sábado, agosto 15, 2009

Sabores da Infância.

Sabores da Infância. 

    Penso pouco em minha infância.Creio que ela não tenha sido tão significante assim pra mim, a não ser por algumas situações e fases curtas.
Quando hoje olho para os meus filhos, tenho a preocupação que suas histórias sejam diferente da minha, desejo que tenham boas lembranças da infância. Espero que o que fazemos hoje juntos possa marcá-los positivamente pelo resto de suas vidas. Espero que suas recordações sobre suas infâncias possam ser transmitidas aos seus filhos com nostalgia prazerosa.
    Outro dia fui surpreendido por minha esposa com uma pergunta simples; - qual o sabor de sua infância? Refletir por um minuto e respondi; - inodora! Talvez eu esteja sendo radical demais, não tive uma infância tão sofrida, não fui abusado, nem realizei trabalhos forçados, ainda assim, tenho poucas lembranças de minha infância, sempre tive. 
    A pergunta de minha esposa, perdurou em mim, comecei a pensar, buscar em minha memória tais gostos, foi quando me deparei com uma brevidade, na vitrine de uma padaria. Lembrei que quando eu era garotinho, meu pai costumava trazer duas brevidades para casa, uma para mim e outra para minha irmã caçula. Não exitei, pedi duas brevidades, mal cheguei ao carro, desembrulhei o pacote e dei minha primeira mordida. Foi uma decepção, senti um gosto de química na boca, algo artificial e mais, a brevidade tinha a consistência física de uma farofa bem seca, aquilo formou uma massa na minha boca, que quase saí correndo atrás de um copo d'água. Eu esperava ter a mesma sensação de prazer, que tinha quando era apenas um garoto, mas não tive. Pensei em duas hipóteses para explicar minha frustração, ou aquele padeiro não sabia fazer brevidade, ou meu paladar passou por transformações significativas. 
    Minha conclusão pendia para a segunda hipótese, por duas razões bem óbvias,  primeiro pelo fato da padaria ser a melhor da região, segundo é que eu já havia passado por esta experiência antes. Foi com um tipo de broa, não me lembro o nome, mas ela era parecida com um disco voador e eu adorava comer aquilo, para minha surpresa, assim como no caso da brevidade, eu me decepcionei. 
    O que acabo por concluir com esta experiência em busca dos sabores da infância é que o gosto das coisas não mudaram, nós é que amadurecemos. Coisas que achávamos deliciosas em nossa infância, hoje não faz mais sentido, basta olhar para os nossos filhos e ver do que eles gostam, nós não gostamos das mesmas coisas que nossos filhos. 
    Eu e minha esposa começamos a lembrar das merendas da nossa época, começamos então a pensar numa pequena relação de produtos que eram adoráveis quando éramos crianças e agora não aprovamos o paladar. Lembram-se da "laranjinha", aquele negócio que se parecia com uma bomba, num recipiente de plástico e com sabores de uva, morango e laranja. Tentem beber aquilo hoje, se é que ainda se fabrica,  se fabricar, certamente terá um gosto horrível. Pode ser que alguns produtos ainda tenham o poder de nos reconduzir a infância por meio do seu sabor, mas creio que dificilmente poderemos sentir o mesmo tipo de prazer que tínhamos na época. Penso em produtos como o "Pirulito Zorro", o "Amendocrem", "Pingos de Leite", entre outros. 
    Como o amadurecimento pode alterar nossa relação com o paladar? Não gostávamos de hortaliças, giló, beringela nem pensar, muitos de nós não comíamos peixes e tantas outras coisas, nossas mães sempre nos obrigando; - Coma isso, ou não vai brincar! Hoje repetimos a estratégia com nossos filhos. A infância de alguns amigos meus foi bem pior, lembro de um dia, morávamos na Provisória, um amiguinho e eu fomos até uma padaria, eu estava com umas moedas e queria comprar um doce, talvez uma "maria-mole" ou um "pé-de-moleque", meu coleguinha me convenceu a comprar um "pão-doce", pois segundo ele, continuava a ser "doce", mas o "pão" enchia o estômago. 
    Penso nas crianças que amargam a infância colhendo restos em lixões, pegando em armas nas favelas ou nas guerras étnicas, penso nas crianças que adormecem nos calçadões, na candelária, penso nas crianças lumbrigudas do nordeste ou da Somália. Este texto é em homenagem a elas, crianças que provavelmente terão um vida adulta triste e sofrida (se chegarem a fase adulta), porque na infância experimenteram todo o tipo de amargura.