quinta-feira, janeiro 16, 2025

DITADURAS E RESISTÊNCIAS LATINOAMERICANAS: MEMÓRIA, HISTÓRIA E ARTE.

Eu e minha marida assistimos "Ainda estou aqui", alguns dias antes de Fernanda Torres ser premiada. Faz poucos dias que escrevi aqui um texto refletindo sobre os papéis do 6 e o 8 de janeiro, respectivamente nos EUA e no Brasil. O fato é que os eventos históricos, independente dos atores sociais envolvidos, tornam-se espaços de lutas pela memória que acabará prevalecendo (mesmo que não prevaleça eternamente, ocasionalmente memórias são resignificadas). É assim que surgem os heróis e vilões nacionais (é assim que alguns heróis são convertidos em vilões e vice-versa). Estes são construídos discursivamente, neste sentido, a memória é produzida pelas relações de poder, logo, aqueles que detêm o poder econômico-político, cujas forças controlam os meios de comunicação e produção de conhecimento, tendem a determinar que memórias devem ser memoradas e de que forma elas devem ser memoradas.. É aí que entra a história, o ofício da pesquisa histórica (também sociológica, geográfica, antropológica, arqueológicas entre outras), sua busca pelas fontes documentais, materiais e orais, podem re-significar certas memórias.

Cito um exemplo bem recente e prático, a Folha(SP) publicou em novembro de 2024, uma matéria sobre a retirada de luminárias japonesas no "beco dos aflitos" no bairro da Liberdade. Por tratar-se de um bairro amplamente conhecido como “bairro japonês” — se você "der um google", vai ver que a maioria absoluta das informações sobre o bairro estão ligadas a cultura japonesa, o mesmo ocorre com os bairros Bela Vista e Mooca em relação aos italianos — não faltaram críticas, chegaram a falar em tentativa de apagamento da memória japonesa, um "jornalista" do Gazeta do Povo, falou em discurso da militância do movimento negro. Quando na verdade, e aí a documentação é fundamental, o bairro da Liberdade, não tem esse nome a toa, mas por ser historicamente um bairro negro. A Capela do Aflitos, inaugurada no século XVIII, assim como o cemitério dos Aflitos e o Largos do Enforcados (também conhecido como morro da forca, onde se construiu a igreja de Santa Cruz das Almas dos Enforcados), são alguns exemplos da presença negra na liberdade é anterior a japonesa.O que ocorreu foi uma sobreposição de memória, isto é, a construção de uma memória sobre outra, como escreveu o historiador Paolo Rossi, em Memória e Esquecimento (2010), não esquecemos por apagamento puro e simples, ao contrário, esquecemos por sobreposição, isto é, não é por ausências que ocorrem os apagamentos, mas sim as presenças e novas simbioses.
               Painel: Memorial da Resistência

Não é diferente com nossa história sobre o regime ditatorial, as tentativas de negar duas décadas de supressão de direitos, censura, repressão, sequestros, torturas e assassinatos é uma produção discursiva que procura se sobrepor a memória da ditadura, instaurando novas presenças que ignoram fontes históricas ou as deturpam. Entretanto, tais tentativas são suportadas por um arcabouço frágil, um pequeno gigante de pés de barro, que não aguenta uma hora de debate sem se repetir.


Eu e minha marida estivemos na semana passada na Pina Estação, onde, em caráter permanente foi montado o Memorial da Resistência, um lugar com uma farta documentação sobre os espaços de tortura construídos no Brasil ao longo dos anos da ditadura. É emocionante (pesado) visitar as celas onde nossos presos políticos viveram (ou morreram) grandes sessões de terror. Mas não para por aí, há outra exposição no mesmo espaço, porém itinerantes, chamada Uma Vertigem Visionária — Brasil: Nunca Mais, com curadoria do pesquisador e professor Diego Matos; novamente, uma farta documentação. O Brasil: Nunca Mais, produziu e sistematizou cópias de mais de 1 milhão de páginas contidas em 707 processos do Superior Tribunal Militar (STM), revelando a extensão da repressão política do Brasil no período. A documentação foi toda digitalizada e está disponível no site https://bnmdigital.mpf.mp.br/pt-br/. E se os os duvidosos não ficarem satisfeitos, — digo duvidosos, porque os negacionistas se recusam a enxergar, estão convencidos, e, como escreveu Nietzsche, o convicto é mais perigoso que o mentiroso, pois o primeiro tem a certeza de que está com a verdade, — temos mais uma exposição, tão impactante quantos as outras, trata-se de Memória argentina para o mundo: o Centro Clandestino ESMA. O ESMA (antiga Escola de Mecânica da Marinha), onde atualmente funciona o Museu Sítio de Memória, era um Centro Clandestino de Detenção, Tortura e Extermínio, em Buenos Aires (AR). Dos 30 mil presos e desaparecidos da Ditadura Argentina, entre os anos de 1976 e 1983, cerca de 5 mil foram enviados para a ESMA, o que fez do espaço o maior centro de tortura do país. A documentação apresentada na exposição é impressionante, particularmente, ainda mais tocante são os depoimentos das mulheres por lá presas e torturadas. Ao todo, se colocarmos os documentos em linha, são 5 quilômetros em papéis que revelam a desumanização e a barbárie por parte da ditadura argentina.

Estes espaços seguem sob a mira furiosa daqueles que querem destruir tais memórias, no exato momento em que escrevo este texto, não por coincidência, o Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, em péssimas condições de preservação, foi fechado pelo governador Cláudio Castro. O ex-diretor do Arquivo, Victor Travancas, exonerado após denunciar as más condições gerais do arquivo, alertou sobre o comprometimento da conservação da documentação, incluindo uma vasta documentação do período da ditadura no Brasil. Algo semelhante ocorre com a ESMA, o atual presidente Javier Milei, segundo a Folha (SP), pretende enxugar a política de memória na Argentina, quando na verdade o que se pretende é tornar tal espaço cada vez mais inacessível ao público.

O historiador Rodolfo Costa Machado, da PUC-SP, investigou os “arquivos do terror” do Paraguai, tais arquivos foram revelados pelo advogado e ativista Martín Almada, preso político da ditadura de Alfredo Stroessner (1954-1989). A mulher de Almada, morreu de infarto em prisão domiciliar, porque os militares ligavam pra ela e a obrigavam a escutar as sessões de tortura do marido. Rodolfo Machado, fez parte da Comissão da Verdade no Brasil, seu grupo de trabalho investigou a documentação sobre a participação do grande empresariado, são muitas, dentre elas podemos citar a Volkswagen, Paranapanema, Folha de São Paulo, Fiat, Aracruz e muitas outras. Mas foi René Armand Dreifuss, em sua robusta obra, “1964: A Conquista do Estado” (1981), que revelou a participação do capital estangeiro nos golpes militares pela América Latina, especialmente, a participação da “ADELA”, acrônimo para Atlantic Community Development Group for Latin America, grupo multibilionário formado em 1962, encabeçado pelo vice-presidente do grupo Rockfeller, reunia cerca de 240 empresas industriais e bancos. No Brasil, os interesses econômicos do “ADELA” estavam representados em think tanks como o Ipes [Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais], o Ibad (Instituto Brasileiro de Ação Democrática), ambos ligados à Escola Superior de Guerra (ESG). Mais recentemente, outro historiador, Pedro Henrique Campos, em sua tese “Estranhas Catedrais: as empreiteiras brasileiras e a ditadura civil-militar”, demonstra como as conhecidas Queiroz Galvão, Camargo Correa, Andrade Gutierrez e Odebrecht, só tornaram-se grandes conglomerados devido ao apoio aos generais. Outras empresas, por não se alinharem aos generais, como a Panair, a TV Excelsior, os jornais Correio da Manhã e Última Hora, ao contrário, foram fortemente perseguidas até serem entregues aos grupos que apoiavam a ditadura. As empresas investigadas, violaram todas as formas de direitos, perseguiram trabalhadores, torturavam dentro de seus estabelecimentos e fizeram uso do trabalho escravo, como foi o caso da fazenda da Volkswagen no Pará e a Paranapanema, que utilizou mão de obra indígena na construção da Transamazônica. A Volkswagen assinou, em 2020, um acordo na ordem de 36 milhões junto ao Ministério Público de São Paulo. Trata-se do primeiro caso de reparação empresarial em razão da prática de crime de violação de direitos humanos.

A produção acadêmica-científica sobre o período das ditaduras na América Latina cresce anualmente, aos poucos novas documentações vão sendo reveladas. Rodolfo Costa Machado, em sua tese de doutorado (2017-2022), se debruçou nos arquivos dos EUA, especialmente sobre a operação Condor. Ainda há muita documentação escondida, protegida e desaparecida, no entanto, o que está disponível para investigação já soma uma quantidade significativa e inconteste dos absurdos cometidos sob alegação enganosa de combater o comunismo. Mesmo que o governo Lula III, se recuse a dar prosseguimento aos processos iniciados pela CNV, preferindo uma forma de “conciliação por cima”, beneficiando as elites militares e civis, não falta disposição em outras esferas da sociedade para seguir em frente e esclarecer este passado obscurecido. Por exemplo, o Relatório da Comissão da Verdade Indígena, segundo o qual, mais de 8 mil indígenas foram mortos na Ditadura, mais de 30 mil sofreram todo o tipo de violação. A reparação aos indígenas, sequer iniciada, é entre tantos casos, algo que não pode ficar no esquecimento. A decisão de Lula pela conciliação, isto é, não querer mexer na ferida, é uma acinte aos parentes dos mortos e desaparecidos tanto do campo, quanto da cidade.
 

   

terça-feira, janeiro 07, 2025

ENTRE O 6 E O 8 DE JANEIRO: AINDA ESTAMOS AQUI.

Acordei às 6h novamente. Um professor em recesso escolar, cujo relógio biológico não entra em recesso (ou é só a velhice chegando mesmo), acaba se dedicando a leituras diversas. Li algumas notícias, mas optei por compartilhar minha percepção sobre duas matérias.

A primeira é um texto do Xico Sá para o Diário do Nordeste, em que o jornalista e escritor coloca lado a lado a história de duas mulheres brilhantes: Eunice Paiva e Elisabeth Teixeira. A primeira passou a ser conhecida especialmente após o prêmio a Fernanda Torres pela brilhante atuação no papel da esposa de Rubens Paiva, ex-deputado paulista, capturado, torturado e assassinado em 1971 dentro de um quartel militar. A segunda, creio eu, é absolutamente desconhecida ainda entre nós, mesmo após o sucesso do documentário produzido por Eduardo Coutinho, "Cabra Marcado para Morrer", lançado em 1984. Xico nos lembra a história de Elisabeth, trabalhadora rural da Paraíba, casada com João Pedro Teixeira, mãe de onze filhos, perseguida pela ditadura militar. Ela precisou espalhar seus filhos e desaparecer por um bom tempo, mas Elisabeth está viva, ainda está aqui.

A segunda matéria foi escrita por Joel Pinheiro Fonseca, filho do economista Eduardo Giannetti, para a Folha de São Paulo. O título me chamou a atenção: "Neste oito de janeiro, lembre-se: o PT não é a democracia". O economista liberal argumenta que a direita não pode deixar a esquerda sequestrar a pauta da democracia, como teria feito com outros temas. Para tanto, caberia à direita combater veementemente a crítica à fraude eleitoral das urnas eletrônicas. A base de seu argumento é que, dois anos após os atos de 8 de janeiro de 2023, 86% dos brasileiros desaprovam as invasões nos prédios públicos de Brasília. O que significa, segundo o economista e filósofo, que, embora a direita tenha votado em Bolsonaro, apenas um bando de radicais se aventurou na loucura da invasão, no delírio de uma intervenção militar, enquanto a maior parte é moderada. 

O jornalista liberal pode até ter razão ao afirmar que o PT não é a democracia, isto é, a democracia não é produto de um só partido. Mas, por outro lado, não lhe ocorre que a direita historicamente se alinhou com os fascismos quando lhes convinha deter os avanços das classes trabalhadoras. Os liberais de Washington (democratas e republicanos), com seus poderosos conglomerados, desde a Doutrina Monroe, patrocinam e sustentam golpes de estado no mundo todo. A direita brasileira apoiou a ditadura militar, que perseguiu, sequestrou e torturou mulheres como Eunice Paiva e Elisabeth Teixeira. Quanto ao PT, o caro colunista da Folha ignora a participação fundamental do partido contra a ditadura, assim como seu papel nos avanços da classe trabalhadora deste país. Avanços estes que a direita e a extrema direita vêm destruindo desde a reforma trabalhista em 2017.

Eunice e Elisabeth 

Joel Pinheiro é um liberal que defende uma sociedade "baseada em regras", desde que estas sejam as regras liberais, podendo ser até um "bolsonarismo moderado", que verdadeiramente jogue nas "quatro linhas" do livre-mercado (as aspas são minhas). A democracia é um valor máximo, mesmo com seus defeitos, afirma Joel, não existe alternativa melhor. Fico na dúvida se o filho do grande economista liberal realmente acredita no mundo encantado das liberdades individuais e da livre iniciativa, ou se ele apenas se vende para divulgar tais propagandas. É de bom tom deixar claro que a nossa "redemocratização", tão aclamada pelos liberais, só chegou para as classes privilegiadas. As classes desfavorecidas (pobres, pretas e periféricas) continuam lidando com um Estado de Exceção. A classe trabalhadora, como a categoria "professor(a)", segue sofrendo ataques ininterruptos (com direito a violência policial) pelos "liberais moderados" como os governadores Tarcísio de Freitas (SP) e Cláudio Castro (RJ). Os mesmos liberais moderados que se recusam a taxar os bilionários, mas não hesitam em manter uma taxa de juros abusiva, pois entre deter a inflação e aumentar o desemprego, escolhem o último.

Entre o 6 e o 8 de janeiro, nós que lutamos por justiça social, por reparação histórica e não por uma democracia liberal, ainda estamos aqui. 




sábado, dezembro 28, 2024

GAZA: SEM CIDADES PARA RETORNAR.

    Os sionistas de Israel ordenaram a invasão do hospital Kamal Adwan (em 27/12), localizado na cidade de Beit Lahiya, norte de Gaza. Após forçarem os profissionais de saúde e os doentes se deslocarem para uma escola, o exército israelense incendiou o hospital. Kamal Adwan estava funcionando sem as mínimas condições de atendimento desde dezembro de 2023, quando soldados israelenses invadiram o estabelecimento e prenderam 70 funcionários que trabalhavam na unidade. Dezenas de tendas em volta do hospital, colocadas para abrigar doentes, foram destruídas, há relatos de que as escavadeiras do exército israelense enterraram pessoas vivas entre os escombros após um bombardeio no entorno do hospital. 

    A cidade de Beit Lahia, infelizmente é só mais uma entre tantas cidades absolutamente destruídas em Gaza, hoje, após meses de destruição e limpeza étnica, 87% das cidades de Gaza viraram escombros, 90% da população palestina não tem para onde voltar. Em Jabalia (também no Norte de Gaza), a situação é ainda pior, 100% de destruição, a cidade que contava com aproximadamente 110 mil habitantes, atualmente há em torno de 200 pessoas vivendo entre as ruínas, tentando sobreviver. Os corpos assassinados e multilados, espalhados por toda parte, são devorados por cães e gatos famintos. Jabalia, tornou-se um campo de refugiados, formado desde 1948, quando 750 mil palestinos e palestinas foram obrigadas a deixar suas casas para a criação do Estado de Israel. O campo de refugiados de Jabalia foi totalmente destruído, os sobreviventes foram deslocados para o Sul de Gaza. 

    A cidade de Beit Hanoun, situada no nordeste de Gaza, assim como o vilarejo de Izbat Beit Hanoun e al-Beddawiya, também foram inteiramente destruídas. Se juntarmos tudo, a população do Norte de Gaza era de pouco mais de 270 mil habitantes, mais da metade dessa população era de mulheres e crianças.  

    Mas a destruição não se limita apenas ao Norte de Gaza, a cidade de Khan Yunis (literalmente Taverna de Jonas), situada ao Sul, também foi fortemente destruída. Khan Yunis, ficou conhecida mundialmente quando soldados israelenses perpetraram um massacre em 1956, quando mais de 200 palestinos foram assassinados. Em 2008 a cidade foi alvo da Operação Chumbo Fundido.  A cidade que recentemente contava com mais de 140 mil habitantes. Em julho de 2024, um milhão de palestinos e palestinas fugindo de Rafah se aglomeraram em Khan Yunis. Uma deputada do Knesset (parlamento), sugeriu recentemente que a Khan Yunis, mudasse de nome para kan haya nes, que em hebraico significa "aqui houve um milagre". Sim, para os sionsitas, destruir Gaza é um milagre, para eles, como já declararam alguns de seus ministros, "o povo palestino não existe"(Itamar Ben Gvir, Ministro da Segurança Nacional). 

Jabalia-November-10-2024.-reuters.jpg
    Os deslocamentos constantes de palestinos só aumenta a certeza de que não há mais para onde ir. As chamadas "zonas humanitárias" se tornaram campos de concentração a céu aberto, sujeitos a bombardeios, tiroteios e drones que vão dizimando pouco a pouco os sobreviventes. São mais de 45 mil palestinos mortos, 70% destes, são mulheres e crianças, mais de 20 mil crianças estão desaparecidas. Entre os sobreviventes, milhares estão feridos, outros milhares lutam contra a fome, o frio e a violência constante. São mais de 1,5 milhões de pessoas deslocadas, desamparadas, impedidas pelo governo israelense de receber assistência médica e alimentar. O nome disso é genocídio. 

   Não há mais hospitais, escolas ou templos inteiros em Gaza. Só a perseverança do povo palestino continua de pé, ainda que abalada, mesmo que abandonados pela maioria dos seus irmão árabes, mesmo que o extermínio de sua população seja ignorada pela grande imprensa ocidental, ainda que os poucos protestos a favor do povo palestino sejam reprimidos pelas "democracias" europeias, a Palestina resiste. Como escreveu Ghassan Kanafani, “tudo neste mundo pode ser roubado e saqueado, exceto uma coisa: o amor que emana de um ser humano em direção a um sólido compromisso com uma convicção ou uma causa”. 

Viva a Palestina. 


      

quinta-feira, dezembro 05, 2024

CRÔNICA SOBRE A VIRILIDADE MASCULINA

 — E aí como foi? 

 — Meu Deus, foi a pior punheta da minha vida! 

— Hahahaha... como assim vida? 

— Amor, cheguei no laboratório, todo constrangido já, me aproximei do balcão, falei com a moça que eu tinha marcado um espermograma, a recepção tava cheia, daí falei baixo né? Assinei um papel, ela me pediu para aguardar. Sentei e fiquei lá na minha né? Daqui a pouco, chega uma mulher e grita, FULANO, que vai fazer exame de espermograma! 

— kkkkkk....não acredito! E aí? 

— Tu não viu nada ainda. Tá, levantei, já corado né? Ela me deu um potinho, eu segurei, olhei pra ela. Eu tava esperando ela falar algo: — Oh, vai pra uma salinha ali, tem cine privé, revistas… faz o que tem que fazer e traz o pote aqui de volta. 

— Ué, mas não é assim? 

— Não. Ela virou pra mim e disse: — O senhor vai levar esse potinho pra casa e amanhã retorna com o conteúdo, ou se quiser pode voltar mais tarde, ficamos abertos até às 17h. 

— Eu saí já puto, porra ter que voltar em casa, uma hora pra ir, mais uma pra voltar, ah não! Que que eu pensei? 

— O quê? Não faço ideia! Fala logo vida! 

— Vou bater uma punheta no banheiro do shopping e volto! Já resolvo essa porra! 

— Literalmente né? 

— É, mas aí é que deu merda. Literalmente! 

— Cara, tá me matando de curiosidade, fala! 

— Tá, entrei no banheiro né?  Tava vazio, pensei, opa! Fui lá pra última cabine do corredor, tá ligada?  Peguei o celular, coloquei no XVideos, sem som e comecei a escabelar o palhaço, tava indo bem...

— Ahh...o que aconteceu? 

— Eu ouvi a porta do banheiro abrir, uns passos apressados na minha direção, um cara abriu a porra da cabine ao meu lado, arriou as calças e começou a cagar... 

— Hahahaha....que merda!! 

— Eu tava perto vida! Quase lá! Pensei, porra, não vou parar, larguei o celular, puxei a camisa para cima, pra cobrir o nariz e mandei ver. Foi a pior punheta da minha vida! Voltei ao laboratório, a mulher olhou pra minha cara como quem pensou: — Onde será que ele fez isso? Se ela tivesse coragem de perguntar, sabe o que eu responderia? 

— Não minha vida… não aguento mais de rir…hahahaha. 

— Faço qualquer sacrifício para provar a minha virilidade. 

— Mas se o resultado do exame der que teu esperma é fraco? 

— Confia vida! Confia! 



  

  

domingo, março 24, 2024

ENFIM INTEGRADOS!

O dia começou com cabeleireiro às 7h, maquiagem e tranças… tudo muito simples, nossos pequenos hábitos vivendo no centrão de Sampa, agora se contrastava com a paisagem de progresso em um bairro de privilegiados na zona sul. O que era para ser uma troca de alianças frente a um juiz de paz e depois uma churrascaria, virou um pequeno evento, nas palavras da minha marida: rústico e sofisticado. Aos poucos chegaram os familiares, os dela, uma parte vieram de Cruz Alta e Porto Alegre, os meus, do Rio de Janeiro. Tirando os filhos/filhas/filhes, irmãos/irmãs, cunhados e a mãe dela, apenas mais dois casais de amigos estavam presentes, um meu e outro dela. 

O cuidado com que minha irmã e meu cunhado prepararam o espaço, para receber no máximo umas vinte pessoas, é absolutamente indescritível e neuroticamente perfeito. Adentramos o salão de festas, fomos recepcionados com “Eu e a Brisa”, de Johnny Alf, ao som do piano, tocado pela minha sogra e do violão, tocado pelo irmão de minha marida.  Um corredor nos guiava em direção a um banner, devidamente iluminado, onde se podia ler um poema escrito ao modo gaúcho, intitulado “Mas Bah tchê, que baita casório!!”, de autoria de dois amigos da minha sogra e encomendado por ela, para nós. Após muita choradeira enquanto líamos o poema, o povo em nossa volta aplaudia e celebrava. Só mais tarde me dei conta que um verso do poema se conectava aos votos que escrevi para ocasião. Segue o trecho: 

E a vida, assim, vem à tona
quando se forma a família
é qual o amor do Jonatas
pelo amor de Maria Ercília!

Em meus votos, citei a noção de “integração”, que encontrei em Pablo Neruda, 

Depois de tudo te amarei
como se fosse sempre antes
como se de tanto esperar
sem que te visse nem chegasses
estivesses eternamente
respirando perto de mim.

Perto de mim com teus hábitos,
teu colorido e tua risada
como estão juntos os países
nas lições escolares
e duas comarcas se confundem
e há um rio perto de um rio
e crescem juntos dois vulcões.

O que eu não esperava era ver com os meus olhos, naquela mesma tarde o poema se concretizando nas interações entre nossos familiares. Pessoas tão diferentes e distintas, a maioria nunca havia se visto antes, foi o primeiro contato. Observei nossos filhos(es), noras e genros interagindo, rindo, compartilhando. Felipe e Gi, absolutamente extasiades com meu neto, João Vicente, vi meus cunhados interagindo sobre música, minhas irmãs e sobrinha trocando conversas com minha Marida, minha sogra, “coisa mais querida”, praticamente era uma atração à parte, porém completamente inserida à festa. Nossos amigos e amigas, circulavam entre nossos familiares, eu vi uma nova família se formando, um elo, criando por mim e minha marida, gente estranha, de lugares geograficamente opostos, integrando-se. Essa maravilhosa imagem me nutriu ainda mais de esperança, em tempos de cancelamentos, ódio, preconceito, integrar pessoas é por si uma ato de resistência. Espero que este tenha sido o início de uma relação de grandes amizades, camaradagens e parcerias.  

Obs.:

Quanto aos votos dela para mim, bem, eles foram escritos em letra vermelha sobre uma folha de caderno que já tinha sido dobrada e desdobrada várias vezes (sem que ela tenha arrancado aquela parte que fica presa ao espiral), mas nem isto foi suficiente para deter a emoção e as lágrimas enquanto ela pronunciava as palavras mais doces e engraçadas que já me disseram. Ela mencionou uma vida a dois, baseada em cumplicidade, honestidade, responsabilidade e claro, amor. Embora o amor tenha sido mencionado por último no seu texto, é ele que me atravessa antes de todo o resto, quando olho nos olhos dela, quando ela abre aquele sorriso. AMO VOCÊ MARIDA!!  


quarta-feira, janeiro 17, 2024

O DISCURSO MISSIONEIRO EM SÃO MIGUEL DAS MISSÕES E O NÃO-LUGAR DOS GUARANIS.

Eu escrevi aqui, há dias atrás, sobre minha perplexidade na recém estada no Rio Grande do Sul, diante das palavras e expressões dos gaúchos e gaúchas. Foi uma crónica anedótica, um retrato caricaturado, que não tinha qualquer intenção de reduzir os nossos compatriotas das bandas de baixo do país, que é um povo acolhedor, amável e alegre.

Mas ocultei, propositalmente, suas contradições (que também são nossas), o conservadorismo, o reacionarismo, o preconceito de gênero e o racismo, também são dignos de nota daquela região. Não vou me estender aqui, há uma significativa produção textual sobre isso nos centros de produção acadêmicas e de pesquisa por lá. Este texto, é apenas uma reflexão sobre minhas impressões no evento “SOM E LUZ” em São Miguel das Missões.

Chegamos às ruínas de São Miguel Arcanjo no final da tarde, tivemos pouco tempo para contemplá-las à luz do dia, mas uma das primeiras coisas que notei foram duas nativas guaranis, uma senhora e uma moça, recolhendo seus objetos que se achavam sobre um pano estendido ao chão. As ruínas são magníficas, uma impactante obra de genialidade dos arquitetos inacianos e, claro, dos guaranis. Para os interessados no site do IPHAN há maiores detalhes.

Mas foi o conteúdo do espetáculo SOM E LUZ, sem dúvida belíssimo e de enorme qualidade técnica, que mais me impactou. Em especial o roteiro, interpretado por vozes de famosos atores e atrizes nacionais, escrito por um descendente de italianos de Caxias do Sul, Henrique Grazziotin Gazzana, formado em medicina e letras. A ideia do roteiro, sem dúvida é criativa, as ruínas e a terra narram os acontecimentos. Um texto que condena a ganância dos colonos e dos impérios espanhol e português, que engrandece o Guarani, mas acima de tudo é um louvor aos jesuítas. De acordo com o texto, os inacianos ajudaram a enriquecer ainda mais a cultura guarani, sem corrompê-los. Como se a cristianização dos povos indígenas por si só, não fosse uma corrupção. O discurso missioneiro do texto, isenta a Cia de Jesus, ignora que a riqueza produzida pelos inacianos foi gerada pela exploração do trabalho dos povos originários das Américas. Os inacianos são apresentados como as salvaguardas do bom selvagem, como se o projeto jesuítico não almejasse mais nada.

Foto do autor.
Se escrevo isto, não o faço com ausência de fontes, como historiador pesquisei por seis anos as fazendas jesuíticas do Rio de Janeiro, em especial, a Fazenda Campos Novos, sobre a qual escrevi diversos artigos. A Cia de Jesus, tornou-se uma potência mundial, uma empresa moderna, envolvida em toda ordem de exploração, um braço fundamental do projeto colonizador. É claro, que havia inacianos bem intencionados, que de fato se envolveram com os nativos, mas isso não elimina o etnocentrismo.

O roteiro do espetáculo SOM E LUZ, escrito em 1978, reflete esse etnocentrismo, que se traduz ainda hoje na exclusão dos Guaranis, se não a exclusão total, pelo menos o seu papel secundário. Ao olhar o entorno do projeto de São Miguel das Missões, não vemos o nativo em nenhum espaço de poder, as lojas de artesanato ao redor, são de gente branca, os profissionais que atuam no projeto, são gente branca, aos guaranis, sobrou, o pano no chão com sua peças artesanais.



sábado, janeiro 13, 2024

UMA CRÔNICA GAÚCHA - PARA ALÉM DO BAH E O TCHÊ.

Sou um fluminense que vive em São Paulo com uma gaúcha. Nossos primeiros diálogos foram preenchidos de muitas risadas, geralmente, de minha parte, surpreendido por  termos que só tem no Sul. 

Monumento à Cuia - Cruz Alta
Bahhh, eu não devia me surpreender tanto néé, já que morei no Sul e transitei por váaarias cidaaades gaúchas, mas isso faz muito tempo gurizada. 


Ao chegarmos em Porto Alegre fui direto na locadora de automóveis, enquanto concluía o contrato, o homem do outro lado do balcão me perguntou: — E a gerentee não vai pilotar também? Eu só entendi quando ele olhou para o lado, então percebi que a gerente deveria ser a minha marida. 


A noite, o cunhado e sua companheira nos receberam com muito carinho em um apartamento aconchegante no centro de POA, depois de uma churrascada e muita cerveja, foi o momento da música, meu cunhado é especializado nos ritmos regionais, como o vanerão, a milonga, a chacarera e a rancheira. Foi tudo tri, mar eu, já à meia guampa achei que era hora de abrir a barba.

  

Na manhã seguinte enrolamos o poncho e com o pé no estribo, ganhamos na estrada para Cruz Alta, quase cinco horas de viagem, não fomos de vereda,  fizemos algumas paradas para bolear a perna. A estrada cinzenta cortava cidades e mais cidades verdes de soja. 

 

Ao chegar em Cruz Alta, finalmente conheci minha sogra pessoalmente, Dona Beti. Eu precisava ter esse encontro, temia que ela achasse que eu estava a escanteando, mas a verdade é que Dona Beti é mulher de agalhas, de fazer o costado, não é mulher de lagartear, com ela é tiro dado e bugio deitado, ainda assim, ela não perdeu tempo e tratou logo de lamber a cria. 


Assistir minha marida e minha sogra conversando foi de cair os butiás do bolso, uma quantidade incrível de palavras e expressões que só um gaudério compreenderia, mas eu, fiquei mesmo é faceiro que nem guri de calça nova. 

 

As duas não são lá muito dadas a lamber as esporas, gostavam mesmo é de meter a catana sem dar changui, mãe e filha, tão diferentes, tão semelhantes…às vezes uma acusava a outra de estar louqueando. Minha marida não nega as semelhanças, embora fique abichornada com algumas, mas sabem como dizem né? Filha de tigre sai pintada.

  

A casa de Dona Beti é uma espécie de centro de memórias que remontam o Brasil colonial, império e as primeiras décadas da república. A  farroupilha, a guerra civil de 1923 e a “revolução de 1930” ainda estão bem presentes na memória local. Fora isso, Cruz Alta é a cidade de Érico Veríssimo, cheia  de casarios do início do século XX, aqui, o Tempo e o Vento, passam lentamente. 


Mas se vocês pensam que essa viagem foi pura erva-caúna, capaz! Aqui não tem essa de embarrar o pastel, tratamos de campear toda a região. Nosso primeiro destino, São Miguel das Missões, eu e minha marida conhecemos as ruínas de São Miguel Arcanjo, terra Guarani (no próximo texto eu comentarei minhas impressões). Trata-se de uma cidade com um pouco mais de sete mil habitantes, ainda assim me perdi, abordei três guris que caminhavam pela rua, com latas de cervejas nas mãos, perguntei: 

— Vocês sabem como faço para ir pro centro da cidade?  

— Segue em frente até a rotatória, daí! Eu retruquei:

— Até a rotatória e depois? A resposta veio com risos por parte dos guris: 

— A rotatória é o centro, daí! 


No dia seguinte estivemos em Boa Vista do Cadeado e Ijuí. A primeira pequininha, menos de três mil habitantes, com meia hora de carro a gente percorreu o lugar, um cenário de interior. A segunda, maior até que Cruz Alta, mas com poucos pontos turísticos, visitamos um parque natural e comemos em uma churrascaria gaúcha. De volta a Cruz Alta, comi uma Marta Rocha que é marca de estância velha por essas bandas.  


No mais, em quatro paletadas eu já estava dobrando o cotovelo, porque carioca é assim mesmo, como dizem os gaúchos, nós aguentamos o tirão e não somos muito de juntar o torresmo. Agora tá na hora de encerrar essa conversa, pois os mosquitos estão me charqueando e os cupinchas então me esperando para aquela mateada. 


Bahhhh!!