A Doutrina Monroe (1823): "A América para os Americanos", uma frase que carrega um duplo sentido, afastar definitivamente os impérios europeus do continente americano e garantir a hegemonia estadunidense na região. Foi por meio desta justificativa que os EUA apoiaram os cubanos em 1898 a expulsarem os espanhóis da ilha. O preço da "independência" dos cubanos foi alto, tiveram que incorporar a Emenda Platt (1901) à sua constituição, cedendo ao seu novo "protetor" a Baía de Guantánamo (1903), onde os EUA construíram uma base militar. A Emenda Platt, permitiria que o governo estadunidense interferisse militarmente sempre que achasse necessário na ilha, além disso, passaram a controlar a política externa dos cubanos, todos os tratados deveriam passar pelo senado em Washington, por fim, dava aos interventores o direito de arrendar terras. A Emenda Platt teve validade até 1934, quando Fulgêncio Batista assumiu o poder da ilha com apoio dos EUA, mas Guantánamo continua servindo aos governos estadunidenses ainda hoje.
Theodore Roosevelt (1904), adicionou à Doutrina Monroe, um novo elemento intervencionista: a possibilidade de intervir preventivamente diante de uma ameaça europeia na América. Denominado de o "Corolário Roosevelt" tal política externa ficou popularmente conhecida como sua política de "Big Stick", isto porque o próprio Roosevelt gostava de repetir um velho provérbio africano que dizia: "Fale baixo e carregue um grande porrete; você irá longe". Roosevelt expandiu as forças navais e afugentou as embarcações europeias do lado de cá do Atlântico, o que lhe permitiu assumir o projeto do Canal do Panamá, mas como o congresso da Colômbia se recusou a ratificar o tratado Hay-Herran (1903), o presidente estadunidense incentivou um movimento de independência no país, colocando o canhoneiro U.S.S. Nashville em águas panamenhas como forma de dissuadir uma reação do governo colombiano.
Com base no "Corolário Roosevelt", os EUA realizaram diversas intervenções diretas em seus vizinhos mais próximos na primeira metade do século XX, além de Cuba e Panamá, o Big Stick foi utilizado para intervir na Nicarágua (1912-1926), Haiti (1915-1934) e República Dominicana (1916-1924). Mas coube a Honduras carregar o estereótipo clássico de "República das Bananas", o país sofreu intervenção direta dos EUA em 1903, 1907, 1911, 1919, 1924 e 1925. Todas essas intervenções foram realizadas para atender os interesses da United Fruit. Em 1954, a mesma empresa, contou com a CIA para depor o presidente guatemalteco, Jacobo Arbenz, devido sua proposta de reforma agrária.
Em tese, a política do falar baixo carregando um grande porrete foi substituída pela "Política da Boa Vizinhança", instaurada por Franklin D. Roosevelt em 1934. O jeito democrata de ser, trocou a diplomacia canhoneira por Hollywood, no Brasil o intercâmbio cultural via o Office of Inter-American Affairs (OCIAA), permitiu que artistas como Carmen Miranda e produções como o desenho de Walt Disney, Alô, Amigos (1942), fossem usados para criar uma imagem positiva dos EUA e difundir a cultura americana. No campo econômico, Getúlio Vargas conseguiu empréstimos para criar a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN).
O Escritório de Assuntos Americanos, uma espécie de USAID (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional), da época, foi responsável pela dominação cultural dos EUA nas Américas, inicialmente, dedicou-se a promover uma enorme propaganda antinazista em parceria com Reuters e a Associated Press. Com o fim da II Guerra Mundial, a OCIAA, comandada por Nelson Rockefeller, foi descontinuada, com início da Guerra Fria a política externa estadunidense foi efetivada pelo Departamento de Estado, que por sua vez, passou a utilizar a OEA (Organização dos Estados Americanos), criada em 1948 para manter o continente americano sob a influência dos EUA.
Ao final da Guerra Fria, o combate ao Comunismo foi dando lugar ao combate ao tráfico internacional de drogas ilícitas. A difusão do conceito "Narcoterrorismo", criado pelo então presidente do Peru, Fernando Belaúnde Terry, foi utilizado sem qualquer pudor pela administração Reagan (1981-1989). A primeira grande operação na América Latina por parte dos EUA foi a Blast Furnace (Forno de Fusão), em 1986, na Bolívia. A partir daí novas intervenções na América Latina sob o pretexto do combate ao narcoterrorismo foram comandadas pelo DEA e o Comando Sul. A Operação Just Cause (1989), que culminou com a invasão do Panamá para prender o então presidente Manuel Noriega, sob acusação de chefiar o narcotráfico no país, pode ser considerada um marco da militarização do combate às drogas. A partir daí novas interferências foram instauradas, a chamada “Iniciativa Andina”, iniciada em 1990, no governo de H.W. Bush, um programa focado na Colômbia, Bolívia e Peru, tinha por objetivo erradicar as plantações de coca nestes países. Enquanto o Comando Sul, liderava as operações e treinava as forças de segurança nacionais dos referidos países, a USAID entrava com o projeto de desenvolvimento econômico visando a substituição da cultura da coca por outras. O projeto fracassou terrivelmente, na Colômbia (Plano Colômbia - 1999), por exemplo, foi intensificado a prática da fumigação de glifosato (herbicida), com o objetivo de destruir as plantações de coca. A iniciativa foi desastrosa, comprometeu o solo, a água, impedindo o plantio de novas culturas e gerou enormes consequências de saúde pública para os agricultores locais, além disso, os cultivos de coca foram deslocados para áreas mais remotas.
Peço desculpas pela longa introdução, nós historiadores somos forjados para contextualizar ao máximo as ações do presente. Entendemos que a história não se repete, claro, mas o passado pode elucidar certas práticas no presente e nos ajudar compreender que tais práticas podem ser "atualizações" ou "reformulações" combinado com "continuações" de práticas passadas. Vejamos o caso mais recente, a saber: as ameaças de interferência direta por parte do presidente dos EUA, Donald Trump, a diversos países da América Latina (Panamá, México, Venezuela e agora a Colômbia). O que há nesse caso que se encaixaria em continuidades, reformulações ou atualizações?
Se lembrarmos bem, o próprio Trump recorreu a certas práticas do passado, em março de 2025 ele mencionou a chamada Lei dos Inimigos Estrangeiros de 1798, para justificar a intensificação de sua política anti-imigração. Eu não negaria, portanto, que ao mover o grupo de ataque (naval e aéreo) USS Gerald Ford para o mar do Caribe, que ele esteja reeditando a "diplomacia canhoneira" ou o "Corolário Roosevelt". Por outro lado, devemos reconhecer que o lema "Fale baixo e carregue um grande porrete", não combina com Trump; ele grita e exige. Talvez, seja esta a razão pela qual sua administração tenha cortado os investimentos para a USAID, revoluções coloridas não são seu estilo. Seu egocentrismo megalomaníaco é incompatível com a lógica dos democratas, ele assassina e diz que está assassinando, abro aspas: "Acho que vamos apenas matar as pessoas que estão trazendo drogas para o nosso país. Certo? Vamos matá-las." Quer dizer, ele não se importa de cometer crime internacional à luz do dia.
O que há de diferença categórica entre o Big Stick de Roosevelt e o de Trump é o contexto histórico, enquanto Roosevelt procurava com seu porrete garantir uma hegemonia política e econômica na América, afastando as potências imperialistas europeias. Trump busca retomar uma suposta hegemonia que teria sido perdida para a China. E é aí que tudo muda, pois a China não é nem de longe uma potência imperialista ocidental. Os impérios ocidentais da primeira metade do século XX eram colonizadores neoclássicos, ocuparam os povos não ocidentais sob a justificativa pseudocientífica da obrigação moral de levar a civilização, era o "fardo do homem branco", como escreveu Rudyard Kipling em 1898. A China por sua vez, chega com oportunidades de ganhos, de incremento tecnológico e desenvolvimento. É claro que ela se beneficia grandemente com isto, seu projeto é criar um grande corredor de negócios por todo o mundo absolutamente independente do chamado ocidente coletivo, o que não impede de ligar o ocidente as suas rotas. É bom lembrar que o gigante asiático hoje é o maior parceiro (ou um dos maiores) comercial de boa parte dos países da América do Sul.
Essa condição única, isto é, a capacidade competitiva da China, que vem resultando em uma certa interdependência do chamado Sul Global em relação ao sistema monetário ocidental, requer uma estratégia de longo prazo por parte dos EUA e seus aliados da UE e OTAN. Se o jogo tarifário de Trump, ou seja, se suas imposições por tarifas estiverem associadas a um protecionismo que visa a longo prazo a reindustrialização dos EUA — parece que ninguém tem certeza se está ou não — isto poderia, em um futuro distante, reintroduzir o país no jogo das grandes competições (embora não há garantias claras que isso possa acontecer). O que percebemos, entretanto, é que o planejamento a longo prazo não é uma característica dos ocidentais, suas oligarquias preferem, mediante as crises cíclicas de seu sistema econômico, realizar golpes e sabotagens, promover guerras e sacrificar ainda mais suas próprias populações.
O que Trump quer então com a Venezuela e Colômbia? Todos sabem que o argumento de combate ao narcotráfico é uma desculpa velha. Sabemos que os verdadeiros narcotraficantes não residem na América Latina, eles possuem mansões em Miami, no Havaí, ou em alguma outra ilha atlântica. Eu diria então, que a questão tem relação com a dominação energética. Lembremos que a operação que os EUA vêm produzindo na Europa, via OTAN, com a guerra por procuração da Ucrânia, tem sido até aqui, substituir o fornecimento energético europeu que até então era provido pela Rússia. O caso da sabotagem que resultou na explosão do gasoduto que transportava gás natural da Rússia para a Alemanha pelo Mar Báltico (Nord Stream 1 - em 2022), é um exemplo, há muitos outros. Não digo com isso que todo interesse dos EUA com a guerra da Ucrânia e Rússia se resuma a isto (Já escrevi aqui a esse respeito).
Há muitas análises que discutem as dificuldades e desafios da produção de petróleo dos EUA — Veja as de Stanislav Krapivnik —, apesar de ser o maior produtor do mundo (Texas, Costa do Golfo, Alaska), trata-se de um petróleo com baixo teor de enxofre (light sweet), só que suas refinarias são projetadas para processar petróleo pesado e com alto teor de enxofre (heavy sour), além disso, a infraestrutura de oleodutos para distribuir internamente o petróleo doméstico é deficiente, o que faz da importação um negócio mais rentável. Por outro lado, o BRICS atualmente, concentra em torno de 44% do petróleo mundial. Vejamos, a Rússia é segundo maior produtor do planeta, o Irã (quarto maior produtor) acabou de encontrar uma nova e abundante reserva em Pazan, já o Brasil está prestes a potencializar sua produção no Amazonas e a Venezuela segue possuindo as maiores reservas do mundo. A China, por sua vez, vem comprando todo esse petróleo, ao mesmo tempo em que desenvolve o maior projeto mundial de energias alternativas. Portanto, não se enganem, mais que os petrodólares venezuelanos, o que os EUA estão fazendo é desafiando a China e a Rússia, grandes parceiros do chavismo. Não esqueçamos da fala de Pete Hegseth, Secretário de Defesa (agora de Guerra) em abril deste ano, ao dizer que os Estados Unidos irá "recuperar o nosso quintal".
Trump irá invadir a Venezuela ou vai manter uma reedição da "diplomacia canhoneira" visando trocar o regime Maduro? Sigo acreditando na segunda hipótese. Os custos operacionais, sociais e políticos de uma invasão serão enormes para os EUA. Se Trump tiver sucesso na troca de regime, se a nova prêmio Nobel da paz, Maria Corina Machado assumisse o governo venezuelano, o grande capital estadunidense teria acesso a outras riquezas no país, como as minas de ouro, diamante e outros minerais como lítio e coltan. O problema é que o chavismo aprendeu a lição com os sucessivos golpes liderados pelos EUA nas Américas — como foi o caso do Chile sob o governo de Salvador Allende, derrubado pelos próprios generais comandados por Augusto Pinochet — na Venezuela, o exército é chavista/bolivariano, mas não só, a sociedade venezuelana, em sua maioria, também é. Assim, uma invasão por terra na Venezuela, pode representar um Vietnã na América do Sul para os EUA.
Há ainda, o risco de arrastar a Colômbia para o conflito, caso ocorra, não temos como saber se as organizações paramilitares como o Exército de Libertação Nacional (ELN) e grupos dissidentes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) seriam arrastados para as fronteiras com a Venezuela e de que lado lutariam, isto porque, tais grupos não são monolíticos, há grupos dissidentes com interesses diversos. Mas é bom lembrar que Gustavo Petro e Nicolás Maduro estão em consonância.
Aguardemos.

2 comentários:
Aguardemos 🫢🫣🙄
Trump está Tentando invadir a Venezuela de todas as maneiras híbridas e semiáticos
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