domingo, março 14, 2021

MINISTÉRIO PÚBLICO E SUAS VARIANTES.

Só ontem me dei conta da existência de um perfil no Twitter, chama-se “MP Pró-Sociedade” (@m_ppro), trata-se, segundo os próprios, da “Associação Nacional de Membros do Ministério Público Pró-Sociedade, Perfil conservador e sem vínculo partidário”. O perfil conta com 25 mil seguidores.

Eu resolvi percorrer algumas postagens do perfil, que tem como capa a figura de Edmund Burke, político, filósofo, conservador, crítico dos ideais iluministas de progresso.

O “tweet fixado” no perfil do grupo, nos dá uma noção de que tipo de sociedade esses membros do MP são “pró”. Dizem defender a “Alta Cultura”, a mesma “Alta Cultura” defendida por aquele Secretário de Cultura que fez um vídeo inspirado em Joseph Goebbels, ministro de propaganda do nazismo alemão. A ideia de uma “Alta Cultura”, origina-se em uma sociedade etnocêntrica, que observava as outras culturas como inferiores, baseada em ideais de beleza defendidas por Edmund Burke em A Philosophical Enquiry into the Origin of Our Ideas of the Sublime and Beautiful (1756).

Outros “valores” defendidos por esses honoráveis membros do MP Pró-Sociedade são: “luta pela liberdade”, “conservadorismo” e “efetivismo penal”. Aqui faço me detenho em dois minúsculos comentários. O primeiro sobre essa relação entre o liberalismo e o conservadorismo, que aqui no Brasil fez-se uma mistura de água e óleo, com a intenção de defender o chamado “liberal na economia e conservador nos costumes”, um tipo de “Frankenstein” que deixaria Mary Shelley horrorizada.

Quanto ao “efetivismo penal”, creio se tratar de outra aberração jurídica, dessas que se suprime o Estado de Direito em nome de uma moralidade como aquela presente na lei de Segurança Nacional, que alguns, em tempos atuais, pretendem resgatar. O “efetivismo penal”, por sinal, nunca deixou de existir para as camadas populares por aqui.

Por fim, ao olhar as postagens do grupo no Twitter, percebi que uma de suas principais ações em tempos de pandemia é justamente ajuizar ações civis públicas contra municípios que decretam “lockdowns”, ou planos de restrições de circulação das suas populações. Alegando que tais medidas ferem o principio da dignidade humana, chegando a “aconselhar” aos policiais militares e civis a se abster de fiscalizar o “toque de recolher” e outras medidas semelhantes, por considerá-las inconstitucionais.  Alguns promotores chegaram a defender o uso da “ivermectina”. Apesar o grupo se anunciar como apartidário, suas práticas e aspirações estão plenamente alinhadas com aquelas defendidas pelo atual presidente e seu grupo de poder.     

sábado, março 13, 2021

COVID-SE BRASIL: A ECONOMIA DA CONTAMINAÇÃO DO REBANHO.

Eu passei praticamente todo o 2020 em casa. Confinado, adotei as medidas de segurança recomendadas e passei ileso por esse ano que parece ter saído de um filme de distopia.

Sou professor, assim como algumas outras categorias, pudemos usufruir do trabalho remoto e das aulas online. Sempre tive a consciência de que isso era um privilégio, acompanhei de perto os temores e os riscos daqueles que precisavam ir às ruas porque foram considerados "essenciais". Naquele momento, quando tudo ainda era muito novo para todos nós, a população temeu o vírus. Estávamos trilhando um caminho positivo, mas o caminho começou a ser bloqueado quinze dias depois, tomamos outra direção. O bloqueio foi feito pelo líder máximo da nação, cujo protagonismo ao longo da pandemia (que ainda se alastra por aqui), certamente será incomparável na história. 

Os que conseguiram ficar em casa, sabem que também não foi tarefa fácil, ao longo do ano nos demos conta que o "home office" era mais desgastante do que imaginávamos. Claro, muitas empresas precisaram se reinventar, isso exigiu mais dos trabalhadores. No campo da educação as mudanças foram enormes, professores e alunos tentando se submeter ao universo da vida on-line. Mas para os professores foi ainda mais penoso, um arsenal de ferramentas e softwares eram disponibilizados, gravar aulas, dar aulas on-line, preparar provas em "modelo forms", "google classroom", "loom', "obs stúdio",... todas as aulas precisaram se converter em slides. Eu sentava às 7h na cadeira em frente ao computador e saía às 21h. Mas não posso reclamar, acompanhei a saga de muitos amigos e amigas de profissão, sobretudo, as professoras, essa mulheres incríveis que são mães e esposas, muitas sem um escritório em casa davam suas aulas em espaços pouco favoráveis, expondo a intimidade de sua casa aos alunos e alunas. Não posso sequer imaginar como foi para essas mulheres o ano de 2020. 

Ao final de julho havíamos "atingido o pico de mortes diárias". No dia 29 de julho foram registradas 1.554 mortes, ao todo eram 90 mil mortos. O presidente, que no dia 22 de março dissera que não passaríamos de 800 mortes, no final de julho fazia pouco caso da parceria entre o Instituto Butantan e a farmacêutica chinesa Sinovac. O fato é que começamos e ver a curva achatar, entre final de julho e início de novembro caímos bem, mas ai veio às eleições. Os políticos colocaram seus cabos eleitorais nas ruas, não sei quantas mortes foram necessárias para preencher os acentos nas câmaras legislativas municipais e as cadeiras almofadadas de prefeitos neste país. Depois vieram as festas de final de ano, no dia 30 de dezembro tivemos 1.224 mortes.  

Bom, creio que não preciso recordar a ninguém o que vem ocorrendo em 2021. A verdade é que mesmo com um quadro bem pior do que nossa pior média no ano anterior, a vida parecia ter realmente voltado ao normal, shopping centers abertos, praias lotadas, ruas tumultuadas, trens, ônibus e metrôs abarrotados, as escolas voltaram com as aulas presenciais. Eu que passei 2020 ileso, contraí o vírus no início de março, justamente quando em quase todo o país os leitos de UTIs esgotavam-se. Felizmente, não precisei recorrer a um.  

É difícil descrever o que se passa na cabeça de quem contrai o vírus em um cenário como o que temos por aqui. O economista no IPEA, Marcos Hecksher, publicou uma pesquisa dizendo que no Brasil as chances de morrer por Covid é três vezes maior que na grande maioria dos países. No dia 3 de março, quando meus primeiros sintomas surgiram, havíamos atingindo  a marca de 1.840 mortos. Você começa a pensar quais serão suas chances de sair dessa vivo. Hoje em dia todos nós conhecemos alguém que se foi pelo vírus, eu perdi parentes e amigos, vi gente muito mais nova que eu ser intubada, o que me torna diferente deles? À medida que os sintomas vão se tornando mais agudos, um turbilhão de pensamentos agonizantes paira sobre nós, é impossível não pensar. Qualquer respiração mal dada é motivo de desespero.  Mesmo que se eu tivesse grana para recorrer a um hospital como o Sírio Libanês (que no meu imaginário só atende grandes empresários e políticos), eu teria uma fila de espera. 

Os professores que até então estavam em sua grande maioria seguros, agora passam a fazer parte das estatísticas. Eu fiquei pensando, porque minha categoria deveria ser poupada enquanto tantas outras já estão no risco desde o início? E você acaba se sentindo culpado ao se permitir pensar demais. As alegações para o retorno as aulas presenciais são plausíveis até certo ponto. Sabemos que a grande maioria dos alunos e alunas desse país não teve condições de estudar, que os governos estaduais e municipais pouco fizeram por estes. Sabemos que só uma parcela menor, os da rede privada tiveram acesso ao ensino remoto de fato. Sabemos o quão caótico tem sido para os pais que precisam trabalhar e não podem deixar seus filhos em casa, muitos não sabem o que fazer. Sabemos o quanto isso afeta a vida emocional desses jovens. Mas é só isso? O retorno às aulas na rede privada tem algo a mais, tem a ver com a saúde financeira dessas escolas, o impacto na economia afetou as escolas privadas, a inadimplência escolar aumentou significativamente. As escolas empregam centenas de funcionários não apenas professores. Mas a grande questão é quantos professores (e outros funcionários) deverão morrer para que a economia escolar volte a se equilibrar? O que acontece se um aluno morrer por ter contraído o vírus no interior do espaço escolar? Efeito colateral? 

As escolas privadas têm falhado nos protocolos de segurança, salas ultrapassando os limites de acomodação, algumas escolas não oferecem salas apropriadas aos professores. Nós estamos dando aulas de máscara, tendo que forçar nossa garganta, ao final do dia estamos sem voz. Você arriscando sua vida no transporte público e o guri que foi trazido de carro pelo pai, dorme sem culpa na sua aula. Valerá o sacrifício?

Muitos alunos, porém, seguem circulando livremente por ai, aumentando as chances de se tornarem transmissores potenciais do vírus. As novas cepas (variantes) tem provocado internações de uma população mais jovem nos hospitais. Vale a pena o risco?  Estamos diante de um dilema que parecia ter sido encerrado ao final da 2ª Guerra Mundial: morrer em nome de uma causa seja ela qual for. Depois de tantas mortes, decidimos que é a vida que justifica a causa, não o contrário. Não querer dar minha vida pra salvar a economia é um direito conquistado. Claro, com isso não quero dizer: fecha tudo! Sei bem o que isso significa, mas como disse Miguel Nicolelis, ou fechamos agora, por um tempo, ou não daremos conta de enterrar nossos mortos. 

Somente uma ação coordenada nos tirará dessa situação, mas já fomos eleitos o pior país na gestão da pandemia. A compra de vacinas por parte do Ministério da Saúde é um drama a parte. Sem vacina, sem leitos de UTIs, sem isolamento social, somos um grande rebanho em pleno processo de contaminação. Mas nada disso é casual, não faltam evidências de que este sempre foi o propósito. Pesquisadores se dedicaram a analisar os decretos, projetos de lei, normativas e tudo mais que foi produzido ao longo da pandemia, são mais de três mil documentos. O resultado? O governo federal fez o que pode para impedir que tivéssemos qualquer sucesso em vencer o vírus.  

Nesse projeto de "necropolítica", a letalidade do vírus é potencialmente maior entre os mais pobres. O mito do "tratamento precoce" se alastrou junto com o vírus criando uma falsa rede de proteção. O velho "gabinete do ódio" se converteu em um escritório criminoso de propagação de desinformação. Até o final de março chegaremos a 300 mil mortes. Aqueles que contraíram o vírus como eu e sobreviverem, sabem que a máxima que diz "o que não me mata, me fortalece" é frágil, diante de tantos corpos acumulados. 

Jonatas Carlos de Carvalho 

Professor na Educação Básica e Pesquisador associado ao INCT-InEAC/UFF