segunda-feira, abril 28, 2008

A Arte da Escrita

Hoje eu assisti um daqueles bons romances que quando acabam, estamos a lacrimejar. O filme foi gravado em toscano na Itália, com belíssima fotografia onde as margaridas dos campos e as águas límpidas do mediterrâneo proporcionavam um ambiente de paraíso. Sempre que assisto a um filme com narrativa fico estarrecido, é como se alguém estivesse lendo um livro pra mim.
Fico imaginando se um dia terei a habilidade dos grandes escritores em descrever tudo ao seu redor, e mais, tudo que o toca a alma. Perceber, sentir o que se passa nas mentes das pessoas, descrever seus comportamentos, seus sonhos, suas ilusões. “Nunca perca sua inocência” disse certo escritor, talvez esteja ai o segredo de transcrever a vida.
O olhar do escritor precisa ser como o olhar de uma criança, capaz de avaliar, julgar, de perceber e interpretar sem meias palavras, com inocência crítica. Tudo é descrito com a sutileza de um perfume cuja fragrância passa pelas narinas tal como se fosse a brisa mais leve que já soprou.
Sensibilidade! Quem me dera ter, não sei se seria mais feliz se me fosse possível tal dom, mas eu o desejo. Como o pintor que derrama sobre a tela branca e na brancura sintetiza anseios e desejos, sensações coloridas, escorridas, contando-nos, revelando seus mais profundos pensamentos. Assim eu imagino o escritor. Alguém que coloca palavra após palavra sobre as linhas do seu caderno, destilando da tinta de sua esferográfica o que há de mais intenso na vida. Deliciando o leitor como se por receitas, palavras que tocam a alma, o âmago, hora dinamizando, hora mutilando nosso ser, extraindo aplausos mentais, misturado a colapsos nervosos.
Escrever é poder, é se armar da mais poderosa arma, é sacramentar o pensamento, dar sentido ao abstrato. Quem viaja sobre as linhas escritas de um livro percorre as mais belas estradas, descobre os mais incríveis lugares, pessoas interessantes, vidas impressionantes.
Meus olhos ardem, agora neste momento tudo que ouço é a respiração do meu filho que dorme como se o amanhã não fosse chegar. Os ponteiros do relógio se juntam ao número um, me alertando que minha hora chegou. Por um momento pude brincar de escrever, amanhã quando acordar saberei que sonhei, mas ainda que por pouco tempo este sonho valeu e por tê-lo registrado poderei sonhá-lo novamente. O que sentirei ao ler estas linhas amanhã? Nostalgia, decepção, não sei. Saberei, porém, de uma forma ou de outra que foi só um sonho, sonho de quem quer ser escritor.

Jonatas C. de Carvalho

sexta-feira, abril 25, 2008

Resposta ao Tempo

“Respondo que ele aprisiona e eu liberto.
Que ele adormece as paixões e eu desperto.
E o tempo se rói com inveja de mim,
me vigia querendo aprender,
como eu morro de amor, pra tentar reviver.
No fundo é uma eterna criança,
que não soube amadurecer.
Eu posso, ele não vai poder, me esquecer.”
(Nana Caíme)


O que é o tempo, senão um meio de contabilizar a finitude humana. É interessante ver como as pessoas se relacionam com o tempo. Elas “correm contra o tempo”, tentando fazer algo o mais rápido possível como se o tempo pudesse se extinguir. Elas “correm atrás do tempo”, na tentativa de não perdê-lo de vista, imaginando que ele possa ser alcançado. Elas “lutam contra o tempo”, como se este fosse o inimigo feroz a ser abatido. Elas buscam “superar o tempo”, numa competição desigual, onde certamente seriam pegas no caso de um exame de doping. Elas procuram “recuperar o tempo perdido”, como se este fosse uma moeda que caiu no banco de trás do carro. As pessoas vivem se queixando da “falta de tempo”, como se este fosse insuficiente, assim como uma ficha de fliperama.

O tempo é então tratado como um “fetiche” (fazendo uso da linguagem marxista), transformado em mercadoria, um produto a serviço do grande capital, um trunfo do capital humano. As grandes empresas nos ensinam como “lidar com o tempo” de modo a não “desperdiçá-lo”, ao contrário, devemos saber fazer o “uso correto do tempo”, “ganhar tempo.” Foi Benjamim Franklin quem cunhou pela primeira vez a frase “time is money”, o que Franklin não imaginava é que  seu país se tornaria a nação mais capitalista do mundo, que nas terras onde ele plantou cânhamo, nunca mais se teve tempo para nada e que há décadas os estadunidenses se alimentam em “fast-food”. 

Quanto tempo ainda temos? O que fizemos com o tempo de nossas vidas? Outro dia ouvi uma entrevista do Niemayer dizendo que faria muitas coisas diferentes se pudesse “voltar no tempo”, ele criticava aos que arrogantemente dizem que fariam tudo igual se fosse o caso de uma segunda chance. Essa coisa de “voltar no tempo”, já rendeu muita grana aos produtores de Hollywood, dezenas de filmes trataram deste tema, a “máquina do tempo”, “perdidos no espaço”, “efeito borboleta”, etc., mas o tempo continua a ser uma incógnita para nós mortais. 

Os arrependimentos dos atos passados ou da ausência deles, a ideia inerme de que não podemos “corrigir”, o que fizemos há anos ou há dias atrás, nos causa angústia. O tempo está ou não a nosso favor? Ele nos impõe a cada amanhecer um dia a mais nas costas, o peso do envelhecimento aumenta e não possuímos o “elixir da juventude”. Alguns de nós se orgulham de como usufruíram o tempo, outros lamentam e sofrem por não terem sido tão hábeis. 

Mas há os que respondem ao tempo à altura, que usaram sabiamente cada momento, que não se deixaram levar pela lógica do mercado tornando-se “prisioneiros do tempo”, ao contrário tornaram-se livres, amigos do tempo. Para esses o tempo não é uma “faca no pescoço”, o relógio (objeto bastante interessante de medir o tempo), nos sinaliza quando estamos atrasados ou adiantados, não é uma algema. Não importa o que perdemos, ou deixamos de ganhar e de fazer, importa que o simples fatos de estarmos vivos, nos possibilita dar uma resposta ao tempo, o tempo é o presente, o agora, se há alguma coisa por fazer este é o momento. Não significa dizer que se não realizarmos alguns sonhos seremos infelizes, quantos sonhos nossos são apenas vaidade. Responder ao tempo é viver, viver um dia de cada vez, viver usufruindo da vida, da família, dos amores. Responder ao tempo é sair pra pescar, é jantar com os amigos, é fazer aquele curso que você sempre quis, é matar uma tarde de trabalho pra vagabundar (eu ia dizer um dia inteiro, mas acho que vou ser linchado por uma afirmação assim.), é casar de novo, amar de novo, ou amar intensamente a mesma pessoa por anos e anos.

O importante é não deixar o “tempo passar” diante dos nossos olhos sem que reajamos a ele.


Jonatas Carvalho



segunda-feira, abril 21, 2008

Sobre aquários e gaiolas.

Nunca mais olhei da mesma forma para um aquário, desde que assisti “Procurando Nemo” da Disney. Minha esposa e eu levamos nossos filhos João Mateus e Júlia ao cinema na intenção de diverti-los, mas quem saiu de lá maravilhados fomos nós. Descobri como uma relação entre pai e filho pode ir além do convencional. Um peixe medroso que vivia em um coral vence todas as suas “neuras” e atravessa o oceano em busca de seu filho.
Há duas lições de alto valor nesta história para crianças. Primeiro é que somos capazes de vencer nossos medos pelo amor. O amor é este sentimento que nos faz superar, surpreender. Faz-nos ir além de nós mesmos e chegar onde nunca se imaginou. O perigo que antes era tremendo, intransponível, torna-se um obstáculo certamente vencido. Os problemas até então indissolúveis, vão sendo resolvidos um a um como num jogo de palavras cruzadas até que não sobre mais nada a ser resolvido.
Se fossemos capazes de lutar por nossos sonhos como se estes fossem nossos filhos, talvez tivéssemos conquistado mais coisas. Provavelmente não desistiríamos tão facilmente mediante os desafios e contratempos. Mas há um aspecto maravilhoso nisso tudo. Não se pode avaliar o valor de um filho, e muito menos compará-lo a qualquer sonho. Talvez seja essa a razão de sermos tomados por uma coragem sobrenatural quando nossos filhos estão em apuros.

Sempre odiei ver pássaros engaiolados. Quando garoto meu pai tentou criar alguns, mas, as espertas aves sempre arranjavam um jeito de fugir. Meu pai não entendia como elas saiam, eu porém, me senti no direito de colaborar com as pobres aves, por isso eu abria as portinhas das gaiolas e pensava; se elas gostam de ficar aqui, então não fugirão, mas se voarem é por que não gostam de ficar presas. Eu respeitava a liberdade delas.

Fico pensando como somos privados pelos modelos sociais e morais, esses modelos nos encaminham para dentro de gaiolas e aquários. Como no mito da caverna de Platão, tudo é uma grande ilusão, mas todos querem que acreditemos ser real. E esta é a segunda grande lição do filme. Percebi que em um aquário não há liberdade mas conformação. Tenta-se viver feliz já que não se pode mudar a vida. Somos feridos marcados em nosso interior, traumas que nos aprisionarão pelo resto de nossas vidas, farão de nós eternos “engaiolados”, cercados por uma redoma de vidro.
Já observou estes aquários grandes? Lá dentro é um mine mar, com algas, pedras, conchas, embarcações afundadas, um colorido maravilhoso, tudo muito belo, uma réplica do oceano, mas é só um aquário.
Se acredito no amor como força para superar quaisquer obstáculos, acredito na educação e no conhecimento como instrumentos libertadores contra as “prisões” que nos são impostas neste mundo. Somente pela educação é possível ter discernimento, só tendo condição de fazer juízo de algo, pode-se ser livre de verdade. Sem conhecimento, o ser humano acomoda-se mediocremente em seu aquário colorido, ignorando a existência de um oceano.

Jonatas C. Carvalho.

sábado, abril 19, 2008

A fragilidade da humanidade.

A vida é mesmo um vapor? Num momento estamos no ônibus, carro, elevador, rua escritório, casa ou qualquer outro lugar. No momento seguinte, podemos estar em um hospital, cemitério ou necrotério. A questão aqui é quem determina o instante seguinte, o próximo minuto? Quem decide que tragédia ocorrerá, com quem e que tipo de acidente se dará? Se um Boeing explodirá no ar, um trem se descarrilará, se um transatlântico colidirá com um iceberg ou se um automóvel derrapará na pista. Quem decide sobre fenômenos naturais devastadores; furacões, vulcões, maremotos, terremotos? Se alguém cai de uma árvore, tropeça numa casca de banana, sofre um infarto é por que chegou a hora? Quem decide quando e como? Um parto complicado, uma pipa com cerol que toca o fio de alta tensão, uma bala perdida!
Existe esta coisa de estar no lugar errado na hora errada? Seria ironia do destino? Causalidade ou pré-destinação? Teoria do caos, lei do equilíbrio, forças da natureza.
Um fator que perturba a raça humana ao longo dos anos é sem dúvida sua própria vulnerabilidade. Como seres tão especiais capazes de desenvolver projetos dos mais sofisticados possíveis pode ser paradoxalmente tão frágil? Como se pode ser excessivamente auto-suficiente e particularmente impotente?
Não se pode abordar um tema desses sem passar pela especulação, sem dúvida antes da ciência se apropriar desse tipo de debate, culturas de todos os tipos estabeleceram explicações metafísicas na tentativa de explicar quem determina o tempo de nossa existência. Vontade ou vingança dos deuses, a luta entre o mal e o bem, a introdução do pecado na sociedade, maldições e muitas outras respostas pairam no ar. Foi justamente este o ponto de partida para o desenvolvimento das teologias e filosofias que por ai estão difundidas no imaginário coletivo em formas de folclore e rituais religiosos. Foi o fato de sermos tão vulneráveis, tão descartáveis que provocou na raça humana uma necessidade de afirmar que de alguma maneira este não seria verdadeiramente o seu fim. Tem de haver outra possibilidade, outra vida, uma continuidade, não é possível que existamos para voltar ao pó! Estas indagações levaram nossa espécie a encontrar respostas que pudessem dar algum tipo de conforto ao espírito humano quando chegar o fim. Os vermes tomarão conta de tudo! Putrefação, decomposição, termos encontrados ou criados para dar significado ao que somos enquanto matéria; podres.
Mas não é somente a existência que intriga a espécie humana, o que mais incomoda é a consciência da existência, a individualidade o surgimento do ego, da singularidade. Podemos afirmar que a individualidade procede da cultura, mas como uma cultura desenvolve estes valores individuais?
Quantos já partiram sem sequer ter tido a oportunidade de usufruir a vida, quantos se foram sem ter tido tempo sequer de indagar; por quê? Vontade divina? Como disse Nietzsche, Deus é uma criança a brincar com seus bonequinhos ou um velho caquético esclerosado que não tem noção do que esta fazendo, matando milhares por dia aleatoriamente.
Dificilmente se chegará a uma resposta convincente, até mesmo porque ela provavelmente não exista. O que há, são respostas convincentes para os mais variados tipos de pessoas. Isto porque não pode haver uma só verdade, nua e crua, intolerantemente verdadeira. Certamente há indagações que não haverá resposta que seja suficiente, mas é certo também que construímos nossas respostas baseadas em nossas crenças e valores. O que demonstra que a compreensão das idéias está intimamente relacionada com nossa cultura. Não imaginaríamos a vida pós morte, sem o evento da própria morte, construímos, porém um pós morte imaginário a partir do que possuímos enquanto conceito de uma vida melhor (céu, nirvana) ou pior (inferno, purgatório). De qualquer modo, o que fica de tudo isso é o quanto somos frágeis e limitados. Frágeis por que podemos desvanecer de uma hora para outra, limitados porque somos incapazes de lidar com tal fragilidade.

Homeostase

Nas mais profundas fendas.
Nos interstícios temporais.
As certezas e incertezas se fundem
provocando espasmos que transcendem o interior humano.
Gerando uma revolução sináptica.
Revelando uma nova concepção,
um novo ser, homeostase.



Jonatas C. de Carvalho.