quinta-feira, maio 29, 2008

POEMA EM LINHA RETA

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
indesculpavelmente sujo,
eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
eu que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
que tenho sofrido enxovalhos e calado,
que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
eu, que tenho vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda gente que conheço e que fala comigo,
nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
nunca foi senão príncipe – todos eles príncipes – na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana,
que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo, sem ter sido traído,
eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
vil no sentido mesquinho e infame da vileza.



Fernando Pessoa
Poesias de Álvaro de Campos

Homenagem a este fantástico Poeta!

quinta-feira, maio 22, 2008

SOLIDÃO

Não sei como, mas toda vez que me sinto solitário me ponho a escrever, não me disponho a ouvir quem quer que seja, ou a sair para "desparecer". Gosto de desfrutar deste momento, muitas vezes esta sensação torna-se nostálgica, daí ponho-me a escutar um bom e velho blues, como o que escuto neste momento (I Cant´t Keep It Up - Blue Roots), enquanto escrevo estas linhas. A solidão é curiosa, ela pode nos abater em meio as pessoas, não se trata de um fenômeno que só ocorre por conta do isolamento, mas nos isolamos em função do sentimento não importando se estamos sozinhos ou não.
A solidão é representada socialmente como uma sensação não agradável, "pra baixo", algo que ocorre com quem precisa de análise. Existe, porém, algumas contribuições que a solidão nos proporciona: um auto-encontro, por exemplo; o momento em que ninguém, absolutamente ninguém pode tirar de você o prazer de estar ali, apenas você e seus pensamentos. A solidão também propicia-nos uma revisão em nossa memória, momento em que podemos trazer de nosso inconsciente aquilo que nos marcou, que suscita as mais variáveis sensações e emoções.
A solidão neste caso, pode ser entendida como uma dádiva, um espaço singular, impenetrável por outras mentes. Lugar habitável apenas por você, onde suas lembranças, medos, fantasias e sonhos, são repassados sempre que você quer revê-los ou "re-sentí-los". Da solidão brotaram os mais belos poemas e as mais lindas canções. Sinto-me só, penso em muitas coisas, mas prefiro não escrevê-las aqui.
Hoje minha linda e adorável filha completou dez anos, passamos todo o dia juntos e nos divertimos muito. Parabéns meu amor; Te Amo.....
Niterói 22/05/2008

quarta-feira, maio 14, 2008

Reflexões Psicodélicas.

Faz dois meses que eu deixei minha atividade de coordenador de uma Comunidade Terapêutica, sinceramente achei que fosse ser mais difícil olhar para trás. Talvez eu seja alguém que não nutra apego ou afetividade pelo passado, ou talvez eu seja apenas normal. Sempre me atemorizei com a possibilidade de fazer sempre a mesma coisa por toda minha vida, acredito que quem se orgulha de um feito desse é no mínimo medíocre. Afinal a vida nos oferece tantas possibilidades, por que deveríamos nos fincar numa mesma posição até que nossos dias se acabem? Durante anos eu ouvi indivíduos falarem de suas compulsões, de seus vícios e de suas loucuras. Muitos dos que atendi, já morreram, muitos continuam na loucura e alguns poucos estão sóbrios. O que eu testemunhei durante todos estes anos daria para escrever uma tese, mas nunca me interessei em transformar estes sujeitos em “objetos de estudo”, sempre me senti diante deles como alguém impotente e incapaz de realmente ajudá-los. Costumava dizer que eu não passava de um “mero espectador da mudança alheia”. Descobri que apenas uma pessoa pode me motivar a mudar; eu. É claro que os programas terapêuticos são ótimos auxiliadores, eles são imprescindíveis àqueles que buscam mudança, mas inócuos aos que não dão a mínima se vão morrer.
Minha atual atividade é infinitamente mais “leve”, não trabalho mais com “gente”, minha função é burocrática, técnica. Ajudar o próximo faz parte do discurso de qualquer pessoa, levei milhares de “tapinhas nas costas”, ao longo destes anos em que trabalhei ajudando jovens a se livrarem das drogas, quando era solicitado para palestras e falava sobre nosso projeto as pessoas diziam que me admiravam e que adorariam fazer o que eu fazia. Era estranho ouvir aquilo, parecia que eu não era deste planeta, com o passar dos anos passei apenas a sorrir quando ouvia este tipo de comentário. Compreendi que neste mundo não temos tempo para sermos solidários com o outro, pois não damos conta nem dos nossos. Por outro lado, conheci muita gente solidária, pessoas que doaram suas vidas aos desfavorecidos e excluídos, gente que simplesmente fez da solidariedade uma atividade de prazer e lazer.
Mas eu me recolhi, não quero mais ser solidário, serei egoísta e vou pensar apenas nos meus. Não quero mais ouvir problemas de ninguém, não quero dar esperanças para ninguém e não vou trabalhar mais de graça para ninguém. Quero continuar com meus estudos, construir meu chalé na serra, tomar meu vinho sem ser interrompido por qualquer pedinte. Quero ler todos os livros que tiver vontade, quero sair para pescar com minha família, viajar, etc. Chega de ser solidário, de doar meu precioso tempo aos outros, Sartre dizia “o inferno são os outros”, será que era disso que ele falava? Provavelmente não. É claro que é gratificante contemplar um indivíduo dar a volta por cima e passar a ter uma vida com o mínimo de dignidade, mas estou cansado. Transformarei-me num estóico, ou mais ainda, serei um “filósofo cínico” ao estilo Diógenes o cão e pedirei que todos saiam da frente do meu sol.
Jonatas Carvalho.

quinta-feira, maio 08, 2008

Filosofia e Futebol

"Nunca confie na probabilidade do inimigo não estar vindo, mas dependa de sua própria prontidão para o reconhecer. Não espere que o inimigo não ataque, mas dependa de estar em uma posição que não possa ser atacada." (Sun Tzu. A arte da Guerra)

Criei, este espaço para falar das questões da vida, para filosofar, não para escrever sobre bobagens, mas depois de ter assistido a desclassificação do flamengo da Libertadores, realmente me pus a refletir. Após chegar em casa cansado e louco para dormir liguei despretensiosamente a TV, para um tricolor como eu não fazia sentido assistir uma partida ganha do flamengo. O primeiro gol saiu, me despertando aos poucos, e assim que os outros gols surgiram entrei em estado de êxtase, perdi o sono!
Quem disse que não é possível filosofar sobre uma partida como esta! A primeira grande lição é que não podemos sob qualquer hipótese, ignorar, negligenciar ou menosprezar o adversário, há 2.500 anos, Sun Tzu já alertava sobre isto. O grande general falou que sempre após a vitória de uma batalha, não se deve “bebemorar” até o sol raiar, pois o inimigo está concentrado nos nossos pontos fracos. Tzu, já conhecia o bastante sobre a vaidade e auto-suficiência humana sem precisar conhecer a falta de profissionalismo dos clubes cariocas, já o flamengo bem que poderia ter lido a "Arte da Guerra".

sábado, maio 03, 2008

A Arte da Escrita II

Alguns filmes me comovem devido sua história dramática como a “Cor Púrpura”, outros pela sua genialidade como “Forrest Gump”. Há os que mexem com meu espírito militante e os que me comovem pela beleza e originalidade do roteiro. Não estou escrevendo, porém, para falar de cinema, pois não sirvo para crítico e nem ligo para as críticas. Adorei ter visto filmes que foram escorraçados pela critica e odiei alguns que receberam os louros dos críticos. Isto deve significar que eu não entenda nada de filmes? Talvez apenas mostre que gosto não se discute. Foi a terceira vez que assisti “Encontrando Forrester” e este é um desses filmes que me comovem pela beleza e originalidade do roteiro. Uma história que envolve personagens de gerações e cultura muito diferentes, ambos descobrem lado a lado como vencer seus medos. Forrester, personagem vivido por Sean Connery, é um escritor vencedor do Pulitzer, mas que vive isolado por anos num apartamento do Bronx. Jamal Wallace (Rob Brown), um menino negro de dezesseis anos que tem duas paixões: o Basquete e a Literatura. O que mais me chamou atenção no filme é uma fala de Forrester sobre o ensino do ofício de escritor, “eu só o ajudei a colocar para fora o que estava dentro dele”. Em um momento do filme o escritor pega uma máquina de escrever (alguém ainda lembra o que é!), dando inicio a uma seqüência de palavras, ele pede que o jovem Jamal faça o mesmo, e diz: “primeiro, escrevemos com o coração, depois com a cabeça”. Como deve ser fantástico se sentar diante de uma página em branco e preenchê-la sem dificuldade alguma. Ir escrevendo o que vem a cabeça sem precisar fazer pausas para organizar o pensamento. Li algumas entrevistas de escritores consagrados que diziam que o maior medo de suas vidas é não ter o que escrever. Sempre que chego ao meio de uma página fico me perguntando como chegar ao seu fim. Descobrir se o que mora dentro de nós, é de fato um escritor ou apenas um imbecil que aprecia as palavras, mas na verdade não sabe organizá-las, não é uma tarefa fácil. Será que é normal ficar olhando para a tela de um computador sem saber como concluir uma frase que se começou? Para que o escritor more dentro de nós penso que sejam necessárias duas coisas: gostar de ler muito e de pensar. Tanto uma coisa como outra é malvisto pela sociedade de um modo geral. Se o escritor é famoso, todos acham legítima a reclusão para o ofício. No caso de um anônimo qualquer este ganhará a fama de lunático, vagabundo, alguém que quer se esconder da vida e por ai vai. Estar lendo ou escrevendo é como não estar fazendo nada de importante, as pessoas te interrompem e te importunam por achar não ser nada demais. Acho que escrever é como qualquer outro talento, mas talvez pela dificuldade que se tem em organizar os pensamentos, concluir um trabalho para o escritor seja mais edificante (não mais importante), do que pintar uma casa. Quando o pintor termina seu trabalho sente a sensação de dever cumprido. Os proprietários apreciam o novo ambiente e desfrutarão deste prazer por algum tempo até que haja necessidade de pintar novamente. Já a escrita, é uma pintura que não se desgasta, as palavras permanecem. A obra de um escritor fica registrada ainda que se esgote uma edição, sempre será possível ler e reler os versos construídos por determinado autor. Assim, pode-se ainda manter vivas as palavras de Herótodo, Platão, Nietsche e Dostoiévski. O cinema por sua vez é a representação (ou interpretação) do imaginário provocado pela leitura de um livro. É o mergulho do sujeito no objeto produzido por outro sujeito, que se fundirá num outro objeto. Toda essa empreitada envolve pesquisa e tempo, determinação e imaginação, prazer e dor. Fascina-me filmes com narrativas, mas o que é mais fascinante ainda é elaborar imagens concretas do que se leu, transformando-as em cenas, capítulos, episódios. A arte da escrita possibilita outra arte, a da leitura. Uma vez que o sujeito que lê, re-elabora o objeto de leitura a partir de sua subjetividade, logo o objeto lido não é mais o mesmo. O texto uma vez difundido perde sua originalidade, não pertence mais ao autor, é um novo texto a cada leitura. Cada Romeu e Julieta que é apresentado em todas as partes deste mundo, é uma nova construção, não mais pertence a Shakespeare, mas é fruto da cultura cotidiana de cada indivíduo que o lê. Esta possibilidade é uma arte, pois quando leio uma obra ela passa a me pertencer, seja ela qual for. Esta arte que é produzida dentro de cada leitor não pode virar ciência não pode ser quantificada, mas pode ser vivida e sentida no intimo de cada leitor no seu encontro com a obra de cada escritor. Jonatas Carvalho histosofia@gmail.com