Hoje se celebra o natal nas sociedades ocidentais, eu poderia escrever muitas coisas sobre essa data, mas não seria nenhuma novidade, muito já se escreveu sobre como essa tradição foi construída, como a igreja romana se apropriou de certas celebrações politeístas e depois como uma empresa de refrigerantes “inventou” um velhinho presenteador, transformando a celebração em um grande festival de consumo.
Mas eu não quero me deter nisto, quero refletir sobre esse tema a partir do documentário “Menino 23: infâncias perdidas no Brasil”, dirigido por Belisário Franca, baseado na investigação histórica de Sidney Aguilar. Não vou evitar o famoso "spoiler", o documentário é de 2016 e de toda forma não dá para descrever com palavras seu conteúdo, quem quiser assistir eis o Link
Não vou fazer grandes elaborações, apesar de desejar, não me sinto preparado para tanto. Imagino que muita gente boa já tenha escrito sobre, sem contar a tese do próprio Sidney: Educação, Autoritarismo e Eugenia: Exploração do Trabalho e violência à infância no Brasil (1930-45) - USP -2011.
Por ter assistido esse documentário só agora, semana passada, tão perto das nossas festividades de final de ano, comecei a pensar no subtítulo do documentário “infâncias perdidas”, devo confessar que mesmo tendo sido profundamente impactado pelo roteiro e imagens, de ter achado perfeito em todos os sentidos, não consigo concordar com esse subtítulo, explicarei.
A história, mais um capítulo absurdo da nossa herança escravagista, revela como uma família poderosa de rica (os Rocha Miranda), “adotaram” junto a uma Santa Casa de Misericórdia, CINQUENTA MENINOS NEGROS para viver em uma fazenda com a promessa de que eles seriam educados, mas foram mesmo é escravizados por anos. A fazenda era um tipo de campo de concentração para negros, o gado nelore era marcado com o símbolo da suástica, os tijolos feitos na fazenda também traziam o mesmo símbolo. Com o Brasil entrando na Guerra (2ª Guerra), ao lado dos Aliados, a situação para os nazistas por aqui começou ficar apertada, os Rocha Miranda fecharam a fazenda e despejaram os meninos (agora adolescentes). Anos em um orfanato (porque ninguém queria adotar crianças negras), depois trabalhando como escravos, agora soltos no mundo sem saber o que fazer, para onde ir... outra abolição.
Mas essas infâncias não foram perdidas, foram roubadas. Roubadas pela elite branca, racista e eugenista, cujos herdeiros ainda gozam das grandes propriedades e patrimônios, enquanto vomitam moralidades meritocráticas.
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Gabriel, 12 anos. Foto de João Paulo Guimarães |
O modelo de sociedade que vivemos, onde nós somos responsáveis integrais pelos nossos sucessos e fracassos, a criança que vive na rua não é um problema nosso, ela é fruto do fracasso de quem a gerou, pouco importa se quem a gerou também teve sua infância roubada. O capitalismo teve como um de seus grandes tentáculos ideológicos a produção do individualismo. Não sendo responsabilidade nossa, essas crianças vagam pelas ruas das cidades como fantasmas, invisíveis, apenas são notadas quando representam alguma ameaça aos cidadãos e cidadãs de bem. Mas se elas não são nosso problema, são ao mesmo tempo exploradas por nós, porque quando compramos água de uma criança na praia, não estamos ajudando-a, estamos explorando-a. Há milhões de “meninos 23” ainda neste país, crianças invisibilizadas que estão tendo sua infância roubada sim, porque se nós enquanto sociedade seguimos ignorando suas condições, contribuímos para a exploração de suas infâncias quando não as tiramos de lá.
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