quinta-feira, dezembro 10, 2009

DROGAS E SOCIEDADE; O FENÔMENO DO CRACK.

Há algumas questões que precisam ser melhores esclarecidas no que tange a relação drogas e sociedade. Uma questão seria perceber o que ocorreu com o termo “droga” (palavra que hoje é atribuída a substâncias capazes de alterar o funcionamento do sistema nervoso central), que tem origem no árabe e no holandês antigo, significa “seco”, ou, “folha seca”, referência as especiarias da época do mercantilismo. O açúcar e o tabaco são exemplos, ambos eram tratados como drogas no período mercantilista, mas havia muitos outros produtos que recebiam esta nomenclatura.
Atualmente este termo, devido a larga difusão midiática e sua relação com o atual modelo de mercado ilícito o qual chamamos comumente de tráfico de drogas, vem ganhando uma vida própria. É como se a droga fosse o sujeito histórico, que tivesse vida em si, isto é, falamos dela como se nos referíssemos a alguém. As próprias campanhas de prevenção e combate “as drogas” direcionam suas ações usando este tipo de conotação; Diga não as drogas! As drogas podem matar você! Drogas, inimigas da sociedade! Etc.
Ao atribuir as drogas esta pessoalidade, cometemos um equívoco significativo, ocultamos o verdadeiro responsável pelos danos advindos do uso indevido das mais variadas substâncias; o homem. As drogas não são seres dotadas de inteligência, quando o termo droga foi cunhado inicialmente, era para designar espécies de plantas específicas, mas que, na maioria das vezes, para torná-la viável ao uso humano, necessitava da intervenção do mesmo. Como era o caso do tabaco.
Cabe esclarecer ainda que historicamente as políticas proibicionistas são relativamente novas. Com o advento da revolução industrial, a sociedade se deparou com a produção sintética de drogas, já o capitalismo se encarregou de transformar tudo em mercadoria. As drogas passaram a ser produzidas em laboratórios e inicialmente usadas para fins medicinais (como foi o caso da morfina, cocaína, LSD), a classe médica aos poucos foi percebendo os malefícios de algumas dessas substâncias e seus efeitos colaterais. Criaram-se então as restrições ao uso de determinadas substâncias e a sociedade do início do século XX viu as drogas serem divididas em lícitas e ilícitas, os critérios que definiram quais deveriam permanecer lícitas e quais deveriam ser ilícitas até hoje carece de explicações mais claras.
Dito isto, cabe ainda alguns esclarecimentos especificamente sobre o crack, droga que está em evidência. A primeira coisa a fazer é perguntar por que uma substância que vem sendo consumida a um pouco mais de uma década no Brasil, só agora ganha repercussão nacional em todos os veículos de comunicação? Seria por que o mercado do crack já atingiu a classe média? O consumo do crack iniciou-se no Brasil na década de 90, na cidade de São Paulo, aos poucos seu comércio foi proliferando para o sul do país e para o estado de Minas Gerais. Na cidade do Rio de Janeiro, o tráfico devido a alguma organização criminal na época, deteve por algum período a entrada do crack. Com o tempo, devido as prisões de grandes traficantes e a fragmentação das facções, a organização criminal do Rio de Janeiro foi se desarticulando, os novos “chefes” do tráfico compreenderam que seus “postos” eram provisórios, logo, o crack, passa a ser percebido com um produto viável.
A dependência do crack é semelhante a da heroína, embora sua ação seja mais rápida e a duração dos seus efeitos também. A compulsividade e a crise de abstinência são de um modo geral potencialmente fortes, o tratamento requer na maioria dos casos a intervenção medicamentosa (geralmente ansiolíticos, antidepressivos e anticonvulsivantes). Os efeitos colaterais são muitos; problemas respiratórios, perda de apetite; paranóia, depressão, dentre outros. O perfil de usuários de crack segundo as pesquisas, apontam para uma população masculina (embora os casos de uso por mulheres venham aumentando gradativamente), geralmente jovens, sem laços com o trabalho e com pouca perspectiva de vida. Os usuários de crack costumam abdicar do uso de outras drogas, o uso misto é percebido apenas em pequena parcela dos usuários, a população de rua, integralmente fragilizada, é a mais afetada diretamente com a epidemia do crack.
A experiência européia com a heroína pode nos servir para lidar com este fenômeno, que não se assemelha a qualquer tipo de substância em uso no Brasil. Embora as políticas públicas européias apresentem variações de um país para outro, de um modo geral, o tratamento da dependência de heroína é semelhante na maioria deles. O tratamento consiste na ação conjunta do uso de metadona e buprenorfina associado a psicoterapia e terapias de grupo.
Outra possibilidade é a prática de políticas públicas voltadas para a redução de danos, Portugal, nosso velho colonizador, pode ser um exemplo no que tange a inovação de políticas públicas sobre drogas. No ano de 2001 o país resolveu cancelar todas as sanções sobe usuários e dependentes, o foco das políticas passou a ser prevenção e tratamento, repressão apenas ao narcotráfico. Os críticos disseram que Lisboa iria se tornar um “paraíso para os usuários de drogas”, mas não foi o que aconteceu, em 2006 um relatório oficial colocou Portugal como um dos países europeus com o menor índice de consumo em vários tipos de drogas. (Veja: "Drug Decriminalization in Portugal: Lessons for Creating Fair and Successful Drug Policies," by Glenn Greenwald, White Paper, April 2, 2009. Cato Institute.)
Não defendo uma descriminalização sintomática e imediata do Brasil, mas o fato é que o modelo que adotamos há anos, com o foco na repressão tem sido até aqui, assim como nos EUA e outros países que o imitam, pífio. Os EUA representam 5% da população mundial e detêm 25% da população carcerária do mundo, estes dados por si só indicam que a cadeia é o grande remédio norte-americano. Defendo, portanto, mudanças na estrutura e nas bases, defendo uma revisão dos conceitos que leve em consideração a prevenção e o tratamento como prioridades das políticas públicas, por meio de programas de prevenção permanentes nas escolas e uma rede de atenção psicossocial a usuários e dependentes em cada município. Defendo que a questão das drogas esteja presente nos programas municipais de governo e nas ações públicas, defendo a proliferação de equipes multidisciplinares e a participação popular nas discussões sobre o tema.
Nossos usuários de Crack (ou qualquer outra droga) não podem ser tratados como lixo humano, o primeiro passo é tratar com dignidade estes indivíduos, descriminalizá-los e dar a eles a oportunidade da mudança e isto só se faz mudando a estratégia.

Jonatas C. de Carvalho