sábado, março 28, 2020

O NEO-UTILITARISMO DO CAPITÃO-PRESIDENTE

Enquanto escrevo estas linhas, o COVID-19 já matou 28.687 pessoas no mundo, no Brasil chegamos a 93 mortes um aumento em 19% de falecimentos em ralação ao dia anterior. A Itália chegou a quase mil mortes em um único dia, a Espanha 832. Os EUA é o primeiro país do mundo a ultrapassar mais 100 mil casos de infectados, registrando até o momento 1.711 mortes. Já são mais de 615 mil infectados no mundo.

Duas publicações científicas recentes, a revista médica Lancet e o "Estudo Global da Covid-19" do Imperial College de Londres, trouxeram prognósticos catastróficos sobre a evolução do vírus na América, citando o Brasil como o maior afetado. As pesquisas por aqui não são menos dramáticas, para começar, a taxa de letalidade do vírus que no início da pandemia chinesa acreditava-se ser inferior a 1%, os estudos recentes já falam em 2,7% (no Brasil). As pesquisas mais ponderadas sugerem que nossa taxa de mortalidade por Covid-19 poderá ultrapassar os 40 mil casos, outros estudos dizem que chegaremos a 100 mil infectados em 5 a 7 dias, atingindo assim a marca de quase três mil mortes.



A única solução para "achatar a curva", termo utilizado pelos pesquisadores estatísticos, é o isolamento radical, a OMS já declarou que o isolamento vertical não resolve, aliás não faltam experiências na Europa e outros continentes que compravam a ineficiência dessa prática. O prefeito de Milão, após a cidade registrar mais de 5 mil mortes, pediu perdão e reconheceu o erro ao apoiar a campanha "Milão não para" ignorando os protocolos da OMS. 

Não tardará muito teremos prefeitos e governadores no Brasil passando pela mesma situação, os índices de mortalidade do vírus depende da reposta, o que implica em primeiro lugar ter testes com resultados rápidos e leitos equipados para os contagiados. No caso brasileiro sabemos que não dispomos de tal estrutura, portanto, se chegarmos a 100 mil casos em uma semana, esse índice de letalidade pode ultrapassar os 3%. 

Acostumado a desconfiar das pesquisas (das eleitorais aos dados do INPE no caso da Amazônia, dentre outras), o presidente da república resolve também questionar os números da pandemia. Se não é novidade o comportamento do Messias ante a ciência e aos cientistas é "terrivelmente" assustador sua insistência na tese da "gripizinha" diante de tantos dados relevantes. Tal insistência fez com que ele fosse o único presidente de uma nação, citado nas publicações científicas, como quem ignora a ciência. 

Bolsonaro faz uso de um tipo de utilitarismo neoliberal, um neoutilitarismo de extrema direita que está disposto a sacrificar vidas em nome de um bem maior: a economia. É claro que uma crise econômica também afetará vidas, mas voltar a "normalidade", não implicará na morte de 5 a 7 mil pessoas como supôs o proprietário da Madero ou o Roberto Justos. A volta a normalidade implicará em mais de 40 mil (podendo chagar a 100 mil) mortes, estará o presidente disposto a arcar com tal número? Negará, como tem feito até aqui, a responsabilidade pelo resultado? Os maiores economistas do mundo sabem que se a pandemia não for controlada o colapso econômico será inevitável.  Pesquisas sobre como a ação radical implicou em recuperação econômica mais rápida na gripe espanhola estão sendo usadas para uma maior reflexão sobre que caminhos devemos tomar.

A liderança desastrosa de Bolsonaro até aqui vem servindo para insuflar uma parcela de radicais da classe média, como vimos ontem a carreata (dos carrões) na República de  Curitiba.  Não se trata de defender o "para tudo", é preciso agir com planejamento e bom senso para evitar um colapso de abastecimento e ao mesmo tempo seguir o protocolos de saúde. Não há um caso no mundo em que as propostas defendidas por Bolsonaro foram implementadas sem o arrependimento. Defender o isolamento de idosos ao mesmo tempo liberar o retorno às aulas nas escolas é de um contra senso inominável. Mas a batalha que Jair está travando terminará com sua derrota, espero que eterna. A justiça brasileira suspendeu o decreto presidencial que flexibilizava o isolamento social, agora a pouco também proibiu a propaganda "o Brasil não pode parar" (parecida com a adotada em Milão), em que o governo utilizou 4,8 milhões da União para tal campanha (dinheiro que poderia ter ido para a saúde). Por outro lado, governadores e prefeitos de todo o Brasil estão se unindo para neutralizar o presidente, um de seus grande aliados, Ronaldo Caiado, governador de Goiás, passou a sofrer ataques nas redes sociais, ao romper com a perspectiva do presidente.  Por sinal, o "gabinete do ódio" está em plena operação, João Dória é a nova prioridade, recebi em um grupo de whatsApp um áudio, a voz de uma mulher dizendo que "Deus" teria lhe revelado que  o Brasil foi curado do vírus, que um político chamado "Jorge Dória" (Deus errou o nome do sujeito) seria um enviado de satanás para destruir o país.  

Jonatas Carvalho






domingo, março 15, 2020

O VÍRUS DA IGNORÂNCIA

Em isolamento, pois faço parte de um grupo privilegiado que pode ter suas atividades suspensas ou atuar no sistema home office, não restou muitas opções: ler, escrever, séries, e acompanhar as redes sociais. 

Apesar de ler uma significativa quantidade de informações úteis, não pude deixar passar em branco a  propagação de teorias conspiratórias, atos pró-insensatez, discursos de negação da realidade; o vírus da ignorância pode ser tão devastador quanto o  COVID-19. 

Comecemos pelas teorias conspiratórias, em vídeos que circulam pela internet, a "China Comunista" é acusada de usar o capitalismo para dar um golpe no mercado econômico. Quão infundada e leviana é tal afirmação, além do mais, carregada de xenofobismo. Nas redes sociais é possível encontrar "notícias" que dizem que o Estado Chinês teria comprado 30%  das ações de empresas ocidentais com sede na Ásia em razão da crise, um boato claro. Os mais de 80 mil infectados e três mil chineses mortos, obrigou o governo a tomar medidas drásticas para deter o avanço do vírus, essas medidas causaram prejuízos gigantescos ao país. Não apenas o Estado Chinês, mas os grupos empresariais chineses, conectados a economia global sofreram grandes perdas. O crescimento econômico da China no último trimestre caiu pela metade, a balança comercial registrou um déficit de 7 bilhões, todos os setores foram atingidos, a crise econômica causada pelo vírus, fez o Banco Central Chinês liberar 70 bilhões de euros para deter a desaceleração.  

É claro que o vírus da ignorância tem componentes de retroalimentação; as notícias falsas e maliciosas. Lideranças neopentecostais como Edir Macedo e Silas Malafaia, desafiaram "seus rebanhos" a ir aos cultos em suas respectivas igrejas. Macedo, alegou que o vírus é uma "tática de satanás" para enfraquecer a fé, já Malafaia, disse que a Igreja deve ser o "último reduto da esperança", e orou para o Deus cristão destruir o vírus. Para se ter uma ideia do impacto que falas como essas podem ter, só a Igreja Universal, possui mais de 7 mil templos e segundo o IBGE, são mais de 1,8 milhões de fiéis só no Brasil. Todavia, é bom lembrar que não são todos o líderes evangélicos do país que pensam assim, muitas igrejas cancelaram seus cultos, outros fizeram transmissão online. 

Por último, não menos sério, os manifestantes dos atos pró governo espalhados pelo país, atos esses enfraquecidos na grande maioria das capitais, do ponto de vista de uma manifestação o que vimos foram pequenos grupos de radicais, mas do ponto de vista da propagação do vírus foi uma verdadeira festa. Os pronunciamentos nos palanques e carros de som são mostras perturbadoras do vírus da ignorância, não bastasse o extremismo político, expressos em cartazes pedindo a "volta do AI-5" ou "fora STF", os grupos que foram às ruas neste dia 15 de março, acumulam um conjunto de ideias preconcebidas com base em pseudociências que vão do terraplanismo aos movimentos antivacinas. O mais grave, em Brasilia, o ato contou com a participação do Presidente da República, contrariando recomendação de monitoramento, já que boa parte da sua comitiva em viagem aos EUA deram positivo para o COVID-19.

O vírus se espalha rápido. Se é verdade que seu potencial de letalidade é baixo, parece que a ausência de medidas sanitárias ou a demora na efetivação de políticas públicas podem resultar em aumento significativo de falecimentos, a Itália, no dia de hoje registrou 368 mortes e mais de 24 mil infectados. No Brasil, o ministério da saúde lançou editais que permitirão ao SUS, maior sistema de saúde pública gratuito do mundo, agir nos municípios. o órgão desenvolveu um aplicativo que permite os  usuários localizar o atendimento mais próximo de suas residências ou do local que estão. Mas contratação de médicos e pessoal de apoio, aplicativo e outros, não são suficientes. Será necessário investir forte em orientação em todos os veículos de comunicação, os casos confirmados aumentaram de 121 no sábado para 200 neste domingo. As áreas de periferias, onde vivem as populações mais vulneráveis, a propagação tende a ser ainda mais rápida e a assistência mais lenta. Com todas as possibilidades do COVID-19 se alastrar  significativamente pelo país nos próximos 15 dias, o vírus da ignorância só contribuirá para potencializar a pandemia. 

Jonatas Carvalho 
Doutorando em Ciências jurídicas e sociais - PPGSD/UFF
Pesquisador no Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos - INCT/InEAC