domingo, janeiro 11, 2015

Crônicas cancerígenas I: um infarto no meio do caminho.

Eu iniciei há algumas semanas uma pequena coleção de textos sobre algumas experiências que tenho vivido ao lado de meu pai após ele ter contraído um câncer na região do pescoço. Resolvi intitulá-los de crônicas cancerígenas, achei apropriadas devido ao sentido letárgico que o termo possui. A terminologia câncer (assim como a palavra droga, dentre outras), ultrapassou sua especificação semântica pela força das experiências traumáticas que se impõe a quem na vida se depara com ele. Por vezes nos referimos a momentos e situações dolorosas utilizando tais termos como analogia... quando falamos de corrupção no Brasil, por exemplo, é comum ouvir que trata-se de “um câncer que corrói a nação” do mesmo modo que dizemos “que droga de vida”, mas no caso da droga, sabemos que há drogas boas e ruins, enquanto que no caso do câncer...não. O câncer é uma merda...sempre...onde quer que se manifeste, em quem quer que seja.
Não publiquei nenhuma ainda, pois as escrevi na correria e carecem de algumas revisões. Eu as escrevi como formas de registrar as emoções, lutas, sensações e tantas outras experiências que um período como este pode nos proporcionar...eu as escrevi para que no futuro pudéssemos ter uma memória registrada de mais uma luta da qual saímos vitoriosos... ou não.
Eu só não esperava, não estava preparado, sequer podia imaginar que a primeira crônica que eu publicaria deste período seria sobre infarto. Assim que eu comecei escrever achei que eu teria uma boa coleção de textos sobre câncer, eu vinha estudando sobre o tema, andei lendo experiências dos outros...mas havia um infarto no meio do caminho. 
Foram doze dias de apreensão e tensão entre a parada cardíaca e o falecimento, foram dias de muitas angústias. A preocupação com meu pai que nesta semana fazia radioterapia e quimioterapia concomitantemente se misturava ao desespero de imaginar a hipótese de minha mãe não voltar. Como meu pai vai ficar? Será que ele continuará lutando contra sua doença caso ela morra? Se ela voltar terá sequelas que a comprometerão ao ponto de deixá-la sofrendo no final de sua vida? Se ela não voltar....como dizer o que ficou para ser dito no final?  
O câncer tem um lado assolador devido ao longo tratamento, ao contrário do infarto, ele nos possibilita tempos de redenção...de perdoar e ser perdoado, de demonstrar o quanto amamos, de ficar mais pertinho na caminhada final da vida...de dizer e escutar aquilo que não falamos ou ouvimos em circunstâncias normais.

O infarto é sem dúvida uma pedra no meio do caminho, um tropeço fatal que interrompe a caminhada (de quem fica), transformando as possibilidades futuras em incógnitas. Toda ruptura é ruim, é traumática, perder uma mãe... por infarto é despencar por um abismo...não é possível prever o tamanho da queda, a profundidade do baque... só saberemos o quão fundo chegaremos com o tempo. 

Nenhum comentário: