segunda-feira, dezembro 28, 2015

CRÔNICAS DE UM ANO QUE NUNCA ACABARÁ

Hoje faz um ano que minha mãe partiu, digo hoje porque foi a última vez que eu a vi consciente, que olhei nos olhos dela. A pior lembrança que tenho desse dia não foi vê-la gritar com dor no peito, nem vê-la sendo entubada pelos médicos, foi chegar no portão da casa deles e ver as lágrimas nos olhos do meu pai quando percebeu que ela não voltara comigo. - Ela não gosta de dormir fora de casa! Exclamou chorando. Nesse período meu pai estava no meio de uma série de sessões de rádio e quimioterapia. Por alguns dias minha rotina foi levá-lo diariamente para fazer radioterapia e em seguida ir para a UTI visitar minha mãe em coma induzido. O coração da velhinha parou dia 08 de janeiro dez dias após o infarto. Uma das coisas que mais incomodou meu pai foi o fato de não poder visitar minha mãe, devido a ferida aberta no pescoço.

A partir dai até o mês de setembro travamos uma longa batalha contra o câncer de meu pai. Batalha essa que foi perdida após oito messes que minha mãezinha tinha partido, mas que assim como toda luta, trouxe-nos muitas experiências e aprendizagens. Lutas essas que não suportaríamos sem a união dos irmãos, principalmente minha irmã Janete e meu cunhado Josué. Minha irmã Sandra já vinha travando uma batalha em outro front – contra a esclerose lateral amiotrófica – que acometeu meu cunhado Moisés. Meu irmão Davi mora em outra cidade. Assim coube aos dois caçulas da família a responsabilidade de dar ao nosso velhinho um fim de vida com menos sofrimento possível. 

Também contamos com a solidariedade de centenas de amigos (um alento imensurável nessas horas), ainda assim, foram meses de muita dor. E se as batalhas nos fazem crescer e amadurecer, é porque elas nos deixam marcas profundas, marcas de dor e amor. Os ferimentos desse ano, que ainda estão cicatrizando, jamais apagarão. O ano de 2015 será um ano sem fim na minha vida (possivelmente na dos meus irmão também), é o ano que não acabou e não acabará, apesar de a vida continuar. 

Todavia o sentimento é de paz e não tristeza, ambos tiveram uma infância muito sofrida, viveram com muita simplicidade e muitos problemas, mas passaram seus últimos anos com certa paz. Meu pai costumava dizer, “meu capital são meus filhos” ele partiu bem, sabendo que os filhos haviam conquistado certa estabilidade, acima de tudo tinham se tornado pessoas de bem. Duas pessoas com baixíssima instrução escolar, cada qual com suas imperfeições, mas que nos deixaram um exemplo indispensável; viver como honestidade e dignidade mesmo nas dificuldades. 


Obrigado meu velho e minha velha!!!

Jonatas Carvalho

terça-feira, dezembro 08, 2015

Sobre impendimentos (impeachment) entre PT e PSDB.

Tenho lido muitas manifestações nas redes sociais apontando para “descaramento” dos políticos filiados ao PT e seus aliados em acusaram de “golpe” o que está ocorrendo com a Presidente Dilma. Como eles podem ousar a dizer isso? Quer dizer que quando pediram pelo impedimento de Collor e FHC não era golpe? Mas não vejo ninguém mencionar o contrário, ao que tange o posicionamento do PSDB e DEM (que na época de FHC era PFL), quanto ao seu discurso também invertido.
Mas antes de falar desses dois partidos que lutaram com todas suas forças para vetar e engavetar o pedido de impedimento de FCH, vamos refrescar a memória sobre as motivações para que FHC sofresse quatro pedidos de impeachment.
O primeiro foi pedido pelo Deputado Milton Temer (na época PT), sua razão: o PROER. O que seria isso? Algum tipo de pedaladas fiscais? Não mesmo. O PROER também conhecido por Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional. Um dois mais vergonhosos projetos da gestão FHC. A proposta era a seguinte, o governo iria dar uma ajudinha a sete bancos que estavam quebrados (dentre eles o Bamerindus, o Mercantil, o Banorte e o Banco Nacional). Para salvar as instituições bancárias o PROER fez um excelente negócio, separou ativos de passivos, isto é, os ativos (lucros e carteira de bons clientes) seriam comprados por outros bancos a um preço “justo”, já os passivos (os deficits, e prejuízos) seriam absorvidos pelo Banco Central. Ao todo, o PROER “investiu” 20 bilhões das reservas públicas. Muito dinheiro? Pouco se considerarmos os problemas advindos com a tal reestruturação, nome esse aliás que o PSDB paulista insiste ainda em usar, mas dessa vez é para fechar escolas públicas. Bem voltemos ao resultado do grande plano de salvar nossos banqueiros, para não cansar ninguém menciono apenas os 200 mil postos de trabalho que foram encerrados com a reestruturação.
Não precisamos lembrar que os bancos socorridos eram pertenciam aos amiguinhos da república, o Banco Nacional, por exemplo, aquela que patrocinava o Airton Senna, lembra? Pois é, o Banco Nacional, maior banco privado do país na época, quebrou uns dois meses após o Plano Real ter sido implantado, seus ativos foram comprados pelo Unibanco (que recentemente foi comprado pelo Itaú), já as dívidas do Nacional, chegam hoje na casa dos 30 bilhões, sim amigos, as dívidas desses bancos nunca foram pagas.
Só para encerrar, sabe os políticos do PSDB e PLF (DEM)? Bem na ocasião, foram eles que saíram em defesa da manutenção da democracia e da instituição republicana, figuras como Arthur Virgílio, Aécio Neves, Antônio Carlos Magalhães, Agripino Maia. Aécio, líder do partido na Câmara, declarou que seu grupo faria tudo para “assegurar a democracia”.
Assim meus caros, ao citar as contradições do PT não esqueçam por favor de mencionar na mesma proporcionalidade àquelas promovidas pelo PSDB e DEM….a propósito foi Michel Temer, hoje vice de Dilma, que arquivou os pedidos de impeachment contra FHC.


Jonatas Carvalho é historiador.


Quem quiser conferir algumas fontes aqui estão algumas:




http://www2.uol.com.br/JC/_1998/0111/ec0111o.htm

domingo, setembro 27, 2015

Crônicas Cancerígenas IV: o final.

Era de se esperar que um dia essas crônicas terminassem. Eu poderia ter escrito outras, pois muitas coisas ocorreram nos últimos meses, mas não tenho tido muito tempo de registrar minhas experiências. No momento em que comecei a escrever essa crônica, meu pai estava internado em uma UPA, após doze dias ele partiu definitivamente. Eu imaginava que esse dia chegaria e por mais que saibamos, nunca estamos preparados quando ele chega. Não tem um jeito fácil de passar por isso.  O câncer deteriora não apenas quem é acometido por ele, mas todos os que estão envolvidos com o doente.

Mas não quero fazer desta última crônica um discurso fúnebre, creio que seja o momento adequando para trazer aqui memórias felizes. Estas não faltarão para aqueles que conviveram com o Sr. Manoel, sujeito espirituoso, de uma simplicidade franciscana. Nunca vi aquele homem desejar mal a alguém, destilar veneno, promover discórdia, ou qualquer outra ação decadente que a raça humana utiliza. O Sr. Manoel era desprovido de maldade, às vezes chegava a ser ingênuo de tanta pureza e docilidade.
Foram muitas as lições que ele nos deixou, homem de caráter irrevogável, que nem a pobreza e a dificuldade de alimentar cinco bocas, o fez questionar seus valores. Sua grande marca era a gratidão, nunca questionava as adversidades, sólido em suas crenças acreditava que em tudo havia um propósito. Viveu uma vida de resignação ao lado de uma mulher que sofria de transtorno compulsivo obsessivo, sua paciência para com ela transcendia nossa capacidade de compreensão.

Naturalmente como qualquer pai ele cometeu erros. Fora distante e omisso, não era do tipo carinhoso com os filhos, mas demonstrava afeto. Mas não falhou mais do que eu com meus filhos, principalmente se se levar em consideração a infância que teve. Eis uma coisa que nós filhos não somos capazes de fazer enquanto somos jovens, somente a maturidade nos possibilita essa empatia com os pais. E o Sr. Manoel teve motivos de sobra para ser um homem amargurado pelo passado, mas ele escolheu viver o presente como se fosse uma dádiva. Essa arte de viver é o seu legado para todos nós. 

Jonatas carvalho é filho de Manoel Carlos de Carvalho e Helena Francisco de Carvalho com muito orgulho. 

domingo, agosto 09, 2015

Sobre ser PAI....e outras coisas.

Nunca me considerei um exemplo de pai. Por vezes me culpei por não ter sido presente o suficiente, por ter ignorado suas necessidades, não ter observado um olhar. Me culpei por meu filho ter escolhido torcer pelo Flamengo e gostar de pagode (hoje ele abandonou o pagode e eu não sei se foi a melhor opção). Me culpei todas às vezes que falava com minha filha ao telefone e ouvia dela a pergunta: que dia você vai voltar pra casa? Sempre admirei alguns amigos e até com alguma inveja sobre o modo como se dedicaram a paternidade. Ser pai para mim nunca foi “natural”, sempre requereu esforço, paciência e outras coisas que nem sempre eu tinha. Nunca fui resignado o suficiente ao ponto de abrir mão de mim mesmo, de abdicar da minha carreira e projetos. 

Mas de alguma forma, de um jeito pouco convencional e com a ajuda irrepreensível da mãe deles (que por vezes, muitas vezes foi mãe e pai), eu consegui ser pai. Ser pai de menina e menino é algo muito louco, não dá pra ser o mesmo tipo de pai para ambos, pois são seres totalmente distintos, com subjetividades singulares e necessidades extremamente contrastantes. 

O caminho da paternidade que busquei foi de ser tolerante, de amá-los incondicionalmente, respeitar suas escolhas e ser sempre uma opção salutar de um ombro amigo nos momentos de dúvidas e conflitos. Não me preocupei em ser um exemplo de moral ou de sucesso, não cobro deles nada disso. A única coisa que realmente importa, a única que faço questão de lhes dizer que desejo a eles é que sejam felizes. Isso pode soar um tanto hedonista, foda-se, que seja. Não me agrada a ideia de ter filhos envoltos pela lógica do capital, vivendo sob a égide do consumo, dominados pela mentira de que só se pode ser feliz tendo sucesso financeiro. Desejo-lhes que desfrutem de diferentes prazeres nessa vida, que aprendam o valor das coisas que realmente importam, como uma amizade sem interesses ou fazer o bem sem que ninguém além do beneficiado saiba do que fez. 

Hoje enquanto eu me matava em uma churrasqueira para encher a pança de um monte de familiares esfomeados, meu filho ficou ali ao meu lado, compartilhando meu whisky e cerveja, conversando sobre seus projetos, me dando socos de leve, um sacaneando o outro. Minha filha aparecia de vez em quando pra saber se tinha carne mal passada e a cada leva que comia eu ganhava um beijo sujo e ouvia um “eu te amo”. O que eu poderia querer mais? O que faria um pai mais feliz do que ver seus filhos sentados ao seu lado sem máscaras, sem receio de serem recriminados, livres para serem eles mesmos? Se falhei sobre tantas coisas, e falhei, eis algo de que me orgulho, não se trata de querer bancar o moderninho, pois não sou “moderno” em muitos quesitos, nem bancar o liberal pra deixar os outros pais furiosos (mesmo sabendo que eles “tiram onda” com seus amigos por isso). Trata-se de escolher um caminho e o que eu escolhi foi esse. Se me arrependo de não ter feito outras tantas coisas, sim claro. Mas adoro o que vejo quando olho pra eles tão livres, sem neuras, medos, sem inveja besta, frescuras, sem mesquinharias e tantas outras coisas repugnantes (e tenho plena consciência de que se são assim hoje, devemos isso a mãe deles), São jovens que não perdem a oportunidade de se divertir, de viver, são dois seres humanos generosos e tantas outras qualidades que todos deveriam ter. 

Jonatas Carvalho
Pai de João Mateus Albuquerque de Carvalho e Júlia Albuquerque de Carvalho

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quarta-feira, julho 15, 2015

Crônicas cancerígenas III

Ontem ele derramou o mingau de aveia no sofá da sala, foi uma bagunça generalizada. Eu estava lhe dando na boca de colher em colher bem devagar, mas seu constrangimento era nítido, então me pediu que o deixasse comer sozinho. Depois do “desastre”, ainda mais constrangido por não conseguir comer sem ajuda me pediu desculpas. Eu lhe disse que estava tudo bem, a primeira preocupação era se ele havia se queimado, mas não, então não havia com o que se preocupar. Coloquei-o no outro sofá e limpei tudo. O olhar culpado dele me partia a alma. Fiz outro mingau e lhe servi brincando e rindo para que ele se sentisse mais leve. 

Frequentemente eu leio e escuto que nós filhos nos tornamos pais de nossos pais, algumas reflexões otimistas dizem que “eles voltam a ser crianças”, e como tal necessitam de cuidados especiais. Mas não há verdade nisso. Há uma enorme diferença entre a velhice e a infância. Quando alimentamos uma criança sabemos que ela em breve estará fazendo suas refeições por conta própria, saberá tomar banho sozinha, ir ao banheiro sem ajuda, ou seja, alcançará a independência. É muito diferente alimentar um idoso, sobretudo quando este fora acometido por um câncer, pois quando ele não puder mais comer com as próprias mãos, sabemos que nunca mais voltará a fazê-lo. Quando não puder mais tomar banho sozinho, não puder limpar a própria bunda, quando não se aguentar sobre as duas pernas... sabemos que não haverá retorno em nenhum dos casos. A diferença reside no fato de que os processos são contrários, estamos falando dos extremos polos da linha da vida, primeiro a evolução e o desenvolvimento, por fim, a degradação da matéria que chamamos de corpo humano. 

O mingau derramado me trouxe uma série de memórias sobre as bobagens que fiz quando criança, refiro-me aqui aquelas bobagens que se comente por imperícia, ingenuidade, curiosidade, essas que as crianças fazem constantemente. E busquei nos meus arquivos neurais momentos assim, quando seu olhar dócil após ter visto a merda pronta, me inocentava. É claro que meus arquivos não são tão organizados, por isso me lembrei do dia em que ele me deu uma surra de leve (mas naquele dia doeu muito), por eu ter rasgado uma folha da bíblia novinha do meu tio Acyr que almoçava conosco em um domingo.

Eu me lembrei das vezes que alimentei meus filhos, das vezes em que os levei ao banheiro, que lhes dei banho e não, não há quaisquer semelhanças. Claro que é um aprendizado cuidar, claro que faço tudo com absoluto boa vontade, mas a sensação que eu tinha ao alimentar meus filhos era de pura alegria, hoje é dor. 

Como aplacar a dor? A dor física fora dizimada pela morfina, mas e a dor moral? E a vergonha de ver seu filho lhe vendo nu, limpando seu vômito? Como minimizar os efeitos da sensação de impotência, quando até pouco tempo se era plenamente ativo? Como não querer atender ao desejo de não querer mais estar neste mundo? Se o câncer tivesse um sinônimo apropriado, deveria ser “a morte que não se deseja pra ninguém”. 



Jonatas Carvalho.

sexta-feira, maio 08, 2015

Para Sempre (mãe)

Hoje faz 4 meses que vc nos deixou...como diria Drumond.... mãe não morre nunca. Em homenagem ao seu dia (que já nos espreita)...os versos do poeta, nunca foram tão perfeitos.

Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
— mistério profundo —
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.


Carlos Drumond de Andrade.

quinta-feira, abril 23, 2015

LINDA JUVENTUDE


“Os velhos desconfiam da juventude porque foram jovens.”  (William Shakespeare)

"Nossa juventude adora o luxo, é mal educada, caçoa da autoridade e não tem o menor respeito pelos mais velhos. Nossos filhos hoje são verdadeiros tiranos. Eles não se levantam quando uma pessoa idosa entra, respondem a seus pais e são simplesmente maus." (......?)

Na noite de ontem fui a uma boate com minha filha e algumas amigas dela, um programa incomum entre pais e filhos é verdade, todavia, nós pais falamos tanto em honestidade e diálogo franco com nossos filhos, mas quase nunca estamos dispostos a saber quem eles são quando nenhum adulto está de olho.  
Há anos que escuto comentários sobre o quanto à juventude de hoje está perdida, não têm conteúdo, são irresponsáveis e frequentemente suscetíveis às más influências.  Fico me perguntando se haveria momento mais propício na vida para se experimentar as mais variadas formas de vivências do que a juventude.
 O chamado conflito de gerações é uma constante nas sociedades desde Sócrates (470/399 a.C.)... sim, Sócrates é o autor do segundo texto acima entre aspas! Desde então filósofos, pedagogos e outros pensadores destilaram suas críticas sobre esses “seres incompreendidos”.   
Talvez Shakespeare estivesse certo, toda essa desconfiança reside no fato de que já fomos jovens, já fomos inconsequentes suficientemente para não querer que nossos filhos corram os mesmos riscos que estivemos sujeitos um dia. Queremos protegê-los das frustrações, decepções, das experiências sexuais impróprias e de tantas outras “ameaças”. Por isso, sempre os julgamos despreparados para serem autônomos.
Mas não foi isso que eu vi ontem, ali naquela festa, tomada por mais de cinquenta jovens, eu que na maioria do tempo permaneci sentado com minha cervinha, constatei que tanto as moças quanto os rapazes experimentavam um ritual de iniciação de interações sociais. Esses rituais estão repletos de componentes, cuja moral religiosa (no nosso caso a judaico-cristã) rejeita sob o argumento da degradação do espírito. Não diferindo de nenhuma cultura em qualquer temporalidade, eles exploraram as mais variadas formas de interações, algumas carregadas de sensualidades, alteraram seus estados de consciência com substâncias permitidas em nossa cultura (talvez até algumas não permitidas nos tempos atuais), mas no final, tratava-se de diversão, de conhecer seus limites, de autoconhecimento.   
E foi isso que eu vi, muita diversão. É claro que alguns passam do ponto, mas a grande maioria vai fazer dessa fase da vida aquilo que ela realmente deve ser... uma fase e só. No futuro próximo serão profissionais de boa qualidade, constituirão famílias, serão pais e, assim como nós, desejarão o melhor para seus filhos. Como nós, terão lembranças nostálgicas dos amores vividos, das amizades raras (algumas carregaremos pelo resto da vida), de momentos inesquecíveis...
Termino com a frase de uma música de uma banda que marcou minha juventude, o  14 Bis:
Nossa linda juventude
Página de um livro bom
Canta que te quero
Cais e calor
Claro como o sol raiou
Claro como o sol raiou..


Jonatas Carvalho

terça-feira, março 10, 2015

Sobre a grande mídia brasileira, panelas e outros estratagemas.



Neste último domingo, dia internacional da mulher, viajei para Belo Horizonte com meu velho pai com objetivo de deixá-lo alguns dias sob os cuidados da minha irmã e meu cunhado. Estávamos conversando sobre diversos assuntos quando fomos surpreendidos por sons de batidas em panelas e gritos de “fora Dilma”, só mais tarde me dei conta que o evento fora uma reação ao discurso da “presidenta” em cadeia nacional.  
Quando disse que fomos surpreendidos, não me referi ao ato em si. O “panelaço” que por aqui durou entre 10 e 15 minutos não me causou qualquer espanto, achei até coerente que os moradores da região da Savassi, área nobre de Belo Horizonte, do alto de seus belos prédios, cujos apartamentos variam entre 1 e 3 milhões, com duas vagas de garagem para guardar com segurança seus automóveis importados, expressassem seu ódio pelo atual governo.  
Não vou aqui tentar explicar os motivos de todo esse ódio, o teólogo Leonardo Boff já explicou isso com muita propriedade em um artigo recente no portal Carta Maior (quinta feira, dia 5, ou você também pode ver aqui: http://www.jb.com.br/leonardo-boff/noticias/2015/03/09/o-que-se-esconde-por-tras-do-odio-ao-pt-ii/), mas cabe refletir um pouco sobre quem fomenta esse ódio, isto é como ele foi produzido e quem se encarrega de alimentá-lo.
Não vou aqui recorrer à primeira república para explicar a divisão social do país, vou me concentrar em um exemplo mais recente; no papel da grande no apoio ao golpe contra João Goulart. Se compararmos as “manchetes” nos grandes jornais em circulação hoje (vale lembrar que as principais manchetes são elencadas pela grande imprensa, logo, são selecionadas como “principais acontecimentos do país aqueles tópicos que coincidem com os interesses das elites e não do grande público), encontraremos grandes semelhanças com o que víamos nos anos de 1963 e 1964. Aqui vão alguns exemplos:
“A Nação não mais suporta a permanência do sr. João Goulart à frente do governo”, bradava o editorial de 1° de abril, do extinto Correio da Manhã, sob o título “Fora!”
 Na capital paulista, a imprensa seguia o mesmo padrão. “Magalhães: hie­rarquia e disciplina estão em peri­go”, estampou, na véspera do gol­pe, a Folha de S. Paulo.
Mas não foi isso, a grande imprensa também reagiu fortemente contra medidas da política social de Goulart, dentre as mais visadas; a reforma agrária. Todavia, políticas em prol dos trabalhadores também foram seriamente criticadas. Como foi com o projeto de pagamento do 13º salário. 

  
Você pode até achar que não há quaisquer relações entre o que ocorreu em 1964 com o que vem ocorrendo hoje, afinal os militares nos livraram do comunismo! É exatamente sobre isso que se trata, a grande imprensa pintou Jango de vermelho, todos os dias dezenas de notícias se espalhavam pelo país atemorizando os brasileiros sobre os perigos que o Brasil corria caso Goulart permanecesse.
O mesmo ocorreu na disputa presidencial de 1989 entre Lula e Collor, na época, só a Veja publicou diversos números para “criar um Collor” que agradasse as elites. Um duelo desigual, cujo ápice foi o debate editado pela Globo na véspera da eleição e que culminou na derrota do Lula.  
  
 

















Hoje, você diria que isso não é mais possível, por que a grande imprensa não tem mais tanto poder de influência. Está enganado. É óbvio que temos uma mídia alternativa, que a população de massa crítica é maior nos dias atuais, mas o Jornal Nacional ainda é o principal veículo de informações e notícias no Brasil. Quanto às elites, elas passam o dia assistindo a Globo News que funciona como um carregador de energia do ódio. Eles reverberam as baboseiras anunciadas por Willian Waack, Merval, Noblat, Sademberg, Paulo e outros ultra direita. 
Será que não tem nada de bom ocorrendo nesse país? O Brasil é a Petrobrás e só? Quanta informação tem sido omitida nestes últimos meses. Quantos escândalos de corrupção foram colocados por baixo dos tapetes das grandes emissoras. O caso da lista de Furnas, os trens de São Paulo, a Sabesp, as greves no Paraná e o HSBC (ou por que o PSDB não apoiou a CPI deste banco)... já ouviu ou leu algo sobre? Algum grande veículo investigou? Nenhum deles foram alvo do jornalismo investigativo do Fantástico? Claro que não. Mas um pequeno bando de burgueses batendo suas panelas de luxo e gritando de seus arranha-céus merece destaque na primeira página. 
Você provavelmente não leu a respeito da publicação da 2ª Edição do Atlas da Exclusão Social no Brasil, de Márcio Pochmann, leu? Então você não deve ter noção das mudanças ocorridas neste país na última década, tem? Segundo Pochmann, pela primeira vez na história temos uma tríade convergente. O que seria isso? A combinação de crescimento econômico, com democracia política e distribuição maior da renda. Às elites, só interassa o crescimento econômico.
Jonatas Carvalho.

sábado, janeiro 24, 2015

Crônicas Cancerígenas II: O luto.

Eu quero saber quem inventou a dor
Eu quero saber quem inventou o luto
Eu quero saber se o mesmo não tinha gente
Gente que abraça, afaga, compartilha e brinca
Gente que protege, ama, se doa
Gente como a gente
Gente que nos fez gente
Eu só quero saber...
Quem foi essa gente que diz que sente?
Eu só quero saber, se vai existir o reencontro da minha gente em algum momento, isto meu bem, seria tangente.

Não é difícil achar quem não se sensibilize quando menciono que meu pai com 76 anos de idade está fazendo tratamento de um câncer no pescoço. Mas quando digo que minha mãe infartou e faleceu em meio ao processo, que ela não suportou vê-lo perder nove quilos e sofrer os efeitos da quimioterapia, em geral, as pessoas ficam sem saber o que dizer. Ainda assim é comum ouvir comentários já padronizados pela nossa cultura para estas situações, coisas do tipo “meus sentimentos”, “deus sabe de todas as coisas”, “lamento sua perda”, estas frases feitas que reproduzimos mesmo sabendo que de nada servem para consolar, apenas dizemos por que não há nada melhor para dizer. 
    
Quando um ente querido parte desta vida, sua ida não é imediata, sabemos que nunca mais veremos aquela pessoa, mas sua presença continuará entre aqueles que a amavam; nisso reside o luto. Como excluir a presença de alguém de uma casa, cuja qual compartilhou com você por cinquenta anos? Como se desvencilhar das lembranças? Como conter a saudade? Como não sofrer com as memórias?

Ivan Kramskoy, Tristeza inconsolável, 1884.
Após o funeral (ritual que é distinto conforme a cultura), que é uma forma de despedida, diversas situações se apresentam impedindo o esquecimento e estendendo a dor, apresentam-se em ações como cancelar um plano médico, uma conta telefônica e outros eventos que nos obrigam a andar por ai com uma certidão de óbito a confirmar que o titular não está mais entre nós. Se isso não bastasse, ainda temos que lidar com situações ainda mais dolorosas, como o que fazer com a casa cuja arrumação ficou do jeito que ela deixou? O que fazer com os objetos que ela tinha mais apego? Que destino dar aos pertences, roupas, bijuterias? O que fazer com os livros e discos? Cada um, ao seu tempo, encontrará uma forma de lidar com isso.
  
A palavra luto vem do latin de luctum, isto é, chorar, lastimar (a perda de alguém), mas na prática o luto é muito mais que isso. Estar de luto não é o mesmo que estar deprimido, embora em alguns casos possa levar a depressão. O luto é um processo longo onde se aprende a minimizar a dor da ausência e se descobre como lidar com a saudade sem sofrimento. Mas até que isso ocorra, até que o tempo seja capaz de cicatrizar as feridas, sofreremos, uns dias mais, outros menos. Passamos alguns dias convivendo com lembranças felizes, em outros, um simples objeto de suvenir sobre algum móvel é suficiente para desencadear um doloroso choro.  

Vivenciar o luto é aprender mais sobre si, é se deparar com suas fraquezas mais profundas e ver emergir forças que sequer sabia existiam em você.    

domingo, janeiro 11, 2015

Crônicas cancerígenas I: um infarto no meio do caminho.

Eu iniciei há algumas semanas uma pequena coleção de textos sobre algumas experiências que tenho vivido ao lado de meu pai após ele ter contraído um câncer na região do pescoço. Resolvi intitulá-los de crônicas cancerígenas, achei apropriadas devido ao sentido letárgico que o termo possui. A terminologia câncer (assim como a palavra droga, dentre outras), ultrapassou sua especificação semântica pela força das experiências traumáticas que se impõe a quem na vida se depara com ele. Por vezes nos referimos a momentos e situações dolorosas utilizando tais termos como analogia... quando falamos de corrupção no Brasil, por exemplo, é comum ouvir que trata-se de “um câncer que corrói a nação” do mesmo modo que dizemos “que droga de vida”, mas no caso da droga, sabemos que há drogas boas e ruins, enquanto que no caso do câncer...não. O câncer é uma merda...sempre...onde quer que se manifeste, em quem quer que seja.
Não publiquei nenhuma ainda, pois as escrevi na correria e carecem de algumas revisões. Eu as escrevi como formas de registrar as emoções, lutas, sensações e tantas outras experiências que um período como este pode nos proporcionar...eu as escrevi para que no futuro pudéssemos ter uma memória registrada de mais uma luta da qual saímos vitoriosos... ou não.
Eu só não esperava, não estava preparado, sequer podia imaginar que a primeira crônica que eu publicaria deste período seria sobre infarto. Assim que eu comecei escrever achei que eu teria uma boa coleção de textos sobre câncer, eu vinha estudando sobre o tema, andei lendo experiências dos outros...mas havia um infarto no meio do caminho. 
Foram doze dias de apreensão e tensão entre a parada cardíaca e o falecimento, foram dias de muitas angústias. A preocupação com meu pai que nesta semana fazia radioterapia e quimioterapia concomitantemente se misturava ao desespero de imaginar a hipótese de minha mãe não voltar. Como meu pai vai ficar? Será que ele continuará lutando contra sua doença caso ela morra? Se ela voltar terá sequelas que a comprometerão ao ponto de deixá-la sofrendo no final de sua vida? Se ela não voltar....como dizer o que ficou para ser dito no final?  
O câncer tem um lado assolador devido ao longo tratamento, ao contrário do infarto, ele nos possibilita tempos de redenção...de perdoar e ser perdoado, de demonstrar o quanto amamos, de ficar mais pertinho na caminhada final da vida...de dizer e escutar aquilo que não falamos ou ouvimos em circunstâncias normais.

O infarto é sem dúvida uma pedra no meio do caminho, um tropeço fatal que interrompe a caminhada (de quem fica), transformando as possibilidades futuras em incógnitas. Toda ruptura é ruim, é traumática, perder uma mãe... por infarto é despencar por um abismo...não é possível prever o tamanho da queda, a profundidade do baque... só saberemos o quão fundo chegaremos com o tempo.