sexta-feira, julho 25, 2025

O REI ESTÁ NU: TARIFAS, SANSÕES E OUTROS CAMINHOS PARA A TERCEIRA GUERRA MUNDIAL.

 Um relevante trabalho dos historiadores é investigar não o que é dito, mas o que não é dito (ou escrito). O "não dito" é aquilo que não está implícito nos discursos, isto porque, o que se quer é apontar para outro lugar, assim, quando os olhares do público são conduzidos para este outro lugar pelo o que é dito, o "não dito" opera por diversas formas sobre onde se quer operar. Por exemplo, as diversas situações em que os EUA chamaram a atenção do mundo sobre algum "vazamento top secret", sobre "OVNIs", com direito à militares do Pentágono dando explicações e entrevistas, e as redes de notícias mostram em "primeira mão", imagens "obtidas", em que um suposto objeto voador não identificado aparece; é para lá que nossos olhos são conduzidos. A produção desse desvio do olhar, tem, evidentemente, um objetivo claro: reduzir, minimizar ao máximo, um tipo de escândalo que teria potencial para desgastar fortemente a imagem do governo, do presidente, das empresas...etc. 

O "não dito", está em todo lugar, nos documentos oficiais e extraoficiais, nas declarações dos governos, nos memorandos das empresas, e recentemente, claro, no "X" (Twitter). Foi assim que golpes de estado, massacres e guerras tiveram início, meio e fim. A questão para nós historiadores, não é exatamente o que é nomeado ou como se nomeou algo, mas o que essa nomeação esconde, oculta, ou tenta evitar que se mire sobre os reais interesses. 

O Sr. Trump sabe muito bem fazer esse jogo. Exatamente por isso, quando ele diz que vai taxar o Brasil porque nosso país está realizando uma "caça as bruxas", que Jair Bolsonaro é seu amigo e foi ótimo para o Brasil, certamente não devemos desconsiderar tais motivações, mas buscar compreender porque ele utilizou tal retórica e não outra. O objetivo de Trump é claro, trata-se de desviar a intenção e o foco. Bolsonaro é o OVNI, isto é, o lugar da contenda, os grupos políticos entram em cena, se digladiam contra e a favor, os jornais não param de noticiar, "novas revelações" emergem, adicionando mais "lenha na fogueira", enquanto o caos se instala, o "não dito" opera silenciosamente. 

Tem sido assim há muito e muito tempo, mas para ficar em eventos mais recentes, posso lembrar-vos de que a "Guerra Rússia X Ucrânia" (que não é exatamente um conflito entre Rússia X Ucrânia) não tem ralação com a Ucrânia, assim como o extermínio dos Palestinos impetrado por Israel, não é sobre os Palestinos (ainda que estes paguem o preço com as próprias vidas), e, certamente os ataques desferidos contra instalações nucleares iranianas não são sobre o Irã produzir bombas nucleares. 

Que raios quer então Trump com seu "tarifaço"? A resposta (especulações) a esta questão tem sido respondida desde o primeiro anúncio de tarifas à China, até agora, no entanto, nenhuma resposta encerrou suficientemente às intenções "por trás das tarifas". Manipulação da bolsa de valores? A vingança das big techs? As articulações dos BRICS?  Terras raras? 

Uma avaliação mais ampla, consideraria vários cenários. A crise da economia neoliberal ocidental escancara sua moralidade torpe e cruel. O ocidente sempre se comportou desta forma, mas agora existem meios de comunicação fora de ocidente que conseguem demonstrar sua vileza: o rei está nu. O livre comércio e a sociedade baseada em regras, uma ideologia (o dito) que esconde a verdadeira fonte da riqueza do Ocidente Coletivo: colonização e a espoliação (o não dito). Não foi com base em trocas comerciais que as nações europeias construíram seus palácios, templos e museus. Foi com navios de guerra.  

A ideia da autodeterminação dos povos, que deu origem à conferência de Bandung (Indonésia - 1955), finalmente começa se concretizar — não sem lutas e mortes — Ásia e África se tornam cada vez menos dependente da Europa e dos EUA, os BRICS (atualmente formado por onze países), são a consolidação deste projeto cujas bases são: China, Rússia, Índia, África do Sul e o Brasil.  

O que fará o Ocidente para frear os avanços e a autonomia do Sul Global? Uma Terceira Guerra Mundial. Será? Vejamos o seguinte, as chamadas guerras longas, impetradas pelo Ocidente, estão em curso há décadas, porém a estratégia mudou com a ascensão do BRICS. A Europa se prepara para um guerra direta contra o Rússia por volta de 2030 — não sou eu que afirmo isso, alguns analistas de geopolítica têm discutido este tema — o conflito contra a Ucrânia, serve assim, para desgastar os Russos, conhecer suas táticas para no futuro a OTAN entrar diretamente na guerra. A "saída" (ou o distanciamento) dos  EUA do conflito, obrigando a UE a ampliar para 5% os recursos de seus PIBs em engenharia bélica — que por sinal será comprada de empresas estadunidense — é a preparação para o front oriental. Esta estratégia irá impulsionar a indústria armamentista estadunidense e dar-lhe condições de se preparar contra a China — o front asiático. 

 Criador: halalstock  Crédito: AI-generated image created by halalsto

Alguns movimentos civis no Indo-Pacífico, já estão atuando para evitar o pior, como por exemplo, a Pacific Peace Network, que criou um grande manifesto pedindo aos países para declararem neutralidade em meio as hostilidades e uma possível guerra entre os EUA e a China. Dentre os itens do manifesto está a recusa em ceder "seus territórios ou águas soberanas sejam usados em tal guerra, incluindo a coleta e retransmissão de inteligência militar, vendas de armas e hospedagem de tropas e instalações de combate".  

As guerras no Oeste da Ásia (ainda conhecido como oriente médio), cujo "proxy" principal — guerra por procuração —  é Israel, visam enfraquecer as relações que Rússia e China vinham construindo na região, especialmente com o Irã. O projeto anunciado por Netanyahu da criação de um "Novo Oriente Médio", o chamado "Acordo de Abraão", e que conta com o apoio de países como os Emirados Árabes Unidos e Bahrein, requer a eliminação das oposições, a dominação do Líbano e da Síria, assim como os ataques ao Irã teriam por objetivo avançar o acordo. Enfraquecer ou mesmo impedir que Rússia e China utilize se beneficie não apenas com as rotas comerciais, mas principalmente que ampliem sua influência  no Oeste de Ásia é fundamental  para o Ocidente Coletivo.

Juntam-se a estes conflitos outras zonas de tensão, das quais podemos destacar os problemas no sul do Cáucaso, em especial as relações belicosas entre a Armênia e o Azerbaijão, e as instabilidades na Geórgia. Os recentes confrontos entre a Índia e Paquistão em razão da disputa pela Caxemira. E o mais recente conflito, desta vez no sudeste da Ásia, entre a Tailândia e o Camboja em razão do Triângulo da Esmeralda. Tanto os EUA, quanto a China apelaram pela interrupção do conflito, enquanto o primeiro é aliado da Tailândia, o segundo é do Camboja.  

Restam-nos as Áfricas e  as Américas. Comecemos pelas Áfricas — assim mesmo no plural — o domínio ocidental cada vez mais enfraquecido, mais ameaçado, irá, certamente, fazer de algumas regiões africanas mais suscetíveis à instabilidades e guerras. Mas as novas lideranças africanas estão fazendo renascer o Pan-africanismo, um exemplo claro é a criação da Aliança dos Estados do Sahel (AES) em 2023, que envolvem países como o Mali, Níger e Burkina Faso. Os Estados do Sahel se uniram contra a influência da França na Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO). Para se ter uma ideia, "oito dos quinze Estados da Cedeao ainda usam o franco (CFA), moeda controlada pelo Banco Central Francês, que retém 50% das reservas internacionais desses países e cobra taxas de gestão" (Veja artigo de Marcelo Leal). Ocorre que os países da AES foram recebidos pela cúpula do BRICS no Rio de Janeiro, não como membros, mas como parceiros, com direito a uma linha de crédito de quinhentos milhões de dólares que irá vir do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB). Esta é uma das situações que vem deixando o Ocidente pânico, a influência da Rússia e, sobretudo, da China no continente Africano vem aumentando significativamente, os chineses tem investimentos em infraestrutura em mais de trinta e cinco países por lá (Veja mais aqui). 

Os conflitos no Sudão (região do Sahel) e na Somália, além claro, do Congo existem para que a instabilidade impeça o fortalecimento de lideranças nacionalistas capazes de romper os laços com o Ocidente Coletivo ao mesmo tempo em que dificultam o acesso da Rússia e da China nestas regiões. Por último, justificam interferências e intervenções por parte do Ocidente, "ajuda humanitária" e outras atividades que as ONGs ligadas a USAID no continente Africano.

Nas Américas, parece que a bola da vez é o Brasil, mas ele não é o único. Os países americanos sofrem interferência dos EUA há pelo menos um século. Mas foi no período da Guerra Fria que as intervenções diretas vieram, com as ditaduras civil-militares que se espelharam pela América Latina e Brasil, até a Operação Condor em 1975. Ao longo desse período os EUA encontraram outra forma de intervir nos seus vizinhos de baixo, a chamada "guerra as drogas" virou um prato cheio para que as administrações estadunidenses passassem a operar de dentro dos países americanos. 

O Brasil, contudo, virou um grande alvo dos EUA. O real motivo? Sempre será econômico. Foi assim com Vargas — que se recusou a internacionalizar a Petrobrás — , foi assim com Dilma — pelo mesmo motivo. Hoje, na medida que o Brasil busca por mais autonomia, que expande seu mercado aos países do Sul Global através do BRICS, novamente sofre duras interferências do grande capital ocidental. A mensagem aqui é: vocês não podem fazer comércio com quem bem querem, vocês precisam da nossa permissão, se tentarem, vamos arrasá-los como já fizemos no passado. O que muda são os métodos, em 1964 foi um golpe civil-militar, em 2014 foi a operação Lava Jato, hoje são tarifas e sansões. 

Só em 2023, o Brasil assinou quinze acordos bilaterais com a China, ao todo são mais de trinta e cinco acordos em vigor. Um desse acordos visam um estudo de viabilidade para criar uma ferrovia de conectaria Chancay no Peru à Ilhéus (Bahia - Nordeste brasileiro). O projeto — Ferrovia Bioceânica — um grande corredor intermodal que ampliaria as possibilidades de relações comerciais na América do Sul (Pacífico-sul e Atlântico-sul) com o restante do Sul Global, escapando assim, das rotas controladas pelo Ocidente Coletivo.

Quando Trump ataca o Brasil, na prática, ele quer é atacar a China. Os EUA farão tudo o que estiver ao seu alcance para minar o projeto expansionista chinês. A Iniciativa Cinturão e Rota — Nova Rota da Seda — conecta mais de 150 países, destes, 20 são latino-americanos. O Panamá foi obrigado por Trump a renunciar a Inciativa. A Colômbia de Gustavo Petro, aderiu em maio a Iniciativa Cinturão e Rota. Por lá a vida de Petro não está nada fácil, com direito a ataques por parte de Marco Rubio. O encontro pela democracia em Santiago (Chile) nesta semana é uma tentativa das lideranças  progressistas (na ausência de uma nomenclatura melhor) de deter os avanços neoconservadores (neocons).  

Podemos chamar todos esses movimentos tensionados ou já em conflito aberto que teatro de preparação para uma grande guerra. Se como historiador sou tomado pela ética profissional a não fazer previsões, também como historiador sou levado, pela observação da própria história da humanidade, a reconhecer que existe uma grande chance de experimentarmos um novo conflito mundial, não com as mesmas características dos dois últimos, mas com potencial destrutivo ainda maior. Espero estar errado, torço para que sim. Por que então escrever tudo isso? Para me somar a outros tantos que visualizam tal possibilidade e poder compartilhar com aqueles que não conseguem perceber tais movimentos. 

Talvez ocorra na próxima década, não sei, mas o que está em curso hoje já é assustadoramente bizarro. 





Um comentário:

Marida disse...

Esperamos que todas essas previsões não se concretizem, mas sabemos que há grandes possibilidades