segunda-feira, dezembro 26, 2022

AS INFÂNCIAS ROUBADAS NO BRASIL: "MENINOS 23"

Hoje se celebra o natal nas sociedades ocidentais, eu poderia escrever muitas coisas sobre essa data, mas não seria nenhuma novidade, muito já se escreveu sobre como essa tradição foi construída, como a igreja romana se apropriou de certas celebrações politeístas e depois como uma empresa de refrigerantes “inventou” um velhinho presenteador, transformando a celebração em um grande festival de consumo.

Mas eu não quero me deter nisto, quero refletir sobre esse tema a partir do documentário “Menino 23: infâncias perdidas no Brasil”, dirigido por Belisário Franca, baseado na investigação histórica de Sidney Aguilar. Não vou evitar o famoso "spoiler", o documentário é de 2016 e de toda forma não dá para descrever com palavras seu conteúdo, quem quiser assistir eis o Link

Não vou fazer grandes elaborações, apesar de desejar, não me sinto preparado para tanto. Imagino que muita gente boa já tenha escrito sobre, sem contar a tese do próprio Sidney: Educação, Autoritarismo e Eugenia: Exploração do Trabalho e violência à infância no Brasil (1930-45) - USP -2011.

Por ter assistido esse documentário só agora, semana passada, tão perto das nossas festividades de final de ano, comecei a pensar no subtítulo do documentário “infâncias perdidas”, devo confessar que mesmo tendo sido profundamente impactado pelo roteiro e imagens, de ter achado perfeito em todos os sentidos, não consigo concordar com esse subtítulo, explicarei.

A história, mais um capítulo absurdo da nossa herança escravagista, revela como uma família poderosa de rica (os Rocha Miranda), “adotaram” junto a uma Santa Casa de Misericórdia, CINQUENTA MENINOS NEGROS para viver em uma fazenda com a promessa de que eles seriam educados, mas foram mesmo é escravizados por anos. A fazenda era um tipo de campo de concentração para negros, o gado nelore era marcado com o símbolo da suástica, os tijolos feitos na fazenda também traziam o mesmo símbolo. Com o Brasil entrando na Guerra (2ª Guerra), ao lado dos Aliados, a situação para os nazistas por aqui começou ficar apertada, os Rocha Miranda fecharam a fazenda e despejaram os meninos (agora adolescentes). Anos em um orfanato (porque ninguém queria adotar crianças negras), depois trabalhando como escravos, agora soltos no mundo sem saber o que fazer, para onde ir... outra abolição.

Mas essas infâncias não foram perdidas, foram roubadas. Roubadas pela elite branca, racista e eugenista, cujos herdeiros ainda gozam das grandes propriedades e patrimônios, enquanto vomitam moralidades meritocráticas.

Gabriel, 12 anos. Foto de João
Paulo Guimarães 
Fiquei pensando em quantos natais esses meninos passaram na condição de escravos, meninos que sequer nome tinham, eram numerados, por isso o 23 (seu nome de batismo era Aloízio Silva). Isso me faz pensar quantas crianças nestes Brasil ainda têm suas infâncias roubadas. Será que as crianças que se acham dormindo sob os viadutos urbanos não se enquadram nesses termos? O que significa ter uma infância perdida? Você nasce pobre e desde cedo tem que trabalhar na pequena porção de terra que sua família tem para subsistência….acho que pode ser uma possibilidade, mas não fecho questão. Você nasce em uma família abastada e esta família resolve fazer de você uma pop star, então você não tem tempo a perder, desde cedo tem dezenas de compromissos… outra possibilidade, mas sigo não fechando questão. Mas quando você vive nas ruas, catando coisas dos lixões, vendendo paçoca nos sinais ou água nas praias… sua infância foi sim roubada.

O modelo de sociedade que vivemos, onde nós somos responsáveis integrais pelos nossos sucessos e fracassos, a criança que vive na rua não é um problema nosso, ela é fruto do fracasso de quem a gerou, pouco importa se quem a gerou também teve sua infância roubada. O capitalismo teve como um de seus grandes tentáculos ideológicos a produção do individualismo. Não sendo responsabilidade nossa, essas crianças vagam pelas ruas das cidades como fantasmas, invisíveis, apenas são notadas quando representam alguma ameaça aos cidadãos e cidadãs de bem. Mas se elas não são nosso problema, são ao mesmo tempo exploradas por nós, porque quando compramos água de uma criança na praia, não estamos ajudando-a, estamos explorando-a. Há milhões de “meninos 23” ainda neste país, crianças invisibilizadas que estão tendo sua infância roubada sim, porque se nós enquanto sociedade seguimos ignorando suas condições, contribuímos para a exploração de suas infâncias quando não as tiramos de lá.




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