Eu iniciei há algumas semanas uma
pequena coleção de textos sobre algumas experiências que tenho vivido ao lado
de meu pai após ele ter contraído um câncer na região do pescoço. Resolvi
intitulá-los de crônicas cancerígenas, achei apropriadas devido ao sentido
letárgico que o termo possui. A terminologia câncer (assim como a palavra
droga, dentre outras), ultrapassou sua especificação semântica pela força das
experiências traumáticas que se impõe a quem na vida se depara com ele. Por
vezes nos referimos a momentos e situações dolorosas utilizando tais termos
como analogia... quando falamos de corrupção no Brasil, por exemplo, é comum
ouvir que trata-se de “um câncer que corrói a nação” do mesmo modo que dizemos
“que droga de vida”, mas no caso da droga, sabemos que há drogas boas e ruins,
enquanto que no caso do câncer...não. O câncer é uma merda...sempre...onde quer
que se manifeste, em quem quer que seja.
Não publiquei nenhuma ainda, pois
as escrevi na correria e carecem de algumas revisões. Eu as escrevi como formas
de registrar as emoções, lutas, sensações e tantas outras experiências que um
período como este pode nos proporcionar...eu as escrevi para que no futuro
pudéssemos ter uma memória registrada de mais uma luta da qual saímos vitoriosos...
ou não.
Eu só não esperava, não estava
preparado, sequer podia imaginar que a primeira crônica que eu publicaria deste
período seria sobre infarto. Assim que eu comecei escrever achei que eu teria
uma boa coleção de textos sobre câncer, eu vinha estudando sobre o tema, andei
lendo experiências dos outros...mas havia um infarto no meio do caminho.
Foram doze dias de apreensão e tensão
entre a parada cardíaca e o falecimento, foram dias de muitas angústias. A
preocupação com meu pai que nesta semana fazia radioterapia e quimioterapia
concomitantemente se misturava ao desespero de imaginar a hipótese de minha mãe
não voltar. Como meu pai vai ficar? Será que ele continuará lutando contra sua
doença caso ela morra? Se ela voltar terá sequelas que a comprometerão ao ponto
de deixá-la sofrendo no final de sua vida? Se ela não voltar....como dizer o
que ficou para ser dito no final?
O câncer
tem um lado assolador devido ao longo tratamento, ao contrário do infarto,
ele nos possibilita tempos de redenção...de perdoar e ser perdoado, de
demonstrar o quanto amamos, de ficar mais pertinho na caminhada final da
vida...de dizer e escutar aquilo que não falamos ou ouvimos em circunstâncias
normais.
O infarto é sem dúvida uma pedra
no meio do caminho, um tropeço fatal que interrompe a caminhada (de quem
fica), transformando as possibilidades futuras em incógnitas. Toda ruptura é
ruim, é traumática, perder uma mãe... por infarto é despencar por um
abismo...não é possível prever o tamanho da queda, a profundidade do baque... só
saberemos o quão fundo chegaremos com o tempo.
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