domingo, fevereiro 26, 2017

SOBRE O POLITICAMENTE CORRETO E OS MIMIMIS; AOS LEITORES DA VEJA.

A Veja dessa semana trouxe em sua capa a foto do casal Lázaro Ramos e Taís Araújo, o conteúdo da matéria procurou colocar os dois atores "Globais" como exemplos de como o talento pode superar as adversidades raciais. Em pouco tempo uma chuva de crítica de seus leitores que acusavam a revista de fazer uso de uma "agenda esquerdista", protestaram contra a "dívida histórica", "apropriação cultural", tudo não passa de mimimi, a onda do politicamente correto, longamente denunciada pelo filósofo de direita Luiz Felipe Pondé. 

O que os leitores da Veja não entenderam é que a sua última capa visava evitar outro mimimi, aquele que coloca Temer e Padilha no meio negócio da corrupção, do caixa dois do PMDB. Afinal, as inúmeras denúncias contra o presidente e seus ministros já está virando mais um mimimi, ficar protestando sobre o silêncio da grande imprensa e dos paladinos procuradores da lava jato é mais um chororô dessa esquerda descarada que não faz outra coisa nos últimos 13 anos se não aparelhar o Estado brasileiro. 

Quando vi a capa da Veja, notei uma faixa em sua parte superior onde se lê "Fui mula do Padilha", uma referência a fala de José Yunes, amigo íntimo de Temer, confirmando a delação de Melo Filho sobre o repasse de quatro milhões a Eliseu Padilha. Fiquei pensando como seria essa edição se o caso fosse referente a mais um escândalo do PT, se Dilma ainda estivesse no Alvorada, se fosse ela que tivesse pedido ao Marcelo Odebrecht dez milhões. Se fosse esse o caso, haveria uma inversão de prioridade da notícia, o Lázaro e a Taís virariam a faixa e a capa estamparia o escândalo. Assim a capa da Veja foi providencial, gerou um tititi entre os críticos do politicamente correto, temas como cotas raciais e meritocracia repercutiram nos demais órgãos midiáticos, desta forma, a Veja cumpriu seu papel; minimizar os efeitos dos escândalos contra a presidência de Temer. 


Quantos aos leitores da Veja, esses acéfalos que recusam entender os efeitos da escravidão negra, não creio que valha muito a pena comentar essa gente. Uma gente que acha que a escravidão acabou há mais de um século e seus efeitos não estão mais entre nós. Uma gente que se nega a enxergar as disparidades entre negros e brancos nos ambientes de classe média e das elites. O Joaquim Barbosa foi usado da mesma forma que o casal global por essa gente. Eu me pergunto quando haverá outro negro no supremo? Um negro no supremo resolve tudo ou acentua ainda mais nossas desigualdades? O ministério de Temer indica que não há negros qualificados para grandes cargos públicos ou que tais espaços estão sob o controle das elites políticas que são brancas? 

Enquanto escrevo essas linhas escuto Lisa Simone, cantora de voz exuberante e filha da espetacular Nina Simone. Nina compôs em 1964 a canção Mississippi Goddam (algo como puta que o pariu Mississipi), a canção foi um protesto contra o massacre de 1963, um dos mais marcantes na história da luta pelos direitos civis nos EUA, quando quatro crianças negras foram assassinadas em um atentado racista em uma igreja batista na cidade de Birmingham, no Alabama, logo após, o ativista Medgar Ever também fora assassinado. Mississippi Goddam tornou-se um hino do ativismo negro estadunidense. Nina cantou no sepultamento de Martin Luther King em 1968.  

Abaixo a letra, música e tradução de Mississippi Goddam:

quinta-feira, fevereiro 23, 2017

A MORTE DE DEUS E O HOMEM PROBLEMÁTICO

"Copérnico destruíra a ilusão cósmica de que o homem estava no centro do universo. Darwin destruíra a ilusão biológica de que o homem era um ser essencialmente diferente e superior aos animais. Finalmente, a psicanálise desferiu  o golpe que é provavelmente o maior de todos, nomeadamente que o homem nem sequer era dono da sua própria casa, que o ego (razão) não dirigia a vontade e todo o trabalho do espírito, como normalmente se pensara." Franklin L. Baumer. 

Denominado pelo historiador Eric Hobsbawm de "o longo século", o século XIX foi de fato um período extremamente importante para compreendermos, parafraseando Foucault, "como nos tornamos o que somos". Trata-se de uma época cheia de dualidades, se por um lado é o período das metanarrativas, das utopias que visavam uma sociedade moral e economicamente viáveis. Por outro, é também no dezenove que se consolida as bases para a desconstrução do sujeito histórico moderno, do homem ilustrado. O fim do homem só se concretizaria no século XX, após as duas Grande Guerras, assim podemos dizer, numa expressão kuhniana, que é a partir da metade do século XIX que o paradigma moderno apresenta-se em crise. 

O sonho da razão produz monstros - Franciso Goya.  
A dissolução do homem só foi  possível após a morte de deus. Esta se deu por meio de um processo gradual, passando por Espinosa, excomungado por ateísmo em 1656, por Feuerbach autor de "A essência do cristianismo" em 1841, até a publicação de "A gaia ciência" em 1882 por Friedrich Nietzsche. A obra de Nietzsche é uma constatação de que uma forma de pensar havia sido substituída por outra, a morte de deus, é assim, o fim de uma estrutura de pensamento cujo fundamento era a teologia judaico/cristão. Freud em 1927 no seu ensaio "O futuro de uma ilusão" escreveu: " Os deuses conservaram a sua tripla tarefa, afastar os pavores da natureza, reconciliar os homens com a crueldade do destino, em especial como ele se mostra na morte, e recompensá-los pelos sofrimentos e privações que a convivência da cultura lhes impõe." Ao fim, conclui: "Não há instância alguma acima da razão." A nova estrutura de pensamento, agora calcada na razão iluminista kantiana, colocara o homem no lugar de deus, e apesar de toda a euforia gerada pela superação das superstições religiosas, Nietzsche não se entusiasmou, para ele seria necessário também superar o homem.

Franklim Baumer, ao escrever " O pensamento Europeu Moderno" no início de 1970, dedica-se no volume dois de sua obra a demonstrar como o homem tornara-se problemático. Foi na literatura de Samuel Beckett, de Aldous Huxley, de Marcel Prust e de André Malraux que Baumer procurou asseverar o homem problemático, Enquanto Huxley em "Admirável Mundo Novo" (1932), colocava o homem na Incubadora Central  de Londres para se tornar robotizado, Malraux um ano mais tarde diria que "o homem tem qualidades, mas raramente são admiráveis ou heroicas". Na mesma época, Robert Musil escrevera "O homem sem qualidades". Assim como a psicanálise, outro elemento de extrema contribuição para a desconstrução do homem foi o advento da antropologia, que trazia consigo a relativização, isto é, não existe uma natureza humana que seja universal, um lugar central onde todos os homens se identificam. O etnólogo Möllberg colocou uma questão, diz Baumer: "a noção do homem significa alguma coisa?"  Após isolarmos os elementos fundamentais de suas culturas, suas crenças, estruturas mentais, seus costumes, após retirar tudo, é possível encontrar uma ideia fundamental, verdadeira para todos os homens em todos os lugares e fazendo parte da história? A reposta vem do próprio Mölberg; "o homem fundamental é um mito". 

O homem ainda não foi superado como queria Nietzsche, mas todas as suas mazelas já nos são conhecidas, a busca por sentido o levou ao "ouro de tolo" como nos ensinou Raul Seixas em 1973:

É você olhar no espelho
Se sentir um grandessíssimo idiota
Saber que é humano, ridículo, limitado
Que só usa dez por cento de sua cabeça animal
E você ainda acredita que é um doutor, padre ou policial
Que está contribuindo com sua parte
Para nosso belo quadro social.


Mas o homem já não é mais o mesmo. Agora ele é incerto, relativo, plural, se sua fé na religião acabou, ele também rejeita os dogmas científicos, todavia ele continua destrutivo, se o darwinismo social colocou sobre o homem branco o "fardo" de civilizar o mundo, o relativismo pós-moderno, associado ao liberalismo econômico vem garantindo a supremacia branca sobre as demais e, por conseguinte,  a continuidade da destruição do planeta.  
  
Jonatas Carvalho.
















sexta-feira, fevereiro 17, 2017

O FIM DA HISTÓRIA: A REFORMA DO ENSINO MÉDIO

O homem não é só feito pela história, a história é feita pelo homem. (Erich Fromm)

Após Francis Fukuyama ter escrito "O fim da História e o último Homem" em 1992, uma série de ataques foram desferidos contra sua tese, mas, por outro lado, o cientista político também tornou-se livro de cabeceira de muita gente. O que Fukuyama queria dizer na verdade? Não era exatamente sobre o fim da História como disciplina que estuda a ação dos homens ao longo do tempo, mas o fim de uma história; a da busca pelo modelo perfeito de sociedade. Após todas as utopias proclamadas no século XIX, todos os "ismos", finalmente havíamos achado a fórmula certa de funcionamento das sociedades, este seria a combinação entre a democracia e a economia liberal. Fukuyama escreveu sua tese influenciado pela queda do muro de Berlim em novembro de 1989, a derrubada do muro tornou-se a representação simbólica da derrota do sistema socialista e o fim da URSS. O que Fukuyama não percebeu é que sua tese incidiu em uma série de predicados utópicos, como exportar o modo de vida americano em todo globo, mesmo reconhecendo as dificuldades desse projeto, o autor previu que ele se expandiria e alcançaria todas as nações. O que Fukuyama não entendeu é que a economia de mercado liberal não quer levar a democracia tripartite mundo afora, o liberalismo econômico não deseja um mundo igualitário, ele precisa dos ditadores, precisa alimentar as desigualdades para continuar expropriando as riquezas, para continuar parasitando como diria Baumam. O modelo defendido por Fukuyama é aquele em que as corporações impõem aos Estados a agenda e as demandas sociais, que privatiza saúde e educação tal como querem fazer o atual governo brasileiro.

A reforma do ensino médio, assim como a a previdência são exemplos dessa lógica perversa que visa desonerar o Estado ampliando os lucros das corporações. O que é mais lastimável nisso tudo são as mentiras empregadas como argumentos  de convencer as populações para a aceitação do programa de governo. A propaganda veiculada pelo Ministério da Educação em âmbito nacional divulga o "Novo Ensino Médio", afirma que o aluno agora terá mais liberdade para estudar, podendo escolher os conteúdos de acordo com sua vocação, parece um sonho que finalmente será realizado.

O que a propaganda não diz é que quando o aluno ou aluna chegar aos 14 ou 15 anos no primeiro ano do ensino médio e por acaso ele julgar que no futuro ele será um contador(a), engenheiro(a) ou economista, ele ou ela chegará a faculdade sem ter tido aulas de geografia e história, e ao longo dos três anos terão um ano de sociologia e de filosofia. O novo ensino médio, propõe que estes alunos passem três anos aprendendo português e matemática exaustivamente, para que um engenheiro ou um contador precisará de história e geografia? A nova proposta do governo deixa de lado o aspecto da educação de formação sócio-integral para uma linha de montagem de tecnocratas e os tecnocratas são programados para serem pragmáticos e produtivos, não críticos.

É evidente que o atual modelo é retrógrado, é exaustivo, incoerente. Mas seria a solução mais inteligente excluir da obrigatoriedade a História e a Geografia? Um aluno decide que fará medicina e passará todo o ensino médio estudando matemática e português (as duas únicas obrigatórias nos três anos), e uma parte desse tempo estudando ciências da natureza, sem qualquer noção da história ou da geografia. Um médico não precisa saber sobre democracia e globalização, claro que não. Não estou afirmando aqui que categoricamente um profissional de saúde será menos humanista sem o conhecimento de história e geografia, mas que o contato com tais disciplinas podem ser importantes para ampliar sua visão de mundo e decidir que tipo de médico ele quererá ser.

Por fim, cabe perguntar, por que História de Geografia deixam de ser obrigatórias? Por que Filosofia e Sociologia serão aplicadas apenas em um ano nos três? Deve-se a isso a fantasiosa noção reverberada pelo Escola Sem Partido de que os profissionais dessa área são um bando de "doutrinadores"? Nesse caso é melhor que estudantes de medicina e engenharia nunca tenham contato com os ensinamentos de Milton Santos ou Jacob Gorender, mesmo que para isso também lhes sejam tiradas as oportunidades de ter  contato com as ideias de Evaldo Cabral de Mello, Boris Fausto, Maria Yedda Linhares, Ângela Castro Gomes, Amélia Luísa Damiani Pasquale Petrone.... isso pra ficar só com os nacionais. O novo ensino médio tem um caráter de tecnologia de poder sobre o corpo, como já nos alertava Foucault (outro nome que será cada vez menos conhecido entre nossos alunos), uma educação que procurará produzir sujeitos dóceis, disciplinados para o mercado de trabalho e de pouca resistência crítica.  Talvez Fukuyama não esteja de tudo equivocado, o modelo último de sociedade que ele previu, poria um fim a história.


Jonatas Carvalho.







quarta-feira, fevereiro 15, 2017

CONVERSAS COM PAI JONÃO : A QUE PONTO CHEGAMOS.

– Bom dia Pai Jonão! Como vai a saúde?

– Oxente! Ocê tá sumido! Eu vou bem meu fio...só aquelas coisas de veio...hehehe. 


– Que bom saber. Bem, estou passando aqui porque já faz um tempinho que a gente não        proseia, queria saber o que o Pai Jonão tem pra dizer sobre tudo que tá acontecendo. 

– Eu avisei.....serve? Hehehe...

– Sim meu Pai, mas eu não sabia que ia dar tanta merda! Eu estou estupefato!

– Não sei o que isso significa meu fio, mas pela sua cara deve ser ruim....hehehe.

– Estou paralisado meu Pai, não acreditando no que tenho visto. A que ponto chegamos? 

– Posso lhe garantir que ainda não chegamos ao final....hehehe. Até 2018 muita coisa ainda vai acontecer. 

– O Sr. está fazendo previsões de pioras? Acredita que ainda vai piorar muito?

– Ocê não acha que eu sou Miriam Leitão acha? 

– Não! Me perdoe não quis ofender....mas queria saber de verdade o que o Sr. acha.

– Porque ela escreveu ontem que havia sinais de melhoras para a economia e hoje manchete é o recuo de quase 30% das vendas de carros no Brasil....hehehe. 

– Mas o que o Sr. acha de tudo meu Pai? 

– Acho que tô veio....veios não tem credibilidade nos dias de hoje. Eu falei procê dos planos do Jucá e ocê duvidou, achou que eles não tinham peito pra fazer, não com a imprensa e essa tar de internet. Taí, já fizerem meu fio. 

– Mas meu Pai, a imprensa ainda tá apoiando a Lava Jato. 

– Hehehe....entenda uma coisa meu Fio, a imprensa neste país atende aos interesses dos grandes e os grandes querem deter a Lava Jato. 

– Mas as delações da Odebrecht podem ser divulgadas em qualquer momento, ai não tem como segurar. 

– Hehehe...ocê acha mesmo? Vai vender manchetes por um tempo, a Globo fica feliz, depois o Alexandre que será sabatinado no senado pelos caboclos que foram delatados vai virar revisor da Lava Jato no STF. 

– Isso é um absurdo meu Pai! Mas tem os outros ministros do supremo, tenho certeza que haverá condenações. 

– Hehehe....tem o Gilmar, vai bater todos os recordes de pedido de vistas. 

– O Sr. está me dizendo então que não vai mudar nada? 

– Vai meu Fio....claro. Vai mudar pra muito pior antes de um dia melhorar. As medidas que estão sendo tomadas vai atingir profundamente a nação e não tô falando só dos 3,6 milhões de brasileiros que voltaram ao bolsa família. A reforma da previdência assim como a trabalhista serão trágicas para o povo. A turma do Michel é tão cara de pau que colocou como presidente da Comissão da reforma da previdência um deputado que recebeu 300 mil de doação dos bancos de previdência privada. 

– Outro absurdo. Mas é preciso mudar nas regras da previdência meu pai, não? 

– Claro, desde que se mude para favorecer os banqueiros...hehehe. O trabalhador vai ralar até aos 75 anos, pagando impostos que o governo utiliza para manter a elite feliz, e ainda terá de pagar para ter alguma dignidade quando aposentar.....se conseguir aposentar. 

– Estou desolado, fiz uma contas e só me aposentarei aos 78. Não sei o que faço.

– Onde ocê escondeu suas panelas? hehehehe....


Jonatas Carvalho








terça-feira, fevereiro 14, 2017

A RESISTÊNCIA AO MULTICULTURALISMO E AO DIREITO DAS MINORIAS


Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades. (Boaventura de Souza Santos) 

Ásotthalom é uma pequena cidade na Hungria, cuja distância da capital Budapeste é de 200 Km. O país tem fronteiras com a Áustria, Eslováquia, Ucrânia, Romênia, Croácia, Eslovênia e Sérvia. Ásotthalom que possui aproximadamente quatro mil habitantes faz fronteira exatamente com a Sérvia. O prefeito da cidade, Laszlo Toroczkai, ao longo de seu mandato conseguiu aprovar uma série de leis municipais cujo objetivo é manter longe toda e qualquer tipo de cultura que não a cristã-ocidental. Na cidadela é proibido construção de mesquitas, as mulheres muçulmanas não podem usar hijab (véu) e ainda veta qualquer demonstração em público de afeto entre gays. O prefeito declarou em uma entrevista à BBC que "gostaria que a Europa fosse dos europeus, a Ásia dos asiáticos e a África dos africanos. Simples assim." Digamos que faltou à correspondente da BBC dizer ao prefeito que seria ótimo se há um pouco mais de um século tal pensamento tivesse sido respeitado, quando a Europa tomou a África e a Ásia. 

Infelizmente o ideal de um mundo multicultural, multifronteriço, não mais de Estados Nações e sim de Estados Plurinacionais vem sofrendo fortes rejeições em muitos cantos do mundo desde que tais concepções passaram a ser defendidas e propagadas no âmbito dos direitos universais. As medidas adotadas em Ásotthalom encontram ressonância no próprio país, a Hungria sofreu sanções da UE por elevar cercas de rame farpado ao longo de suas fronteiras. Esses eventos de caráter nacionalista tendem a ser intensificar em tempos de crise econômica. 

A tenção entre o Nacional e o Global vem de longa data, o movimento transnacional liberal econômico já implementado há algum tempo sem maiores problemas, permite que a multinacionais se instalem em países cujo o preço operacional de seu funcionamento seja significativamente mais lucrativo, seja pela mão de obra mais barata, ou por encargos e impostos menores. Todavia, o mesmo não ocorre quando se trata de pluralidade cultural, é aqui que as apreensões se agravam numa dialética que, Boaventura dos Santos, nominou como globalismo localizado X localismo globalizado, no primeiro caso, encontram-se, por exemplo, práticas imperializadas, como o livre comércio, que impõe aos mercados locais regras que os desestruturam. No segundo caso, trata-se de uma prática local que tomou dimensões mundiais, tal como um estilo musical de uma determinada cultura que se disseminou entre outras, um tipo de dieta alimentar que se propagou. Boaventura diferencia assim dois tipos de globalização, aquela que vem de-cima-pra-baixo e a que vem de-baixo-pra-cima, ou ainda em globalização hegemônica e globalização contra-hegemônica. 

A resistência a globalização de-baixo-pra-cima é portanto esta que rejeita a pluralidade, a sociedade ocidental-liberal é, neste sentido, cosmopolita de caráter econômico e nacionalista quando se trata de diversidade cultural. O discurso nacionalista é este que dá ênfase na diferença ao invés da igualdade, são discurso que buscam suprimir os direitos das minorias em detrimento da vontade das maiorias, como recentemente vociferou um certo deputado brasileiro: "a minorias que se adequem ou desapareçam!". Em uma democracia a vontade da maioria não deve significar a supressão dos direitos das minorias, mas o diálogo pela coexistência da diversidade. Cabe lembrar aqui, que a própria noção de minorias, necessariamente não implica na menor quantidade populacional, trata-se antes de ideologias dominantes, o Apartheid (1948-1994) na África do Sul é um exemplo entre muitos outros. 

Prezemos assim por uma igualdade que reconheça as diferenças e diferenças que não produzam desigualdades. 

Jonatas Carvalho. 





domingo, fevereiro 12, 2017

OS PASTORES DO GOLPE.

Há alguns dias, um membro da dinastia Valadão, uma das estrelas gospel do país, André Valadão deu uma bronca pública aos membros de sua igreja. O motivo? Vários fiéis deixaram o templo no momento em que o Procurador da Lava Jato, Deltan Dallagnol, subiu ao púlpito para pregar. O jovem pastor, que gravou uma música em apoio a campanha de Aécio Neves, se disse decepcionado, classificou a atitude dos fiéis como falta de educação e enalteceu as ações do procurador federal. O que André não contava é que suas ovelhas não são tão ingênuas e submissas como imaginava. O filho do império Diante do Trono, não sabia que muitos crentes evangélicos são críticos à postura cruzadista de Dallagnol. Repreender fiéis por se recusarem a ouvir a pregação seja lá de quem for, não pode ser vista de outra forma se não como um ato contra a liberdade de culto e a consciência individual. A imposição de uma moral me parece contrastante a própria moral cristã.

Lamentavelmente o caso não é exceção, os pastores-deputados que apoiaram o impeachment, muitos, embora atolados na lama da corrupção, utilizaram do púlpito para demonizar Dilma, Lula e o PT.  O deputado Ricardo Izar Jr, membro da bancada evangélica e presidente da Comissão de Ética no congresso que teve as contas da campanha de 2014 reprovadas pelo TRE-SP), pediu 120 dias de suspensão do mandato de Jean Wyllys. O processo contra Wyllys é de autoria do Pastor Ezequiel Teixeira e Alexandre Frota. Ezequiel Teixeira, defensor da “cura gay”, foi acusado de adquirir um imóvel para sua igreja por meio de empréstimo bancário em nome de alguns membros, que acabaram tendo suas casas penhoradas por falta de pagamento.

Se pegarmos a lista dos deputados evangélicos que votaram em favor do impeachment de Dilma, com discursos inflados em nome da moralidade cristã, não teremos dificuldades de encontrar figuras como o missionário José Olímpio, da Igreja Mundial (do “Apóstolo” Valdemiro, aquele cuja facada lhe redeu alguns milhares), que é um dos 31 nomes do PP citados em esquemas de desvio de dinheiro público na Petrobrás. Um dos projetos de lei de Olímpio denominado “lei contra a nova ordem mundial”, previa impedir o uso de microchips no corpo humano por considerar estes a “marca da besta”.  Outro pastor-deputado, arauto da moral e bons costumes é o Pr. Marco Feliciano, acusado de usar dinheiro público para pagar os salários dos pastores de sua própria igreja, acho que não preciso me alongar sobre ele.

A bancada evangélica (também conhecida como bancada da bíblia) no Congresso Nacional até recentemente liderada por Eduardo Cunha e com apoio de Silas Malafaia, conta com 73 parlamentares. A atuação da referida bancada tem sido até aqui defender os interesses de instituições (igrejas), como a Assembleia de Deus e Universal, interesses estes que destoam amplamente daqueles pronunciados nos evangelhos da bíblia cristã. Não se trata aqui de generalizar, há bons cristão, assim como há bons mulçumanos, budistas, ateus e assim como há bons políticos. No entanto, é necessário fazer um crítica do papel da bancada evangélica no congresso, parlamentares que em nome de Deus apoiaram um golpe e que hoje se calam diante dos descalabros de um governo que é capaz de qualquer coisa para salvar-se das condenações da corrupção onde estão atolados até o pescoço.

Abaixo o link do interessante texto escrito por um pastor batista;
Rede de escândalos: políticos evangélicos e corrupção


Jonatas Carvalho. 

quarta-feira, fevereiro 08, 2017

O DIA QUE ME SENTI O CAPITÃO FANTÁSTICO

Essa semana eu assisti Capitão Fantástico, um filme belíssimo com um roteiro original, desses em que você não vê a bandeira estadunidense ao fundo das imagens. Sob a direção de Matt Ross, o ator de origem dinamarquesa, Viggo Mortesen, vive uma personagem de um homem que juntamente com sua esposa deixa a civilização para viver numa floresta entre as montanhas do Noroeste Pacífico acima de Washington. 

A trama, apesar de alguns clichês, tem suas singularidades, Ben Cash (Viggo), é um cientista que desgostoso do modo de vida capitalista, cria seus seis filhos longe da civilização. Sua esposa, cansada daquela vida tribal, adoeceu e foi levada para a casa de seus pais na Capital, e posteriormente suicida-se. Cash se vê obrigado a voltar à civilização com seus filhos para ir ao funeral, mais precisamente para garantir que sua esposa não recebesse um enterro cristão uma vez que ela era budista.

O filme é uma esplêndida crítica ao modo de vida capitalista e a sociedade de consumo. Em inúmeras vezes as contradições da vida ocidental aparecem, ora em forma de ironia, ora na sua mais crua e dura realidade. A desigualdade social justificada na falta de méritos ou na preguiça de quem não venceu na vida. Uma sociedade em que o Estado é refém dos interesses das grandes corporações. Uma gente que emburrece, diante de uma tela de 54 polegadas parcelada em 12 meses no cartão de crédito, assistindo programas de entretenimento. Um povo que foi doutrinado a pensar unicamente em si, que é capaz de ignorar a fome que seu semelhante sente, enquanto come um Big Mac.

Conforme a trama do filme ia se desenrolando, embora eu estivesse completamente cativado, algo dentro de mim se manifestava, eu me vi sendo o Capitão Fantástico. Não se tratava apenas de identificação com a personagem, embora pude me ver ali naquela história muitas vezes, o que havia de semelhança entre eu e o Sr. Ben Cash se situava apenas no campo das ideias. 

Cash abdicou de tudo para viver em função de seus filhos, eu nunca fui capaz de algo assim. Também não me identifico com aquele tipo de criação sistematizada, disciplinar e metódica. Nunca sonhei que meus filhos fossem capazes de interpretar a "Carta dos Direitos" aos oito anos de idade. Mas confesso que adoraria criar uma tradição familiar de comemoração do aniversário de Noam Chomsky. Fora isso, apesar de minha admiração por aquele modo de vida hippie-intelectual, eu e o Sr. Cash não temos tantas coisas incomum assim. 

Mas então por que eu me senti como se fosse um tipo de Capitão Fantástico? Creio que pelo fato do elemento mais similar entre eu e a personagem; zelar para que nossos filhos sejam cidadãos críticos e decentes. Nisso eu e o Capitão Fantástico temos algo muito incomum, se há algo em que me esforcei como pai, talvez meu único mérito, foi que meus filhos não se tornassem esses seres alienados, dominados pela cultura de massa, subjugados devido sua ignorância. A decência e o caráter são infinitamente mérito da mãe, que por reiteradas vezes fez o papel de pai nas minhas muitas ausências. 

Me senti sendo o Capitão Fantástico, porque só assisti esse filme, pela insistência da minha filha Julia de 18 anos. E quando o trama chegava ao seu fim, meu orgulho alcançava o ápice. Poderia um pai sentir-se menos orgulhoso? A paixão dela por esse tipo de roteiro é a expressão mais óbvia de que meus objetivos a respeito dos filhos que eu queria ter foram alcançados. Não é a primeira vez que fico impressionado com a leitura de mundo dos meus filhos, assisti interestrelar, por indicação do meu filho João de 20 anos e fiquei dias refletindo sobre aquele roteiro. 

Jonatas Carvalho. 


terça-feira, fevereiro 07, 2017

O DEBATE SOBRE DROGAS NA ESCOLA; AS CONTRADIÇÕES DE UM TABU

EU já escrevi aqui que fui demitido de uma escola por falar abertamente com os alunos sobre drogas, nas verdade no caso da demissão eu nem sequer falei abertamente, apenas brinquei que como pesquisador sobre o assunto eu tive que experimentar todas.

Sei que eu não devia me espantar por reações tão retrógradas, afinal, apesar de vivermos em pleno século XXI o que não faltam são notícias de pensamento retrógrado neste mundo, todavia, boa parte desses expressões já foram superados no ambiente escolar, xenofobia, machismo, sexismo, homofobia, todos são temas condenáveis em qualquer ambiente escolar. No caso do sexismo há ainda algumas barreiras a serem derrubadas, mas em algumas escolas tais barreiras estão prestes a serem ultrapassadas, como é o caso do Colégio Pedro II. Agora, quando o tema é drogas, há uma perturbação generalizada que atinge todo o corpo pedagógico da escola. 

Como sou teimoso por ideologia, a única coisa que minha última demissão me ensinou é que eu devo seguir sendo franco com meus alunos. Não consigo imaginar como se pode tolerar outra forma se ser em se tratando dos nosso adolescentes. Programas como o PROERD da Polícia Militar só funcionam com os pequenos que ainda são suscetíveis a pedagogia do terror. Quero ver esses camaradas entrar numa sala de ensino médio com esse papo careta, quero ver convencer um aluno que seja que a maconha é a porta de entrada para outras drogas. 

Essa semana falei para três turmas de ensino médio acerca das minhas pesquisas sobre a criminalização das drogas. Enquanto falava podia perceber nos seus olhares que compartilhavam das minhas posições, não vi um olhar de reprovação. Não fiz apologia ao uso (como já fui acusado de fazer), não preciso fazer, eles sabem muito bem maconha não mata ninguém, não vicia, que usuários de drogas não são doentes, muito menos criminosos. No caso da maconha, ela está presente em todas os ambientes de recreação dessas galeras, se o garotão ou a mocinha não usa, tem amigos que usa, se não experimentou, tem vários amigos que experimentaram. Amiguinhos que estão fazendo cursinho para fazer faculdade de engenharia, medicina, direito, que estudam a vera de segunda a sexta, mas no sábado vai pra balada e "dá uns tapas", assim como toma uns "shots".

Não se pode pensar que é alimentando a ideia da guerra às drogas que você irá evitar que um adolescente experimente uma substância ou outra. Não vai. Disse-lhes que sou antiproibicionista, acredito que há alternativas viáveis, mais humanas e descentes à proibição. Procurei tratar com os meus filhos assim, nunca proibindo, o resultado foi o melhor possível, pois se tornaram indivíduos responsáveis e conscientes de suas ações, o que não lhes impediu de experimentar essa ou aquela substância. 

Há no entanto uma diferença grande entre um pai proibir o filho de sair sábado à noite e a proibição das drogas, uma vez que essa última cria criminosos, A lei tem esse poder de tipificar o sujeito, colocando-o em condições iguais a outros, assim se você estava com sua namorada fumando um baseado e a polícia te flagrou e na revista encontraram com você um saquinho com umas cinquenta gramas de maconha e outro com algumas sementes, você corre o sério risco, de dividir uma cela com gente que foi pego com cem quilos ,gente que matou, sequestrou, que assaltou...  Claro, a menos que seu carro seja uma Ferrari, uma Land Rover, um Jeta,  que estava estacionado na Zona Sul, nesse caso a lei lhe será mais benevolente. Mas se for um fiat uno daqueles antigos....já era parceiro. 

Ser honesto com jovens e adolescentes não significa incentivar o uso disso ou daquilo, significa apresentar-lhes uma lógica que escape a hipocrisia, a falácia, o tabu. A proibição até aqui só conseguiu aumentar o mercado ilegal com substâncias sem qualquer controle de qualidade, criar uma massa de "criminosos", matar milhões de pessoas. É urgente o fim dessa guerra, é vital uma outra política de drogas.  

Jonatas Carvalho

Para quem quiser ler o outro texto da demissão veja aqui:
http://histosofiaevida.blogspot.com.br/2016/02/drogas-o-tabu-ainda-vivo-nas-escolas.html

sábado, fevereiro 04, 2017

O RIO SEM O MARACANÃ

O maior estádio de todos os tempos, um dos pontos turísticos mais visitados da cidade do Rio, é hoje também um símbolo da relação ineficiência da gestão pública e corrupção. Não é sem razão que o Maracanã é candidato a se tornar ícone do desgoverno, afinal, o Estado do Rio de Janeiro encontra-se entre os quatro Estados mais quebrados da federação, juntamente com o Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Goias e Alagoas.  

Construído para a copa do mundo de 1950 o estádio custou o equivalente a R$ 260 milhões, mas foi a partir de 1999 na gestão do Governador Garotinho que a história das intervenções e de investimentos no estádio começam e terminam escabrosamente com Cabral e Pezão. Esse primeiro aporte de verbas tinha por intenção preparar o Maracanã para o Mundial de Clubes em 2000, ao todo o investimento foi de R$ 253 milhões, isto é quase o valor gasto em 1950 para sua construção. Em 2003 uma série de reformas estruturais se iniciaram com objetivo de preparar o estádio para o Pan de 2007. O investimento total da reforma chegou a R$ 428 milhões.

Vale lembrar que as obras do Pan foram estimadas em 2002 em em R$ 409 milhões, só no Estado do Rio o custo estimado sofreu aumento de 1.513% (de R$ 31 milhões para R$ 500 milhões). O desembolso da União se multiplicou quase por 11 (de R$ 138 milhões para R$ 1,5 bilhão, crescimento de 987%). A fatia da Prefeitura pulou de R$ 239 milhões para R$ 1,2059 bilhão (404% a mais). A obra do Engenhão é mais um exemplo clássico, inicialmente orçado em 2003 no valo de R$ 192 milhões, ao final foi entregue no Pan custando R$ 380 milhões, em 2010 o estádio apresentou problemas estruturais e até as olimpíadas de 2016 recebeu mais de R$ 100 milhões de novos investimentos. 

Voltando ao Maracanã, após quase meio milhão de reais colocados no estádio em 2007, o templo do futebol ainda não estava no padrão Fifa para ser palco da final da Copa do Mundo de 2014, a nova reforma fora estimada em um pouco mais de R$ 700 milhões, ao final esse custo chegou a R$ 1,12 bilhão, mas não parou por ai. O consórcio da Odebrecht recebeu ainda mais R$ 596 milhões para obras no complexo, ao todo o Maracaná custou R$ 2.397 bilhões para os cofres públicos. Por fim, após as Olimpíadas a situação do estádio é de total abandono. Esse é o legado deixado por nossos gestores públicos.

Só não diria que não tem nada mais depreciativo para o Estado, porque tem; a UERJ. A Universidade bem juntinha daquele que já foi o maior palco de futebol do mundo, tão abandonada quanto, é o retrato da falência de um Estado.
Jonatas Carvalho

quinta-feira, fevereiro 02, 2017

SILENCIAR


Pensei sem falar,
falar às vezes dói tanto em quem fala quanto em quem escuta,
parece que materializamos o que está dentro de nós, 
mas não falar é foda,
a angústia precisa achar uma saída,
embora meus poros estejam obstruídos,
o suor que exalo tem cheiro de solidão.
Convenço-me que é melhor silenciar,
esperar o interior se aquietar, refletir melhor, ponderar,
coisa que dificilmente é possível fazer quando se é tomado pela dor,
pergunto-me como fazer isso sem alimentar ainda mais o sentimento que me consome,
a única resposta que encontro…
cultivar a utopia no novo amanhecer.
Jonatas Carvalho.