornalisticamente o que vem ocorrendo na Palestina, tem por objetivo desinformar, por meio de um viés puramente favorável ao projeto colonial sionista. O caso do Congo, também pode ser um grande exemplo, o que sabemos sobre o que ocorre por lá? Quem são os grupos privados a financiar a “República Democrática de Congo” que está promovendo o maior deslocamento humano do século XXI? Estamos falando de mais de 6 milhões de deslocamentos internos e 1 milhão de refugiados. São informações que sequer aparecem nas notas dos jornais. Por quê?  

Os conglomerados das guerras investem milhões em armas, parte desses investimentos são provenientes de recursos públicos (isto é, dinheiro público) como vem ocorrendo nos EUA, cujo congresso aprova milhões “destinados à Ucrânia”, mas 90% do valor liberado vai para as empresas estadunidenses. Outro fator interessante é que, por um lado, os conglomerados das guerras financiam a destruição de outros povos, tomam o território e controlam a geração de riqueza natural-mineral, por outro, os sobreviventes deslocados, os campos de refugiados, são mantidos precariamente com ajuda dos governos e organismos multilaterais (mais dinheiro público), que estão a serviço destes mesmos conglomerados. Ao fim, os lucros são repartidos entre os conglomerados, já a destruição e os custos dela, são compartilhados entre os Estados-Nação e a sociedade civil, como Cruz Vermelha, Médicos sem Fronteira… 

Voltemos mais uma vez à questão: por que não há uma grande comoção social sobre o que ocorre na Palestina? Os conglomerados que financiam e lucram com as guerras, não contam apenas com as grandes redes de comunicação do mundo, contam, também, com as redes de entretenimento, como Hollywood e, claro, as Big Techs. Mas não apenas isto, eles financiam ainda a indústria de fomento em ciência, pesquisa e tecnologia. Vladimir Safatle, nos chamou a atenção para o silêncio dos intelectuais diante do que vem ocorrendo na Palestina. Após a emergência e fortalecimento do debate anticolonial e decolonial no Brasil, como se justifica o silêncio de grandes intelectuais brasileiros diante de um caso absolutamente clássico de colonialismo? A resposta? O poder econômico que os conglomerados sionistas possuem é capaz de inviabilizar tanto a carreira artística, quanto a acadêmica de quem ousar utilizar sua imagem famosa para criticar o massacre dos palestinos. Poucos corajosos se atreveram, alguns já estão pagando o preço. 

QUE A RESISTÊNCIA do povo PALESTINO nos encoraje a lutar contra toda forma de colonialismo, sionismo ou imperialismo. Estejam eles ocorrendo na Palestina, no Congo, ou mesmo em Maceió, Rio de Janeiro, São Paulo…. 

Jonatas Carvalho 

Historiador/Professor. 


domingo, dezembro 10, 2023

O PODER DA FALA E DA ESCUTA.

Na manhã deste domingo, eu e minha marida caminhávamos pela Augusta, então surgiu um homem atrás de nós, ele esbravejava, uma situação que vemos com alguma frequência quando se caminha pelo centro, mas então ele quebrou algo de vidro, não vimos exatamente o que era, mas ficamos alertas, ele xingava muito.

Preocupado eu propus que virássemos à esquina, na esperança de que ele seguisse em frente, mas ele virou também e em seguida nos abordou. Era nitidamente alguém em situação de rua, estava alterado, falou algo sobre pagar um prato de comida. Eu calmamente disse-lhe que que estávamos caminhando e não tínhamos nada conosco, então ele me interrompeu e disse:

— Calma, eu não tô pedindo nada ao Sr, estou explicando. E seguiu andando ao nosso lado.
— Eu entrei no bar ali em cima, perguntei se alguém podia me pagar um almoço, o garçom, que não era dono nem nada, me esculachou e me deu uma porrada na cara. O Sr. acha isso certo?
— Eu não acho não. Respondi.
— Ele falou que eu era um merda… falou mais algumas coisas das quais eu não lembro exatamente. Eu o interrompi.
— Desculpe, mas qual é o seu nome?
— É Odair.
— Odair, eu realmente sinto muito que você tenha passado por isso. Ele acenou e continuou:
— Eu não sou ladrão não, já roubei, mas nunca roubei pobre. Hoje eu odeio ladrão. Tenho quatro filhos esperando que eu leve algo pra eles comerem. O cara não sabe quem eu sou e acha que pode me dar um soco na cara porque eu tô pedindo comida?
Concordei com ele, e o interrompi novamente.
— Eu lamento muito por você Odair, desculpe não poder lhe ajudar.
— Tá tudo certo Sr. bom dia pra vocês.
— Espero que o restante do seu dia seja melhor.
— Obrigado. Odair seguiu seu caminho.

Minha marida, Ercília, estudante de psicanálise, assistiu a tudo calada, então fez uma observação fascinante.
— Como a escuta é terapêutica, né? Veja como ele, depois de falar sobre sua dor, agora segue seu caminho mais tranquilo, não está mais esbravejando e gesticulando como antes. É claro que ele ainda está ferido, mas já está mais calmo. Só porque alguém se dispôs a escutá-lo.

Eu concordei. Discutimos um pouco se o “poder terapêutico” se achava na escuta ou na fala, concluímos que era a combinação de ambos, ou seja, o falante precisa sentir que quem o escuta lhe escuta com atenção. Mesmo não sendo uma escuta treinada, preparada, às vezes, o simples fato pararmos para ouvir alguém, já produz efeitos terapêuticos naquele que fala, e, em muitos casos, naquele que ouve também.

Nós, inicialmente, vimos o Odair como mais um dos milhares de indivíduos em situação de rua, pensávamos que ele estava alterado devido ao álcool ou outra substância, mas era um ser humano (como todos os outros que vivem em condições semelhantes e ele), passando por um enorme sofrimento, e se não bastasse toda a dor que é viver nessas condições, ele ainda tem que lidar com a violenta desumanização cotidiana.

Escrevo esta história horas depois do ocorrido, passamos o dia na casa da filha da minha marida, comemos, bebemos, como em um domingo qualquer, mas não consegui tirar Odair da cabeça.

Odair me fez lembrar do tempo em que eu vivi na rua, muitas vezes eu sofri essa desumanização, só consegui sair dessa situação de rua com ajuda. Eu lamento mesmo é por essas pessoas que insistem em desumanizar os outros, pobres de espírito e péssimos seres humanos. Já os Odairs da vida, estes, têm muito a nos ensinar.

domingo, novembro 12, 2023

OS SENHORES DO CÁLCULO, DA GUERRA E DA FOME

Joe Biden, anunciou recentemente que enviaria 100 milhões de dólares de "ajuda humanitária" para Gaza, mas veja você, os congressistas dos EUA aprovaram o envio de 14 bilhões para "ajuda militar" ao governo de Israel. Consegue perceber a disparidade?  

Outro dia eu ouvi em algum lugar, algo mais ou menos assim: o dinheiro que alegam faltar para acabar com a fome no mundo, aparece de sobra para financiar as guerras e conflitos militares no mundo. Não é muito louco? Para qualquer ser humano com o mínimo de civilidade deveria ser, mas não para os senhores da guerra. Como poderão enriquecer com armas sem as guerras?  

Nos últimos 25 anos, os gastos militares no mundo mais que dobraram, só no ano de 2022, foram mais de 2,2 trilhões investidos com "defesa". Por outro lado, para acabar com a fome no mundo, seriam necessários, de acordo com a Food Policy, 50 bilhões por ano até 2030, o que daria perto dos 500 bilhões.  Esse é o valor que a Ucrânia recebeu de "ajuda militar"... só os EUA já "doaram" mais de 70 bilhões.  A Rússia, por sua vez, já gastou mais de 100 bilhões para financiar a "operação militar" na Ucrânia. 

No Oriente Médio, os gastos militares também subiram muito, Israel investiu 23,4 bilhões em defesa no ano de 2022, a Arábia Saudita, 55,6 bilhões, Irã, 24,6 bilhões...

Detalhe de Guerra e Paz - Portinari - 1956

Não quero me estender sobre os gastos militares, mas demonstrar que o argumento da falta de dinheiro, é ridículo e descabido, só os EUA colocou, no último ano, 800 bilhões em "defesa."  - Ah mas como não investir em defesa? Você está sendo ingênuo! Alguém, supostamente não ingênuo diria. Eu, responderia, que ingenuidade é achar que "defesa" é uma palavra apropriada para o que temos aqui, esse é o jogo da retórica perversa dos senhores da guerra, todos os jornais do mundo adotam em seus noticiários e boletins: "os gastos com defesa subiram mais um ano".....blá, blá, blá.....retórica. 

Estamos falando de verdadeiros massacres e genocídios, são mais de 230 mil mortes no ano passado, esse ano tende a aumentar, fora os 110 milhões  de pessoas vivendo na condição de refugiados.  Eu escrevi acima sobre os 2,2 trilhões certo? Essa é a soma dos investimentos dos países no último ano com gastos militares, mas os gastos com as guerras são outra coisa, estamos falando de mais de 20 conflitos armados no mundo, toda a consequência gerada por esses conflitos, geram um gasto de 17 trilhões ao ano...e se o mundo gasta toda essa grana, significa que ela vai parar em alguns bolsos, não? Quem será que lucra com tudo isso? Adivinha?  

 
 



sexta-feira, novembro 10, 2023

O SENHOR DA GUERRA NÃO GOSTA DE CRIANÇAS.

                                                                                                      

Mas explicam novamente que a guerra

 Gera empregos, aumenta a produção

Uma guerra sempre avança a tecnologia

Mesmo sendo guerra santa

Quente, morna ou fria”

A canção do Senhor da Guerra. 

Legião Urbana -1992.



A poetisa e romancista palestina, Hiba Abu Nada, escreveu sobre Gaza: “A noite da cidade é escura, exceto pelo brilho dos mísseis, silenciosa, exceto pelo som dos bombardeios, assustadora, exceto pela garantia das súplicas.” Abu Nada, morreu aos 32 anos em um dos incontáveis bombardeios impetrados pelo Estado de Israel. 


No último dia 13 de outubro, a artista plástica, Heba Zagout morreu aos 39 anos, ao todo, segundo a ONU, são mais de 2 mil mulheres mortas. Dentre as sobreviventes de Gaza, 50 mil estão grávidas, sem qualquer possibilidade de cuidar da própria gestação… 50 mil fetos, que caso consigam nascer, nascerão já profundamente traumatizados. 


Quanto às crianças, é impossível não se sensibilizar (a menos, é claro, no caso de profunda desumanização), com as centenas de cenas de corpos pequenos, encobertos por poeira, inertes e enfileirados, alguns, esmagados pelos escombros, outros despedaçados. Só nesses pouco mais de 30 dias, já são mais de 4 mil pequeninos e pequeninas que nasceram em um território circunscrito por muros e cercas, que sonhavam com a liberdade… que não virá mais para estes humaninhos. E os pequeninos e pequeninas que sobreviverem? Como suportarão tamanha dor? Que tipo de adultos se tornarão se chegarem lá? Eles, os sobreviventes, ainda terão que lidar com mais uma diáspora, outro Nakba. Serão obrigados a crescer em campos de refugiados? Poderão um dia retornar a sua terra, ao seu lar? Terão em algum momento de suas vidas, condições dignas de existência? Não, se depender dos senhores da guerra.  


Os senhores da guerra gostam mesmo é de fortuna e poder. Eles não ligam para mais nada, desde que seus filhos estejam protegidos, como é o caso do filho de Netanyahu, que está em Miami. Me lembro do fantástico documentário de Michael Moore, Fahrenheit 11 de setembro (2004), quando o documentarista cercava os congressistas que haviam aprovado o aumento do envio de soldados para guerrear contra o Iraque (uma campanha horrorosa como promessas de green card, para encorajar negros, latinos, pardos e pobres ao alistamento), mas seus filhos estavam em segurança. Moore, abordava os congressistas, com uma folha de alistamento, eles desviavam (fugiam vergonhosamente), alguns poucos diziam: “sem comentários!”. 


Os senhores da guerra não são os governantes. Lamento dizer, não creio que seja certo falar sobre as guerras de Churchill, Bush, Obama ou as de Netanyahu, esses governantes, embora sejam co-responsáveis, estavam (e estão) a serviço dos verdadeiros senhores da guerra, os donos das indústrias bélicas e dos empreendimentos militares. São famílias poderosas que há séculos, aliadas às famílias de exploração coloniais como as do diamante, marfim, borracha, petróleo e muitas outras matérias primas, roubam, às custas da ocupação militar e da violência contra os autóctones, as riquezas dessas terras. 


O caso de Gaza e Cisjordânia não é diferente, por detrás de todo o discurso religioso ou daquele que evoca a tradição; o sionismo é um empreendimento capitalista de característica colonial. O Estado bélico de Israel tem sido capitaneado por setores estratégicos para controlar Gaza (cujas reservas consideráveis de petróleo e gás foram descobertas nas últimas décadas), do mesmo modo, agentes do setor imobiliário e do agronegócio na Cisjordânia, usam os modelos de assentamentos (construídos ilegalmente) para garantir novos empreendimentos na região. O último exemplo claro disso, foi o caso do chamado “acordo do século” apresentado por Trump e Netanyahu em 2020, que previa que Israel anexaria 30% das terras do Vale do Jordão (áreas mais férteis) da Cisjordânia, acorde este, recusado pelos palestinos, por representantes da ONU, entre outros.  


Os senhores da guerra ocidentais tornaram-se os senhores supremos das guerras no mundo. As campanhas de guerra contra o oriente se iniciaram com as cruzadas e nunca mais cessaram. As chamadas “guerras santas”, representaram, ao fim, a tomada de terras para as nobrezas europeias e o controle de novas rotas comerciais. Nos séculos XV e XVI, os Estados-Nação recém fundados, com seus exércitos nacionais financiados pelas elites comerciais conquistaram povos inteiros dos continentes asiático, africano e americano. Por onde os senhores da guerra passaram, deixaram um rastro de destruição, escravidão e morte. 


A acumulação da riqueza gerada pelo roubo de matérias primas dos três outros continentes, propiciou a modernização e a eficiência dos complexos militares ocidentais. Novos inimigos e novas ameaças são produzidas. Novas "operações militares", todas justificadas, o “bárbaro”, é sempre o outro, aquele que contesta e contrasta com a moral do “homem branco-civilizado-europeu”. As cruzadas, como eu escrevi acima, foram só o começo, mas os senhores da guerra estão longe de parar. O palestino, o indiano, o africano, o nativo americano, o chinês, todos, foram massacrados pelo colonizador ocidental. Os senhores ocidentais da guerra foram os únicos que se atreveram a dividir um continente inteiro entre eles com a justificativa de levar a civilização aos povos menos evoluídos. 


Não existe nada que se compare a eles, traíram uns aos outros e fizeram duas grandes guerras mundiais, milhões de jovens conduzidos a vida militar apenas para morrer, milhões de civis mortos. Com seus nacionalismos, suas doutrinas eugenistas, criaram o nazifascismo. Os senhores da guerra foram tolerantes com Hitler, pois temiam mesmo era o Stalin, os senhores da guerra inventaram a bomba nuclear e usaram-na por puro cálculo. Quanto custa? Jogar uma bomba agora, ou prolongar a guerra por mais alguns meses? 

 

Heba Zagout - óleo sobre tela. 
Os senhores da guerra, enriquecem não apenas roubando matérias primas, mas também, a partir da exploração do trabalho dos povos dominados, da incitação de guerras civis e dos golpes de estado, do tráfico de armas e das drogas. Trata-se de uma grande cadeia de produção e circulação de mercadorias legais e ilegais, que ao fim, parte do lucro irá parar em contas bancárias dos paraísos fiscais e outra parte refinanciará novas guerras.


Israel é um Estado bélico-colonizador a serviço dos interesses dos senhores da guerra judeus ocidentais e não judeus ocidentais. O Estado Nação israelense vive sob o mito da democracia, Netanyahu, está no poder desde 2009, só para comparar, vale lembrar que Nicolás Maduro, está no poder desde 2013. A reforma judiciária de Netanyahu, desequilibrou a interdependência dos três poderes, conferindo ao parlamento israelense condições de interferir nas decisões da suprema corte de Israel, além do mais, o país nunca produziu uma constituição. O Estado de Israel não é absolutamente laico, pois insere em sua legislação e diversos elementos da lei judaica, seus juízes, podem se valer da tradição, como o Talmud, o Rambam ou Maimonides. Há um conjunto de leis em Israel claramentente segregacionistas, uma delas, aprovada em 2018 pelo Knesset (parlamento), declara Israel um Estado unicamente judeu e Jerusalém sua capital oficial e indivizível, incorporando a parte oriental da cidade onde encontra-se a mesquista de Al-Aqsa, fundada no ano de 1035, terceiro lugar mais sagrado para o Islã.


Terminarei essa reflexão, com um exemplo citado por um ex-juiz da Corte Geral de Tel Aviv, Mário Menachem Klein, que proferiu uma palestra em Minas Gerais, sobre o “Panorama do Direito em Israel” (2014). Segundo o jurista, todo estudante da magistratura em Israel, se depara com a base religiosa do direito, a Torá, trata da figura do juiz pela primeira vez no exemplo de Sodoma e Gomorra, o juiz na história é o próprio Jeová, enquanto Abraão é o primeiro advogado de defesa. O juiz, prestes a condenar toda a população, se depara com a seguinte petição do advogado: e se tiverem lá 50 justos, o senhor haverá de condená-los também? Todo rabino sabe que a resposta é que os justos não devem pagar pelos pecadores. Portanto, essa não é uma reflexão sobre a violência de judeus contra não judeus, mas sobre um projeto colonizador, de características ocidentais que distorce a religião judaica, para fazer prevalecer os interesses econômicos dos senhores da guerra. 


Shalom - Salam. 


terça-feira, setembro 19, 2023

OS DESMEDIDOS DA TERRA

 

“O mundo está quase todo parcelado, e o que dele resta está sendo dividido, conquistado, colonizado. Eu anexaria os planetas, se pudesse; penso sempre nisso. Entristece-me vê-los tão claramente, e ao mesmo tempo tão distantes.” (Cecil Rodhes - Colonizador inglês do século XIX)




Malditos sejam vós, desmedidos (homens brancos) da terra,

vocês que confessam que estão trabalhando para produzir 40% - 50% de desemprego,

para que nós saibamos quem são os verdadeiros privilegiados. (Tim Gurner)

Vocês, que entopem os mares e os oceanos com lixo tóxico.

Vocês, que cavam a terra desesperadamente atrás ródio e nióbio.

Vocês, que penetram os aquíferos e controlam 60% a 80% do mercado de água mineral.

Vocês, que querem colonizar Marte (Musk).

São vocês que fazem a terra arder.

Vocês expropriaram o ouro das Américas e o marfim da África.

Foram vocês que escravizaram povos no mundo inteiro e lhes sugaram a vida com trabalho forçado até a última gota de sangue.

Vocês, que de suas torres magníficas, posam em capas de revistas com seus ternos chiques cheios de arrogância.

Vocês, que parasitam governos, mas se opõem a políticas distributivas.

Vocês, senhores da guerra, que promovem golpes de estado para controlar o ouro negro.

São vocês que fazem a terra arder.

Vocês assorearam os rios, represaram os leitos, inundaram cidades inteiras, desmataram…como dissera outro profeta: “Tudo que é sólido desmancha no ar.”

Tudo vira mercadoria.

Frans Krejcberg - escultura com árvores queimadas
Vocês, que construíram as selvas de pedras e cobriram a terra com piche.

Mas vocês estão confiantes, acreditam que protegidos por seus ar condicionados, munidos com suas cisternas, não sofrerão com o calor infernal que nos mata.

De fato, os primeiros a morrer com o calor, são aqueles que em nada contribuíram para a emissão de carbono. Não! Foram vocês que desde o fim da Segunda Guerra emitiram 85% de todo CO2 já produzido no mundo.

Mas vocês sucumbirão, antes de encontrarem outro planeta para destruir, vocês arderão, quando isso acontecer, é verdade, a metade da nossa espécie já terá se extinguido.

No entanto, vocês malograrão na tentativa de perpetuar a sua espécie.

E quando já não sobrar nenhum de vocês, a vida voltará ao planeta, todas as outras espécies celebrarão o vosso fim.


Assim falou o profeta morto.


domingo, setembro 03, 2023

O DISCURSO QUE EU NÃO FIZ NO CASAMENTO DA MINHA FILHA

Eu quis te dizer tanta coisa,
sobre a vida, sobre o amor, sobre a dor…
mas sabe como eu sou,
não, não é o que vocês pensam,
que eu seria um tipo introvertido (autista - asperger),
ou daqueles pais simplesmente não liga.
Eu ligo e me importo!
É que eu te respeito muito, demais...para interferir.
Para mim, você e João sempre foram sujeitos, cuja individualidade, em especial desde que entraram na adolescência, eu tinha por dever respeitar ao máximo.
Eu vi você se desenvolver, dando umas cabeçadas aqui e outras ali, o que é absolutamente fundamental para a maioridade.
Eu não te disse muito, mas eu quis dizer, porém, meu respeito a você me impedia de dizer, não queria ser o tipo de pai que fala, fala e fala, como se deve viver a vida.
Então só me manifestei quando você me consultou… e você sabia que eu estava lá, quando precisava… sempre estarei.

Para ser justo, não quero pagar de pai descolado, eu só interferi uma vez. Foi quando você tinha uns treze anos e quis se engraçar com um carinha de dezoito… eu não resisti, fui no camarada, olhei pra ele e disse: Nem sonha em chegar perto da minha filha seu moleque! Tá me devendo essa Matheus…
Eu vi você se libertar, das asas aconchegantes e acolhedoras (mas extremamente firmes) da sua mãe, foi um dos momentos que mais senti orgulho de você.
Sair de casa, morar sozinha…ainda não plenamente autônoma, mas deixando claro que você seria senhora de sua própria vida.
Você tem a determinação e a coragem das mulheres que nos inspiraram com suas lutas pela liberdade e igualdade de direitos.
Eu me sinto um expectador privilegiado, alguém que pode olhar de perto as suas guinadas, recuos, mas sobretudo, a sua perseverança.
A felicidade e o orgulho me incendeiam hoje, não apenas por ter assistido uma das mais belas cerimônias matrimoniais da minha vida sabendo que ela aconteceu assim, porque você a fez acontecer. Não apenas porque vi teus olhos brilharem como nunca, não só porque você casou com o homem que ama, mas, principalmente, porque sei que, seja lá o que você tiver pela frente, você irá superar. Pronta para tudo? Não, quem está? Mas você, Juju, já descobriu que não vai deixar a vida por menos, você forjará sua história como deseja e sonha.

Te amo.
Papai.

quinta-feira, julho 06, 2023

SOBRE JANELAS E PORÕES

 “Aprender  uma  língua  é,  então,  inserir-se  em  um  mundo.  Quando  morre  esta  língua, fecha-se uma janela, uma possibilidade de mundo” (Johann & Fensterseifer)¹


Há mais ou menos um mês, acompanhei uma conversa interessante sobre “Parasita” (2019), filme dirigido por Bong Joo-ho. Era uma discussão (online)  de viés psicanalítico de um grupo de estudos que minha companheira Ercília (a quem chamo de marida²) faz parte, e eu usufruí da conversa como um ouvinte oculto. Por se tratar de um grupo de estudantes de psicanálise, a conversa girou em torno dos aspectos mais simbólicos do filme. Eu, que já tinha assistido ao filme em 2019, assisti novamente ao lado da minha marida, que o via pela primeira vez. É interessante quando vemos um filme, direcionados por uma linha de discussão, podemos dizer, quando somos sugestionados. 

Fiz novas reflexões sobre como a obra trata o abismo sócio-cultural que promove a “distinção” (Bourdieu), entre determinados grupos (ou classes) sociais. Um abismo que é construído justamente para este fim: distinguir seres humanos de outros seres humanos. Os bairros de luxo com suas mansões, suas avenidas impecáveis e largas, muito verde, os supersedãs pretos conduzidos por motoristas uniformizados, desfilando pelo asfalto sem buracos, muita iluminação e câmeras. O pouco de transporte público que por ali circula, o faz para trazer e levar os(as) serviçais que irão: limpar, lavar, passar, arrumar, cozinhar e levar os cãezinhos (que valem um ano de seus salários) para passear. 

Esses ambientes fantásticos (de fantasia mesmo), porém concretos, permitem que seus habitantes vivam em uma espécie de paraíso na terra, também os tornam completamente alienados do resto da cidade em que vivem e propiciam uma visão absolutamente deturpada da vida social nos bairros comuns, em especial das áreas mais pobres como as periferias, favelas, vielas, becos e morros. Esse abismo é magnificamente retratado em “Parasita”, os dois mundos são estranhos um ao outro, separados por uma “escadaria” (outro comentário que ouvi no encontro) quase sem fim, em que o pobre para se dirigir ao bairro dos ricos precisa subir, subir, subir… e, para retornar a sua casa necessita descer, descer, descer… a distância entre esses dois mundos, medida pela altura, deixa claro quem está em cima e quem está embaixo na escala social. 

René Magrite - A condição Humana, 1933

Ao longo da discussão, foi a alusão às “janelas de Parasita”, observação de uma colega do grupo de quem eu só ouvi a voz, que mais me chamou a atenção. Fiquei semanas pensando nessa imagem. Quem já assistiu ao filme, não tem como não se lembrar da imensa janela na sala dos Park (família dos ricos), que dava para um gramado impecavelmente verde com dezenas de árvores devidamente podadas ao fundo. Em contraste, a pequena janela do porão dos Kim (família pobre), situada no fim de um beco, só se podia ver os beberrões da rua se aproximarem para ali urinar. Enquanto os Park contemplavam através de sua imensa janela a chuva torrencial que caía sobre seu gramado esplêndido, pela janela dos Kim, a água barrenta da chuva, entrava, inundando toda a casa. 

As janelas já foram objeto de representações simbólicas em romances, filmes ou mesmo como elemento de reflexão filosófica.³ Quando pensamos em janela como metáfora a frase mais popular é: “os olhos são a janela da alma”. Uma busca rápida na internet, esta afirmativa é atribuída a Leonardo da Vinci, mas também a Edgar Allan Poe ou mesmo ao imperador romano Cícero.4 A fonte da frase não importa aqui, o que nos interessa é se a metáfora dos “olhos como janela da alma”, pode ser aplicada em “Parasita”. 

Primeiramente, creio que devemos refletir sobre o significado da expressão, “os olhos como janela da alma”, a meu ver, tal expressão pode ser pensada a partir de dois sentidos:

Primeiro, esses olhos não são olhos que miram o exterior, mas que revelam o interior não expressado pela língua. Assim, os olhos revelam o que está dentro, aquilo que a fala oculta, omite ou mesmo falseia, os olhos seriam uma janela através da qual se pode ver a verdade que procuramos esconder com a boca ou com o silêncio. Essa interpretação, no entanto,  nos leva a outra questão: que a alma que se revela através dos olhos de alguém, só se revela ao ser confrontada com outro olhar. 

Segundo, o modo como direcionamos nosso olhar, aquilo que, com nossos olhos dedicamos tempo e qualidade, é esse olhar dedicado que revelaria nossa alma. Ao escolhermos olhar para um lado em vez de outro, revelamos nossas sensibilidades, nosso interior.

Uma vez esclarecidas as duas possibilidades de pensar esta metáfora (pode haver outras), creio que podemos agora buscar saber qual desses dois sentidos nos é mais apropriado para pensar as janelas de “Parasita”? Acredito que ambos. No primeiro sentido, não são poucos os exemplos, olhares que revelam angústia, nojo, desejos, medo, preconceitos, raiva… não pronunciados(as) pela língua. Não me dedicarei aqui a discutir esse sentido, isto porque é o segundo sentido que mais me interessa pensar. Por qual razão? Porque as janelas de “Parasita”, o modo como elas aparecem nas cenas do filme, são sempre do interior para o exterior, isto é, sempre que olhamos através das janelas de “Parasita”, o fazemos do lado de dentro. 

A partir daqui, nossa metáfora da janela poderá se associar a outras metáforas ou alegorias. Se estamos tratando desse olhar que está dentro, a observar o mundo por uma janela, devemos pensar esta janela como uma possibilidade, mas também como uma perspectiva, ou seja, se por um lado a janela é uma “abertura” (que nos permite ter contato com o mundo exterior), por outro, ela também é “limite” (pois olhamos apenas o que o enquadramento da janela nos permite ver). 

Aqui, talvez, possamos conectar a janela como metáfora com a alegoria da caverna de Platão, a janela assim viraria a parede da caverna, onde se vê aquilo que é projetado pela luz da fogueira que está atrás. As imagens que vislumbramos pelos sentidos, tomadas como realidade, não passam de réplicas imperfeitas do real, como nos alertou Platão. Mas creio que para fazermos essa comparação com um pouco mais de fidelidade a metáfora das “janelas de Parasita”, precisaremos alterar um pouco a alegoria de Platão, uma vez que nesta, as pessoas se amontoam diante de uma mesma parede, de uma única caverna e compartilham as mesmas impressões sobre o real. Não seria o caso de pensarmos em outras cavernas com outras pessoas, com outras paredes e com impressões distintas do real? O que me leva a pensar que, em algumas situações, se pode moldar a paisagem exterior conforme a idealizamos, mas que as idealizações são heterogêneas. 

Se pela janela dos Park se pode ver um gramado absolutamente verde, árvores em harmonia, tudo simetricamente perfeito, é porque havia antes, uma ideia de perfeição paisagística combinada a uma ideia de arquitetura igualmente magnífica, que puderam ser concretizadas. Desta forma pode-se moldar o real ao nosso ideal? Pode-se, desde que haja condições sociais e econômicas para tal. Porque, no caso dos Kim, fica difícil imaginar que alguém idealizou aquela paisagem. Quem idealizaria um real como aquele? Quem, havendo liberdade de escolha, decide morar nos porões de um beco fétido? E se os homens da alegoria de Platão não tivessem alternativas se não, a de tomar como real aquelas imagens projetadas na parede da caverna? Ou, ainda, e se as imagens tomadas como real em nossas janelas não fossem aquelas que nós idealizamos, mas que nos foram impostas?

Se em Platão, as imagens projetadas na parede da caverna são imposições da percepção enganosa e, portanto, a razão é o único caminho para chegarmos a uma verdade última, isto é, deixar a caverna e enxergamos o real como ele é. Em “Parasita”, temos duas janelas que projetam realidades incomensuráveis. Hoje sabemos que não existe uma realidade última e originária, sabemos também que as duas realidades retratadas em “Parasita” são construções sociais. Mas se são construções sociais, as imagens que são projetadas por meio de nossas janelas podem incidir sobre quem nós somos? Reformulando, somos de alguma forma definidos a partir da paisagem que se apresenta a nós pelas aberturas que dispomos?

Sei que estou me estendendo, talvez, um pouco repetitivo, mas antes de responder às questões acima, preciso voltar um pouco, porque há mais uma questão fundamental que devemos refletir antes, refiro-me sobre os olhos serem “as janelas da alma”. Quanto às janelas como metáfora creio que já exploramos essa questão de modo satisfatório, mas o que devemos pensar sobre a “alma”? Creio que devo esclarecer aqui que não sou um essencialista, portanto, interpreto essa categoria “alma”, como nossas subjetividades. Caso contrário, quem vier a ler essas reflexões, um pouco prolixas eu sei, poderá pensar que eu creio em algum tipo de sujeito universal, cuja essência humana perdura continuamente no tempo e espaço. Dito isto, por “alma”, entendo aquilo que nos individualiza, este indivíduo (indivisível, uno), só pode se constituir com tal por meio das interações, isto é, só existe subjetividade pela intersubjetividade. Neste sentido, o conhecimento não é propriedade de uma consciência individual, mas processo intersubjetivo mediado pela linguagem (Johann & Fensterseifer). É por isso que Gianni Vattimo (2003) escreveu que não existe realidade objetiva em parte alguma; “não há ninguém que veja a verdade sem ser com os olhos, e os olhos são sempre de alguém. Se quero arrancar os olhos para ver as coisas como realmente são, não vejo mais nada.” 

Voltando às questões que deixei em suspenso, se somos definidos pela paisagem que se apresenta a nós como realidade? Penso que não. Mas se ela (a paisagem) não nos molda, tem condições de produzir habitus (novamente Bourdieu), isto é, estruturas estruturadas socialmente e por isso, estruturantes. A própria paisagem é parte da estrutura estruturada, ela é elemento intersubjetivo entre a sociedade e o indivíduo, nela, estão fundidas às condições objetivas e subjetivas. 

Se você chegou até aqui, sinto se irá se decepcionar, se Nietzsche não pretendeu erigir novos ídolos, imagine se eu ousaria a tanto, por isso não trago aqui qualquer revelação nova, desde o início destas linhas deixei claro que pretendo apenas refletir sobre essa noção de “janela da alma” a partir de “Parasita”. Nem por isso vou deixar aqui de dar um passo adiante, no sentido de chegar a algum lugar com essa reflexão. Um lugar que enxerguei com “meus olhos”, um lugar que enxerguei hoje, mas que amanhã poderei ver de outra forma. Em “Parasita”, vemos duas janelas que projetam realidades antagônicas, uma mostra uma realidade harmoniosa e ordenada, a outra mostra uma realidade caótica e hostil. Pela janela dos Park, a realidade de pessoas como os Kim é fruto da falta de vontade de mudar a própria realidade, falta-lhes mais esforço, mais mérito, falta propósito. Por isso, ao contemplar seu paraíso particular por meio de sua imensa janela, o Sr. Park, se sente orgulhoso, pois fez por merecer. 

É esta a realidade produzida pelas classes dominantes, a de que as desigualdades brutais são resultados do esforço, do empreendedorismo, isto é, do desempenho individual de alguns, e claro, da ausência destes elementos em outros. Projetam-se imagens por todos os veículos de mídia e comunicação reforçando esta paisagem: do trabalho e do esforço como caminho para uma realidade melhor. Esta, é a janela da “alma do capitalismo”. 

Jônatas Carvalho.

Notas: 

¹ Johann, M. R., & Fensterseifer, P. E. (2020). LINGUAGEM E CONHECIMENTO: “JANELA” COMO METÁFORA DA CONDIÇÃO HUMANA. Revista Ilustração, 1(2), 69–78.  https://doi.org/10.46550/ilustracao.v1i2.19 

² Por que Marido e Mulher? Por que não Marido e Marida? Acompanhem o link e descubram o que o roteirista Yann Rodrigues tem a dizer sobre isso:  https://alemdoroteiro.com/2015/08/30/marido-e-mulher/#:~:text=Para%20come%C3%A7ar%2C%20%E2%80%9Cmarido%E2%80%9D%20vem,%2C%20especificamente%2C%20o%20homem%20casado.  

³ Já que estamos no campo do cinema, vou citar aqui dois filmes em que a janela é tomada como metáfora: Janela Indiscreta (Alfred Hitchcock - 1954) e Janela Secreta (David Koepp - 2004). 

4 De acordo com Marco Azamorra em “Meu olho, minha alma” a frase correta é “os olhos são a janela da alma e o espelho do mundo” e foi escrita por Leonardo da Vinci. 



sexta-feira, março 10, 2023

A PSICANÁLISE EM ANÁLISE.

— Quer dizer que a senhora nasceu em meio aos círculos vienenses de classes abastadas, circulou pelas camadas sociais elevadas da Europa, na Suíça, por exemplo, e tornou-se queridinha das elites francesas? A senhora já emprestou seus ouvidos a um pobre?

— Para sua informação, eu não nasci em meios abastados como acreditas, meu mentor, era filho de um comerciante modesto na Morávia. O rapaz teve uma vida muito difícil, apenas na maturidade conseguiu algum conforto.

— Mas seus outros dois mentores, eram oriundos de classes elevadas, não?

— Se refere a Jung e Lacan?

— Sim.

— Eram. Mas acho que tal associação não é relevante. Quantos saberes nasceram em meio às classes dominantes? O que dizer da medicina? Da própria filosofia grega, restrita apenas aos cidadãos atenienses, por exemplo.

— Claro, mas a medicina se popularizou, assim como a filosofia. Mas me parece que a senhora ainda se encontra distante das classes menos favorecidas.

— Mas você julga que este é um problema meu? Não seria uma condição imposta por outros discursos? Não esqueçamos que estamos lidando com relações de saber-poder em que eu sou colocada numa condição de inferioridade, de não ciência, por vezes, até de impostora.

— Não seria o caso então de se fazer ser ouvida? Comprovar sua condição científica e seu valor no mundo?

— Caminhei bastante, já dei alguns passos importantes, mas não se alcança tal condição apenas pelo caminho do debate científico-metodológico, outra vez mais repito, estamos diante de relações de saber-poder, logo, trata-se também de política.

— Mas seus acusadores são pontuais quanto às suas desqualificações.

— Ah sim, eu os conheço bem, assim como suas acusações. Alguns da psicologia alegam que estou ultrapassada, não sou apropriada para lidar com o mundo moderno, mundo este em que se exige soluções mais rápidas para tudo. Outros dizem que sou pretensiosa ao estabelecer categorias que seriam universalizantes, que desconsidero as sociabilidades múltiplas e a diversidade cultural.


— Mas não há verdade nessas acusações?

— Evidente que não. Saberes e conhecimentos são vivos, se transformam com a nas sociedades. Afirmar que sou ultrapassada, ou inapta porque o mundo mudou, é ignorar que os psicanalistas de hoje não são os mesmos do passado, eles ou elas são deste tempo. Você vai ao médico achando que vai encontrar um Hipócrates? Vai a um advogado esperando encontrar um código de Hamurabi? Por que achas então que vais deparar com o Freud no consultório de um ou uma psicanalista? Eu tenho um passado, ele me orienta, mas não me determina, estou por décadas em constante relação com todas as mudanças e transformações sociais. Meus diálogos com a antropologia, sociologia, pedagogia, psiquiatria e muitos outros campos de saber são profícuos, quanto a psicologia, há milhares de profissionais da área que me abraçaram.

— O que dizer aos que alegam, como certos setores da neurologia, que a senhora é insuficiente? Em especial em casos de esquizofrenia, comprovadamente uma doença de caráter neurológico.

— Eu gostaria de saber quem é suficiente? Eu nunca me iludi com a suficiência meu filho. Desconheço um saber que se pretende suficiente, se há algum, não é saber. Já se foi o tempo em que as sociedades foram analisadas por meio de métodos retirados das ciências naturais. Sabemos há muito tempo das complexidades humanas e sociais, eu, certamente, não ignoro isso. Tenho um papel na sociedade, um importante, mas nunca absoluto, nunca esgotado em mim, ao contrário.

— Bem, se me permite então voltar à segunda pergunta que fiz no início de nossa conversa, quanto aos pobres, a senhora não está muito restrita às camadas médias e altas? A senhora já se aproximou dos pobres?

— Ora, ora, realmente espero que sua pergunta seja apenas ignorância. Vejo que você nunca ouviu falar do Instituto Psicanalítico de Berlim. Criado em 1920, com alguns objetivos específicos, nossa preocupação primeira foi auxiliar os pobres rapazes que sobreviveram àquela guerra devastadora, mas voltaram com neuroses horríveis. Quando eu digo nós, me refiro, para além do meu primeiro mentor, outros grandes colaboradores, como Max Eitingon, Ernest Jones, Karl Abraham, Sàndor Ferenczi e Ernest Simmel. No relatório elaborado pelo Max, após dez anos de trabalho, Freud, escreveu um prefácio que irá, creio eu, responder sua questão, lerei uma parte:

As páginas que seguem descrevem a organização e as realizações do Instituto Psicanalítico de Berlim, ao qual cabem três funções importantes no interior do movimento psicanalítico: tornar acessível nossa terapia à massa de seres humanos que não sofrem menos de suas neuroses que os ricos, mas que não estão em condições de pagar pelo seu tratamento. (Freud, 1930).

O instituto foi um projeto da Associação Internacional de Psicanálise, no fundo, um grande sonho meu, que, com a solidariedade de meus colaboradores, conseguimos realizar. Se me permite, quero trazer aqui um testemunho do que ocorreu naquele lugar.

— Claro, por favor, a vontade.

— Lerei um depoimento de Simmel:

Era um empreendimento ousado, em tempos de colapso econômico, um instituto que devia tentar tornar o tratamento psicanalítico acessível àqueles mesmos que viam sua neurose ser reforçada por causa da miséria econômica ou que eram ainda mais expostos, suscetíveis ao empobrecimento material por causa de suas inibições neuróticas. Dada a extensão da catástrofe social do período pós-guerra, a capacidade do Instituto Psicanalítico de Berlim só poderia ser insignificante; no entanto, hoje, suas possibilidades de impacto, de incidência social, excedem amplamente o tratamento de um indivíduo. As 117 análises atualmente em curso são o centro, o eixo de uma penetração psicanalítica que se espalha de maneira contínua, precisamente na camada social desfavorecida. De fato, a psicanálise pode liberar o indivíduo de sua atitude irracional em relação à realidade, causada por seus complexos; ela o torna novamente capaz de atividades normais e tem, portanto, efeitos de saúde mental inclusive sobre aqueles que o rodeiam (Simmel, 1930).

— Creio que deixei claro, que as preocupações com os menos favorecidos, sempre estiveram presentes na minha história. Há muitos outros exemplos que eu poderia dar aqui, mas penso que esse é suficiente.

— Mas e hoje? A senhora pode dizer que é acessível aos mais pobres?

— Escute meu filho, Freud dizia que as "neuroses ameaçam a saúde pública não menos que a tuberculose." Imagino que você saiba o que a tuberculose já representou em termos de saúde pública? Pois bem, mas isso foi superado, ela não é mais uma ameaça, porém, as neuroses nunca deram trégua. Acreditas que temos mais ou menos neurose no mundo hoje do que no tempo de Freud?

— Creio que mais.

— Pois é. Hoje, já posso ser considerada uma senhora, mas uma característica que me marcou desde a juventude, é que sempre fui oposição ao discurso dominante da medicina em enxergar o paciente como um sujeito passivo, alienado sem quaisquer condições de referenciar a si mesmo. É contra esse discurso, ainda não totalmente superado, que eu sigo lutando. É provável que por isso sigo barrada na saúde pública por aqui no Brasil, o que não significa que eu esteja totalmente de fora, tenho contribuído por diversos caminhos, mas não há um cargo funcional no SUS para psicanalista, embora haja muitos psicanalistas concursados por outras funções e atuando em equipes multidisciplinares.

— A senhora tem esperança de que isso mude?

— Não sei se esperança é o termo mais adequado, como nos ensinou Spinoza, a esperança é um afeto que está sempre acompanhada do temor. Eu apenas lido com isso, desenvolvo minha própria ataraxia, sem que isso se torne uma acomodação, ao contrário. Procuro ocupar outros espaços que considero muito importantes, mais que isso, fundamentais. Há muito tempo contribuo para o debate sobre forjar subjetividades descolonizadas, seja no campo das questões raciais, das múltiplas orientações sexuais ou de gênero. Dedico-me à construção de um Eu autônomo, desalienado, reflexivo e capaz de deliberar sobre si. Meu objeto, nunca foi o sujeito (cartesiano ou transcendental), mas o indivíduo em seus processos de individuação.

Jonatas Carvalho.




Referências:

NUNES, Macla. A Policlínica de Berlim: utopia freudiana?. Trivium, Rio de Janeiro , v. 12, n. spe, p. 50-56, set. 2020 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2176-48912020000200007&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 07 mar. 2023.

FONSECA, Valéria Wanda da Silva. A psicanálise tem os meios paratratar os pobres?. Estud. psicanal., Belo Horizonte , n. 34, p. 133-142, dez. 2010 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-34372010000200020&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 07 mar. 2023.

Prefácio ao Relatório sobre a Policlínica Psicanalítica de Berlim (março de 1920 a junho de 1922), de Marx Eitingon. In: ______. Edição Standard brasileira das obras psicológicas completas. Trad. Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1976.

Introdução à Psicanálise e as Neuroses de guerra (1919) In: ______. Edição Standard brasileira das obras psicológicas completas. Trad. Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1976.

Thamy Ayouch. A psicanálise : um projeto de autonomia ?. Cadernos Ser e Fazer, 2005, pp.55-70.

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segunda-feira, janeiro 16, 2023

O ACASO VAI ME SURPREENDER, ENQUANTO EU ESTIVER DISPONÍVEL.



Devia ter complicado menos
Trabalhado menos
Ter visto o sol se pôr
Devia ter me importado menos
Com problemas pequenos
Ter morrido de amor
Titãs - Epitáfio - 2001.

Epitáfio, composição de Sergio Affonso e Eric Silver, é uma dessas canções que são filosoficamente complexas pela sua simplicidade. O título da música é extraordinário; epitáfio, cuja etimologia significa "sobre o túmulo". Originalmente são dizeres escritos nas placas tumulares que de alguma forma sintetizam a existência de alguém que não está mais entre os vivos. Qual dizer ou frase dignificaria a sua existência nesta terra? Eu sei, é difícil, não sei se conseguirei definir uma para minha, sequer sei se terei uma placa. Seria possível resumir uma existência inteira em uma placa com poucas palavras? Uma ou duas frases são capazes de nos resumir? Ao priorizar algo mais significativo em nós, não estaríamos nos limitando? 

Parece que o sentido real da placa, tem a ver com o como queremos ser lembrados. Tá ai coisa que eu não faço a menor ideia, não penso nisto, não me importo como se lembrarão de mim, ou mesmo se serei lembrado. Me importa viver! Viver de modo que eu tenha menos arrependimentos pelo que deixei de fazer porque tive medo de tentar, do que ter dado com os "burros n'àgua" por me precipitar na vida. Desconheço arrependimento mais cruel do que "eu devia ter..." ou, "eu podia ter...", é sobre isto que se trata "Epitáfio", uma longa lista de como a vida poderia ter sido diferente, mas agora é tarde demais. 

A canção dos Titãs causou muitos incômodos aos que veem a vida como algo organizado transcendentalmente. Para alguns de nós há uma ordem pré-estabelecida, para outros há um ser superior que possui tudo sob seu controle, para esses o acaso não existe, não passa de uma ideia infundada que desconsidera algum tipo de plano cósmico. Outro ponto importante, o acaso não pode ser confundido com causalidade, não se trata de causa e efeito, trata-se  de possibilidades múltiplas e o modo como lidamos com essas multiplicidades ou não.  

Muitas vezes temos a nítida sensação que nossa vida passou por reviravoltas surpreendentes, eventos inesperados se colocam diante de nós. Como explicá-los? Eu já experimentei algumas vezes essas mudanças. A última, bem recentemente, se deu muito rapidamente. No início de setembro de 2022 eu me achei sem emprego e sem lugar pra morar, me propus recomeçar do zero. Aos cinquenta e três anos de idade uma situação assim pode parecer muito arriscada, é muito compreensível temer, a insegurança pode perfeitamente nos fazer recuar. 

No meu caso eu sequer pestanejei, me fui. Saí do Rio e vim pra São Paulo, sem muitos planos, queria passar uns meses, quem sabe até o final do ano relaxando um pouco e me dedicando a minha tese, abandonada, devido às jornadas pesadas de trabalho. Para minha surpresa, em algumas semanas eu já estava trabalhando e agora no início 2023, cá estou com duas escolas aqui em Sampa. Mas não para por aí, porque além da vida profissional, minha vida afetiva também sofreu uma reviravolta. Eu que buscava somente alguém para compartilhar umas bebidas e conversas em um sábado à noite, quem sabe, um sexo sem promessas duradouras. Mas o que ocorreu eu não previ, não estava no script, em pouquíssimo tempo me vi subitamente envolvido. Esse tipo de paixão que nos ocupa sem pedir licença, sem fazer grandes considerações, simplesmente nos invade. E se você, meu caro ou cara leitor(a), pensas que esse cinquentão aqui está tomado por um tipo de idiotice da adolescência tardia, eu respondo com Dostoiévski: "a vida não é para sempre, ela é uma correnteza."  O que não quer dizer que é queda d'água, mas se não desgarrarmos das pedras, não saberemos o que o rio nos revelará depois da curva. 

O acaso, neste sentido, não é aleatoriedade pura, pois dificilmente ele se manifestará se não tivermos criado as mínimas condições. Apenas em movimento podemos nos deparar com  o aleatório, somente quando nos dispomos, quando nos lançamos em direção ao fluxo das águas que saberemos o que a vida poderá nos apresentar. O acaso não apenas vai nos proteger se estivermos distraídos, ele irá nos surpreender. 

Jonatas Carvalho
Epitáfio - Morreu de Amor.