Eu aprendi do pior jeito que tempo perdido não se recupera. Não há nada que se possa fazer para mudar o passado, tudo o que podemos fazer é deixar de perder tempo, o quanto antes melhor. Na prática, significa não repetir os mesmos erros, de preferência sem olhar pra trás. Por outro lado, determinados erros podem implicar em consequências terríveis no futuro. A velha sabedoria campesina de que colhemos o que plantamos.
No Brasil pós Temer (pós golpe), em especialmente o de Bolsonaro, os erros cometidos resultarão em anos de retrocesso nos mais diversos segmentos da sociedade. Não pretendo aqui aprofundar todos esses segmentos, seria necessário ser um superespecialista, o que não existe, entretanto, é possível enumerar com alguma clareza alguns segmentos.
Na segurança pública temos dois elementos aparentemente diversos, o chamado "punitivismo penal" de um lado e o "armamentismo civil" do outro. No primeiro, defende-se a ampliação e o rigor das penas a criminosos e a exaltação as execuções sem o devido processo legal por meio do aclamado "bandido bom, é bandido morto". No segundo, brada-se pelo direito do "cidadão de bem" ter armas para se defender. Como escreveu a juíza Andrea Pachá, fazer postagens com fotos portando armas virou "liberdade de expressão", enquanto os artistas voltaram a ser a "classe perigosa". Nossa capacidade de letalidade cresceu, as policias militarizadas, autorizadas a "atirar na cabecinha" e realizar chacinas em áreas periféricas, adquiriram o direito a impor sigilo sobre as operações por anos. Nunca fomos tão violentos.
Na política trabalhista o retrocesso é irreparável, os impactos na vida dos trabalhadores serão incalculáveis. Ao refletir sobre, me veio a mente as contribuições de Florestan Fernandes e seu conceito de "Capitalismo Dependente". As medidas tomadas no âmbito das relações trabalhistas desde o governo Temer até a recente MP 1045 são um claro sinal de que nossa elite nunca desejou um país realmente autônomo economicamente, mais do que nunca buscam ampliar seus privilégios, cedendo as elites econômicas globais trabalhadores com direitos precários, cada vez mais impossibilitados de auto-organização e de recorrer a justiça. A aproximação de agentes do governo com "empresas" de extração ilegal de minerais, madeiras e a flexibilização fiscal promovendo a ampliação do trabalho em condições análogas a escravidão não é coincidência. Envelheceremos e morreremos trabalhando apesar de termos aumentado o tempo de contribuição previdenciária.
Eu gostaria de enumerar algumas questões ligadas a saúde publica, mas confesso, me revira o estômago pensar nisso. Temos uma CPI revelando todos os dias capítulos de uma tragédia, que embora anunciada, não deixa de nos surpreender. Somos o segundo país do mundo em óbitos pelo vírus devido a uma política deliberada de "imunidade de rebanho", fato criminoso este, que por mais que tente, o atual governo jamais conseguirá se eximir. Dos pronunciamentos da "gripezinha" a magia do "tratamento precoce" com financiamento público, aos esquemas nefastos de recusar vacinas em detrimento de propinas, nunca se retrocedeu tanto. Envelheceremos trabalhando sem saúde.
Por fim, alguns retornos sinistros que voltaram a nos assombrar, cujas consequências ainda não podemos dimensionar: a inflação galopante, com um acumulado em 2021 de 9% . A gasolina teve seu valor reajustado por nove vezes com aumento acumulado em 51%, a carne mais de 45%, o óleo de soja mais de 80% (no país da soja), o arroz 46%. O velho dragão acordou e já lança algumas labaredas contra os pobres. A fome e a insegurança alimentar também retornaram com força, após meses de silêncio do governo quanto a essa questão, a solução apresentada até agora é uma "pedalada estratégica" nos precatórios. Se não fosse a iniciativa de diversos setores da sociedade civil teríamos centenas de mortos de fome somados aos mortos pelo vírus. Graças as ações de algumas dezenas de "Lancellottis" (muitos dos quais sequer são religiosos), apesar das "Janaínas", cozinhas solidárias se espalharam pelo Brasil. A fome, porém, requer mais, necessita de políticas públicas de fato. Por último, não menos importante, voltamos a ser assombrados pelos coturnos pretos e uniformes verdes-olivas que infestam as estruturas governamentais aos milhares, muitos no alto escalão dos ministérios. Os atos antidemocráticos pedindo a volta do AI-5 e os tanques que desfilam na esplanada combinam com o aumento de células neonazistas e os ataques supremacistas a negros, mulheres e homoafetivos.
Lembrando Paulo Freire, nosso eterno patrono da educação, "num país como o Brasil, manter a esperança viva é em si um ato revolucionário".
Jonatas Carvalho
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