sábado, dezembro 11, 2021

O BRILHO REFLETIDO EM CADA UM DE NÓS.

 "A lua, quando ela roda,

É nova,

Crescente ou meia

A lua!

É cheia!

E quando ela roda

Minguante e meia

Depois é lua novamente

Diz" (MPB-4)

 

Lua me fez questionar sobre ter ou não luz própria. Eu já havia escrito em algum momento sobre essas pessoas iluminadas, esses seres incríveis que clareiam o ambiente por onde passam. Elas me pareciam ser dotadas de luz própria.

Ainda não consegui encontrar outra explicação mais convincente. O que explicaria alguns irradiarem mais que outros? Chamemos tal irradiação de subjetividade, singularidade ou personalidade, que seja. A questão é: como? O que faz alguém carregar em si tanta positividade, tanta altivez?   

Por outro lado, há quem seja mais "apagado", é possível que isso esteja relacionado com uma baixa autoestima, o que faz ver a vida como um fardo. Estes últimos, me parece, não são piores que os primeiros, apenas enxergam a vida de modo diferente. Por razões variadas, se vêem pequenos diante dos desafios da vida, ou, não dão tanto significado a certos tipos de existência.

Ter luz própria pode contagiar, inspirar e quem sabe contribuir com mais beleza e leveza para com a existência. Mas quando eu penso na lua, quando eu imagino que aquela luz não é dela, e ainda assim, ela nos encanta e contagia, eu repenso algumas coisas.

A lua vem impactando a vida humana desde sempre, divindades de diversos povos foram associadas a ela. Na mitologia Tupi, a deusa Jaci se encarrega de manter o brilho da lua nas noites escuras, sua ação se entende nas boas colheitas e nos amores nas tribos. Dezenas de lendas envolvem a lua, as divindades e os humanos; na África, entre os Jejes, acreditava-se que os eclipses eram o momento em que a deusa Mawu (lua) e o deus Liza (sol), se encontram para fazer amor. Centenas de músicas e poemas em todo o mundo foram compostos em homenagem à lua. Adoniran Barbosa (ao lado de Hilda Hilst) cantou “Quando te achei, havia tanta coisa pra te dar... Havia lua cheia sobre o mar, havia espanto e amor no meu olhar.” Mário Quintana, para quem, o “luar é a luz do sol que está sonhando”, em “O eterno espanto”, escreveu:

 Que haverá com a lua

que sempre que a gente

a olha é com o súbito espanto

da primeira vez.

 Obras inteiras de literatura também foram produzidas e inspiradas neste nosso satélite natural particular; foi ela quem despertou nos homens o desejo de adentrar ao espaço, foi ela a primeira a receber nossa visita. Devemos à lua a primeira ficção científica espacial, como esquecer “Viagem à lua” de Georges Méliès de 1902? E porque não citar obras que a trouxeram como referencial, como foi o caso de “Fratello Sole, Sorrela Luna” (Irmão Sol e Irmã Lua), filme de 1972, dirigido por Franco Zeffirelli, que narra uma versão sobre a história e a vida de Francisco e Clara de Assis. Ambos são reverenciados como seres iluminados que habitaram entre nós.

 A alusão a seres iluminados foi muito comum na história. Indivíduos carismáticos como Gandhi, que foi chamado de Mahatma (grande alma), e Siddhartha Gautama de Buda (o iluminado), são alguns importantes exemplos. E não, isso não é coisa do Oriente, foi o Ocidente que criou o Iluminismo, o famoso Aufklärung Kantiano que também foi traduzido como esclarecimento ou ilustração. O que é um indivíduo esclarecido? Ou um cidadão ilustre? São seres iluminados, não por uma espiritualidade, mas pela razão. O "sono da razão produz monstros" escreveu Goya em uma de suas ilustrações.

O fato é que tanto a espiritualidade quanto a razão se seduziram pela luz da lua.  Perguntei a alguns de meus alunos o porquê disso, por que os homens se maravilham tanto com a lua? Ouvi respostas bem interessantes, alguns me disseram que diferente do sol, a lua não nos agride, podemos contemplá-la sem ferir nossos olhos, conseguimos vê-la, observar suas marcas. Outros me disseram que a beleza da lua está no contraste com aquele céu azul negro ao fundo, ela reina entre todos os astros da noite. Finalmente ouvi de alguns que ela altera de forma, mostrando-se ainda mais enigmática. Claro que hoje sabemos que esse alterar de forma diz respeito à sua exposição ao sol em relação a seus movimentos de rotação e translação.

 Esse fenômeno, se por um lado nos confirma que a lua não possui luz própria, por outro, não anula sua beleza, tampouco reduz seu encanto sobre nós. Se é possível se encantar com a luz de outrem, não seria o caso, este, daqueles seres iluminados a quem referi aqui no início dessa reflexão? Afinal, de onde mais viria nossa luz interior se não das nossas intersubjetividades? Foi o maestro Antônio Carlos Jobim que cantou ser “impossível ser feliz sozinho”, isto é, não há meios de se reconhecer como ser sem o outro, só podemos nos ver como sujeitos, só há subjetividade porque há interações. Desse modo, refletimos a partir dos outros, ninguém é detentor de luz própria, toda luz interior é fruto de uma longa jornada de interações.   

Lua me disse que não tem luz própria, eu muito menos tenho, ainda assim, me encanto com a sua forma, com o seu sorriso, com as suas elaborações. Sinto-me irradiado ao seu lado, consequentemente, ela me faz refletir uma luz que há muito andava em meia fase. Talvez, quem sabe, sejamos todos meia fase, até encontrarmos certos seres, com um tipo específico de iluminação, então, acendemos por inteiro.

 Jonatas Carvalho.