A tendência mais óbvia entre nós, ao tomarmos conhecimento que um ser humano, ainda na flor da idade (vou considerar aqui flor da idade, jovens entre 10 e 19 anos), atentou com sucesso contra a própria vida e não se acha mais entre nós é de especular sobre as particularidades do ato. Estava com depressão? Sofria algum tipo de abuso? Os pais eram separados? Não faltarão opiniões e discussões sobre o que teria levado esse jovem humano a desistir de viver.
Nossa sociedade escolheu a vida como um valor imprescindível, por isso a morte, oposto mais radical da vida tornou-se uma abominação, um tabu. Decidimos enquanto sociedade, encontrar soluções que minimizam nosso sentimento de finitude, em todos os casos a vida continuará em outras condições e isso é reconfortante. Para que vivêssemos em respeito a certas normas morais no aqui e agora, combinamos que essa outra vida poderá ser de muito sofrimento; mas é justamente ao contrário, se a vida fosse infinita, o que nos motivaria?
Nossa sociedade escolheu a vida como um valor imprescindível, por isso a morte, oposto mais radical da vida tornou-se uma abominação, um tabu. Decidimos enquanto sociedade, encontrar soluções que minimizam nosso sentimento de finitude, em todos os casos a vida continuará em outras condições e isso é reconfortante. Para que vivêssemos em respeito a certas normas morais no aqui e agora, combinamos que essa outra vida poderá ser de muito sofrimento; mas é justamente ao contrário, se a vida fosse infinita, o que nos motivaria?
No fundo, somos levados a atuar no palco da vida como se este fosse um espetáculo único e curto, não podemos errar. Por isso, repetir um ano na escola ou não entrar na faculdade após o ENEM tem tanto peso. Nossa vida é toda calculada nos mínimos detalhes, os anos da escola, da faculdade, do trabalho (e este último pelo fato de vivermos mais hoje, segue sendo recalculado), da aposentadoria. Quem se estende em uma dessas etapas é considerado um fora da ordem.
Essa vida, cada dia mais intensificada (para usar aqui um conceito de Simmel), vida calculada e forjada (Foucault), se, por um lado promove coesão, por outro, pelo nível de coerção provoca fissuras, quebras, rupturas. Nossos jovens se suicidam mais que no passado recente, por sinal, muito embora, as taxas de suicídios tenham diminuído no mundo (total de suicídios), ela aumentou entre os jovens e, no caso brasileiro, entre os anos de 2006 e 2015 esse aumento foi de 24%. Segundo o Datasus, o número de suicídios foi de 11.433 mortes em 2016, tornando-se na quarta maior causa de morte. A vida é tão calculada que a OMS tem taxas aceitáveis de homicídios e de suicídios.
Voltando a questão que apresentei no primeiro parágrafo sobre nossa tendência de particularizar as histórias, Durkheim nos deixou uma lição importante lá no final do século XIX. Devemos olhar para o suicídio como um elemento social, tendemos a justificar histórias de suicídio futilmente como covardia ou desespero. Mas ao olhar as taxas mundiais e os aumentos nas taxas locais nos últimos anos, percebemos que não estamos lidando com singularidades, e sim com uma parcela significativa de jovens que estão adotando um comportamento antivida. Isto é social.
Por ser traumático, sobretudo, para os familiares, por ser ainda mais dramático quando se trata de vidas jovens (quero lembrar aqui que a maior incidência de suicídio é entre os velhos – acima de 60 anos), o silêncio torna-se o recurso mais utilizado, seja por sensibilidade ou por incapacidade de lidarmos com esse tema. Todavia, é preciso enfrentar essa questão, como já fizemos com tantas outras, o tabu só contribui para a desinformação.
Deve-se buscar debates que ultrapassem o âmbito privado e que discutam sobre o tipo de sociedade que nos tornamos e quais os efeitos disso. Campanhas (como o setembro amarelo) clamando por mais solidariedade são importantes, mas não atacam o fundamental, devemos repensar sobre estas vidas calculadas minunciosamente sobre as exigências que estes cálculos implicam sobre a pressão que se impõe aos mais jovens. Não se trata aqui de se opor a este modelo social ou de propor outro modelo, mas de dizer que esse modelo tem problemas sérios e que ele está matando cada vez mais jovens (não sou eu que digo mas os números). Se queremos fazer algo a respeito, a primeira coisa é reconhecer o problema e depois, como sociedade, nos organizarmos e reorientar nossas prioridades sem que estas custem tantas vidas.
Jonatas Carvalho
Pesquisador no INCT - InEAC/UFF - Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos;
Doutorando no Programa de Pós Graduação em Sociologia e Direito (PPGSD)
Essa vida, cada dia mais intensificada (para usar aqui um conceito de Simmel), vida calculada e forjada (Foucault), se, por um lado promove coesão, por outro, pelo nível de coerção provoca fissuras, quebras, rupturas. Nossos jovens se suicidam mais que no passado recente, por sinal, muito embora, as taxas de suicídios tenham diminuído no mundo (total de suicídios), ela aumentou entre os jovens e, no caso brasileiro, entre os anos de 2006 e 2015 esse aumento foi de 24%. Segundo o Datasus, o número de suicídios foi de 11.433 mortes em 2016, tornando-se na quarta maior causa de morte. A vida é tão calculada que a OMS tem taxas aceitáveis de homicídios e de suicídios.
Voltando a questão que apresentei no primeiro parágrafo sobre nossa tendência de particularizar as histórias, Durkheim nos deixou uma lição importante lá no final do século XIX. Devemos olhar para o suicídio como um elemento social, tendemos a justificar histórias de suicídio futilmente como covardia ou desespero. Mas ao olhar as taxas mundiais e os aumentos nas taxas locais nos últimos anos, percebemos que não estamos lidando com singularidades, e sim com uma parcela significativa de jovens que estão adotando um comportamento antivida. Isto é social.
Por ser traumático, sobretudo, para os familiares, por ser ainda mais dramático quando se trata de vidas jovens (quero lembrar aqui que a maior incidência de suicídio é entre os velhos – acima de 60 anos), o silêncio torna-se o recurso mais utilizado, seja por sensibilidade ou por incapacidade de lidarmos com esse tema. Todavia, é preciso enfrentar essa questão, como já fizemos com tantas outras, o tabu só contribui para a desinformação.
Deve-se buscar debates que ultrapassem o âmbito privado e que discutam sobre o tipo de sociedade que nos tornamos e quais os efeitos disso. Campanhas (como o setembro amarelo) clamando por mais solidariedade são importantes, mas não atacam o fundamental, devemos repensar sobre estas vidas calculadas minunciosamente sobre as exigências que estes cálculos implicam sobre a pressão que se impõe aos mais jovens. Não se trata aqui de se opor a este modelo social ou de propor outro modelo, mas de dizer que esse modelo tem problemas sérios e que ele está matando cada vez mais jovens (não sou eu que digo mas os números). Se queremos fazer algo a respeito, a primeira coisa é reconhecer o problema e depois, como sociedade, nos organizarmos e reorientar nossas prioridades sem que estas custem tantas vidas.
Jonatas Carvalho
Pesquisador no INCT - InEAC/UFF - Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos;
Doutorando no Programa de Pós Graduação em Sociologia e Direito (PPGSD)
Nenhum comentário:
Postar um comentário