domingo, dezembro 27, 2020

ENTRE A QUÍMICA E A MAGIA: OS FARMACÊUTICOS E SUAS MANIPULAÇÕES PODEROSAS

Ontem, enquanto eu lia uma crônica de Rubem Braga, "Memórias de um ajudante de farmácia", pensei em muitas coisas. A primeira é que eu também já fui um "prático de farmácia", por quase oito anos. Fiquei imaginando se Rubem Braga tivesse seguido na profissão, teríamos perdido um dos maiores escritores do Brasil. Lamentei por uns segundos a inexistência de crônicas inestimáveis, como a sobre Copacabana (1959), "Ai de ti, Copacabana, porque a ti chamaram 'Princesinha do Mar', e cingiram tua fronte com uma coroa de mentiras, e deste risadas ébrias e vãs no seio da noite." Escritos de pura sensibilidade como "Pintura" (1953), "é de ver pintura e desenho que tenho saudade e fome, quando o jogo da vida me cansa, é a pintura que me apazigua e me faz sonhar."

Em "Memórias de um ajudante de Farmácia", o cronista revela seus aprendizados com seu primo "Costinha", prático de farmácia a quem o ajudante demonstrava admiração pela capacidade de manipulação das químicas. A leitura desta crônica me levou a Thomas De Quincey, que em "Confissões de um comedor de ópio"(1856), relata a primeira vez que lhe "abriram o paraíso dos comedores de ópio", chegando a duvidar se o farmacêutico que lhe atendera era mesmo um homem, preferindo manter em sua mente "a visão beatífica de um farmacêutico imortal", enviado a terra para aquele encontro. 

Rubem Braga descreve as incríveis soluções e elixires mais vendidos em sua época e revela-nos a existência de um tipo de bíblia dos farmacêuticos: o Formulário Chernoviz. O jovem ajudante ficou impressionado com as mais de mil e quinhentas páginas do livro que continha os mistérios sagrados das mais variadas plantas e sais. O Formulário Chernoviz era na verdade um tipo de guia médico, mas seu autor, um polonês formado em medicina na França, Pedro Luiz Napoleão Chernoviz (1812-1881), também publicou um "Dicionário de Medicina Popular" (GUIMARÃES, 2005). Na prática, ambos eram chamados de "o Chernoviz" e eram plenamente utilizados por farmacêuticos ao longo do período imperial e início da república. 

A produção de "Guias Médicos" já era uma prática presente no Brasil desde o período colonial. Me lembro de ter encontrado na documentação do inventário da Fazenda Campos Novos (1775), em Cabo Frio, uma descrição detalhada dos itens da botica dos jesuítas naquele lugar. Dentre os quais achavam-se, por exemplo:

Hum vidrinho de óleo de copaíba com pouca quantidade
Hum vidro de óleo de ouvidos
Dous ditos de óleo de amêndoas
Hum dito de óleo rozado
Hum dito de mel rozado
Hum dito de agoa para olhos
Huma lata de triaga brazileira
Huma lata de trementina
Hum dito de azeite de Nossa Senhora da Lapa
Hum bião pequeno de engoento místico
Hum dito de engoento branco
Libra e meya de salsa parrilha
Trez vidros com agoa forte

A listagem acima é apenas uma parte dos itens descritos na documentação, caso você seja desses indivíduos curiosos (o que significa que é dos meus), basta clicar no "botica dos jesuítas" acima que o hiperlink te levará para a descrição completa. Mas não foi somente a botica que a documentação nos revelou, encontramos também uma livraria na Fazenda, sobre ela, o professor Nireu Cavalcante (2009) escreveu, 

foram listados 66 títulos diferentes, entre os quais seis eram proibidos. Do total listado nove eram manuscritos versando sobre “Medicina”, “Modo para assistir aos doentes e aos agonizantes”, “Modo para aparelhar pano ou madeira para pintura”. (Grifo meu).

A médica e pesquisadora, Maria Regina Cotrim Guimarães (2005), já citada acima, revela em seu artigo que esses manuais de medicina estavam presentem por aqui desde o século XVI, o que a documentação da Fazenda Campos Novos parece confirmar. Alguns exemplos são: o "Tratado único das bexigas e sarampo", do médico Romão Mosia Reinhipo (1683) e o "Erário mineral", de Luís Gomes Ferreira (1735), um dos primeiros de grande circulação no Brasil. Um desses manuais que me chamou a atenção foi o produzido pelo doutor Jean-Baptista Alban Imbert, refiro-me ao "Manual do fazendeiro ou tratado doméstico sobre as enfermidades dos negros" (1834). Uma obra que surgira da preocupação com os "ilustríssimos fazendeiros de obterem socorros inteligentes da medicina" no cotidiano com os escravos. (RODRIGUES, 2010). Mas o Chernoviz tornou-se a grande referência das "artes médicas". Rubem Braga cita em suas memórias que o livro sagrado na farmácia que trabalhara era uma edição de 1892, tratava-se de 15ª edição na verdade. 

Um artigo publicado em 2017, escrito a quatro mãos, dois estudantes de medicina, uma médica e um estudante de farmácia, analisou as indicações terapêuticas da cocaína no Formulário Chernoviz, 17ª edição, de 1904. A obra utilizada no artigo, pertencera a uma família de mulheres que manipulavam medicamentos na farmácia "Oswaldo Cruz", na cidade do Barro, no Ceará, no início do século XX. Segundo os autores, a ausência de médicos na cidade, que fica a 524 km da Capital, incentiva a prática da manipulação dos remédios e algumas práticas cirúrgicas, como a de fimose e partos.   

Trago o exemplo da cocaína aqui, por se tratar do meu atual objeto de pesquisa, mas há uma infinidade de outras possibilidades que podem se converter em xaropes, vinhos, extratos, tinturas, conservas, emplastos, emulsões, bálsamos, unguentos e óleos. Rubem Braga, por sua vez, escrevera, que só pelo fato de ter se livrado de preparar os óleos de rícino e de fígado de bacalhau, já considerara ter tido uma infância feliz. Voltando a cocaína, o Formulário Chernoviz lista 8 aplicações terapêuticas:

Moléstias dos olhos;
Moléstias da laringe e da faringe;
Operações bucais e dentárias; 
Moléstias da vagina e dos órgãos genitais;
Vômitos da gravidez; 
Amigdalotomia; 
Queimaduras;
Rachas no seio. 

Além disso, o guia médico ensina a preparar o chamado "phenato de cocaína", uma mistura de cocaína pura, álcool e ácido fênico. O resultado era um pó, indicado entre outras coisas, para cortar os "defluxos e a surdez proveniente do catarrho da trompa d’Eustachio ou do tubo auditivo”.

A Noite - 1931
Com os processos regulatórios de substâncias como a cannabis e a cocaína, a figura do farmacêutico ganhou, pelo menos alguns, sobretudo nos grandes centros, uma identidade menos beatificada, digamos assim. Com a comercialização desses produtos restritos ao receituários médico e o surgimento de livros de controle de entrada e saída de tais substâncias, alguns práticos de farmácia, vislumbraram a possibilidade de atender uma clientela específica e lucrar mais com isso. Os jornais ao longo da década de 1930 e 1940, hora ou outra estampavam a cara da nova classe perigosa: o farmacêutico. Todavia, estes não estavam sozinhos, havia também médicos, dentistas e veterinários na lista. 

Eu trabalhei em farmácia na década de 1990, ou seja, muitas décadas depois. Mas me recordo que no interior de Teresópolis, mais precisamente em Bonsucesso, havia um farmacêutico (um prático de farmácia), dizia o povo, era mais respeitado que muito "doutô". O sujeito, atendia a população local em uma sala no interior da farmácia. Receitava remédios pra todo tipo de problemas, obviamente, todos os produtos receitados achavam-se nas prateleiras do seu negócio. Me lembro bem, que em meus primeiros meses no balcão de uma farmácia, me assustava hora ou outra com alguma procura, moças buscando "remédio pra tirá o nenê", os homens e velhos ansiando uma solução para a "paulemolência", outros queriam saber se eu aplicava "injeção pra gonorréia". Os colegas com mais tempo de casa tinham uma caixinha onde depositavam "papelzinhos" com os nomes dos remédios que o povão trazia até o balcão. Lá dento havia coisas escritas como "navagina", dorfreq", "anticepcional", "pomada pra dá o cú", "remédio pra diabetisi", "Aessi" e por ai vai. 

Alguns anos no ramo, me dei conta de que tínhamos um certo poder, as moças nos achavam inteligentes por conseguir decifrar os garranchos dos médicos, por conhecer as fórmulas para emagrecer e aumentar o tesão. A cabine de injeção virava cabine de pegação em alguns momentos. Quanto as drogas mágicas, claro, na minha época não havia mais maconha ou cocaína nas farmácias. As Gotas Nican e o Elixir Paregórico não continham mais ópio. Mas ainda havia uma galera atrás de qualquer onda que fosse, a fragilidade da fiscalização na época, permitia que vendêssemos alguns xaropes maneiros como o Codelassa e o Depakene. A droga mais pesada era, porém, o Artene, um cloridrato de triexifenidil, ou seja, um relaxante muscular que dava muita onda. 

Ao me aproximar dos trinta anos me cansei dessa vida, passei a não me sentir bem vendendo remédios pra emagrecer ou engordar, que na verdade eram pura enganação. Não sei os motivos do Rubem Braga para abandonar a farmácia, sem querer me comparar, longe disso. De minha parte, achei que poderia ir em outra direção na minha caminhada. Sempre que me deparo com uma farmácia em algum cantão deste pais, fico pensando se ainda existe essa figura beatificada no imaginário do povo local; o doutô da farmácia. 

Jonatas Carvalho. 





sábado, dezembro 12, 2020

51 ANOS EM 2020, UMA BOA IDEIA?

É meu Brasil, hoje completo 51 anos e preciso te dizer, oscilo entre a sensatez e insensatez sobre comemorar mais um ano. Porra! É sobre comemorar mais um ano em pleno 2020! Me perturba a ideia de que enquanto eu estou aqui às 7h da manhã refletindo sobre a razoabilidade disto, que milhares de pessoas já compraram a champanhe e estão nas ruas para as compras do natal. Algumas cidades, como Curitiba, que apesar da alta em contaminação e seus quase 2 mil mortos, terá sua programação de natal tradicional garantida. Em Campos do Jordão, o “Natal dos Sonhos” já começou faz tempo e em Blumenau, a “Magia do Natal” está firme e forte. Nem quero pensar no que rolará no réveillon. 

Isso me remete a “Perfeição”, do Legião Urbana, composição de 1993, um exemplo de que algumas músicas são atemporais:

(...)Vamos comemorar como idiotas
A cada fevereiro e feriado
Todos os mortos nas estradas
Os mortos por falta de hospitais
Vamos celebrar nossa justiça
A ganância e a difamação(...)
(...)Vamos celebrar epidemias
É a festa da torcida campeã(...).

Ontem a sogra do meu filho faleceu, vítima de covid-19. Semana passada foi o meu tio, minha tia segue internada em estado grave. Aqui no Rio, vários colegas professores, que como eu foram forçados a voltar às aulas nas instituições privadas, estão contaminados. Muitos sofrendo os horrores psicológicos da possibilidade de internação ou morte. A morte nos sonda de perto enquanto comemos, bebemos e aglomeramos. As elites usam seus fantoches para nos passar uma mensagem: não sejam maricas. É fácil não ser maricas quando se tem uma equipe do Albert Einstein pronta para lhe atender. Quero ver “ser macho” quando se tem quase 500 pessoas disputando um único leito, como é o caso do Rio de Janeiro. 

Sabe Brasil, vou comemorar a vida, mas de luto pelos que sofrem pela perda de seus entes queridos ou pelo desespero e insegurança, se os seus voltarão para casa, após serem intubados em uma terapia intensiva. Comemorar sim, o que não significa fazer festa, nenhuma festança se justifica em um país que está prestes a atingir 200 mil mortes na virada para 2021. Tenho muito pelo que celebrar, fui privilegiado por poder trabalhar em casa a maior parte do ano, pude produzir dois capítulos de livros que serão lançados em breve, artigos para revistas acadêmicas, amadurecer minha tese de doutoramento. Mas isso soa tão pequeno hoje diante de tantas tragédias produzidas. O (des)governo da necropolítica, dos corpos negros acumulando-se nas ruas, a violência doméstica estrondosa, das nossas faunas e floras que se desmancham em fumaça preta no ar.

Mas nada me deixa mais transtornado do que ver os bares e restaurantes lotados, seja no Leblon ou na Vila Madalena, as disputas por espaços nas areias das praias nos domingos ensolarados. “Vamos celebrar a estupidez humana”, é com essa frase que começa a música do Legião que citei acima. “Vamos celebrar nossa desunião”. Perdoai as aglomerações nossas de cada dia. 


Sei que esse texto Brasil, está meio “A palo seco”, estilo Belchior. Mas eu quero mesmo é que “esse texto torto, feito faca, corte a carne de vocês!” Claro, não todos, pois parte dos brasileiros foram incansáveis nas denúncias contra “tudo que está ai”. Enquanto nosso governante mor dizia “e daí?", uma pequena parcela, que vem crescendo, diga-se de passagem, não se acovardou, muitas foram às ações de solidariedade em prol dos desamparados. A ciência brasileira, mesmo sucateada e desprestigiada pelo planalto central, inovou e mostrou todo seu potencial. No seio da Universidade Pública, atacada de todas as formas pelos Weintraubs, emerge a esperança de dias melhores. Nossos artistas, esses que nos trouxeram tanto alento nesses tempos difíceis por meio de lives, muitas das quais inteiramente gratuitas, tiveram que travar duelos duríssimos com um secretário de cultura que copiou propaganda nazista, e outra que minimizou os anos de ditadura, né Regina? Derrubaram ambos. 

E isso Brasil, esses poucos, mas significativos episódios, merecem celebração.

Feliz aniversário! Envelheço na cidade.

12/12/2020.

domingo, agosto 23, 2020

ENTRE PROJEÇÕES E AS MORTES REAIS: O BRASIL QUE IGNOROU A CIÊNCIA E O QUE NÃO IGNOROU.

Em 12 de maio deste ano o Brasil contava com um pouco mais de 12 mil mortes por COVID-19. Na ocasião, o Instituto para Métricas de Saúde e Avaliação (IHME), ligado a Universidade de Washington (USA), havia previsto que o Brasil chegaria a 90 mil mortes no início de agosto, caso não fossem tomadas medidas drásticas de isolamento. A previsão do Instituto fez com que vários governadores reafirmassem a necessidade do isolamento social. Neste mesmo dia Jair Bolsonaro, bradou aos jornalista no Alvorada: "Estamos voltando ao país da fome!" Em um ataque claro aos governadores. Nove dias depois, o Brasil superava 20 mil mortes, o Instituto reavaliou a situação do país, a estimativa chegara a 125 mil mortes no início de agosto. Na verdade nosso Messias já sabia dessas estimativas. Em abril já havia sido alertado pela equipe do Ministério da Saúde que ultrapassaríamos 100 mil mortes em setembro. 

Antes de continuar, se estiver passando pela sua cabeça que o Instituto de Métricas errou as projeções, já te digo que não foi bem assim. A projeção se baseava na situação de maio, momento que Jair pressionava os Estados para relaxar as medidas de isolamento e a Ministra Damares pedia a prisão de prefeitos e governadores. Mas foram esses prefeitos e governadores que conseguiram, mesmo não contando com o apoio do presidente, minimizar os efeitos do vírus nos meses que se seguiram e frustrar minimamente a previsão do Instituto, isto, claro em alguns Estados. O Instituto para Métricas de Saúde havia previsto que São Paulo atingiria 32 mil mortes, os números de hoje são 28 mil. No caso do Rio de Janeiro a diferença é bem maior, estimou-se 25 mil mortes e temos um pouco mais de 15 mil. O alerta serviu para ações importantes no norte e nordeste que na ocasião davam sinais de descontrole da contaminação, a projeção para o Ceará havia subido para 15 mil mortes, hoje o Estado está com um pouco mais de 8 mil. Em Pernambuco, a projeção era de 13 mil, até hoje um pouco mais de 7 mil morreram por lá. Já a região Sul do país, a situação era bem diferente na ocasião. O governador de Santa Catarina, fiel ao Messias, abriu o comércio, em um mês a contaminação por lá triplicou. A projeção de Santa Catarina que não passava de 500 óbitos, hoje ultrapassou os 2 mil. O Rio Grande do Sul tinha em maio uma projeção de um pouco mais de mil mortes, hoje são mais de 3 mil. Já sobre o Paraná, estimava-se que em agosto haveria 600 óbitos, hoje o Estado tem quase 3 mil. Os dados aqui apresentados demonstram a diferença que faz conduzir políticas públicas de saúde pautando-se pela ciência. 

O fato é que mesmo com o esforço de alguns Estados e prefeituras, temos pouco a comemorar ao evitar mais mortes que o previsto, pois chegaremos aos 125 mil mortos em breve, talvez em 5 ou 6 dias, já que hoje estamos atingindo os 115 mil. Lembre-se que estou ignorando aqui toda subnotificação dos óbitos. O que não se pode ignorar é que o presidente tenha conseguido deslocar-se da responsabilidade destas mortes, para uma parcela significativa da sociedade. A pesquisa do Datafolha revelou que para 47% dos brasileiros, o Messias não é culpado pelas mortes, este é o dado surpreendente, dado que fez a esquerda, a direita e toda forma de oposição ao governo a buscar uma explicação. Alguns acharam que a explicação estava no benefício emergencial de R$600,00. Será? Não creio que seja tão simples. Mas este é outro assunto. Seguimos sendo o segundo país do mundo com maior número de óbitos, talvez sejamos ultrapassados pela Índia até dezembro. Aguardemos.

Jonatas Carvalho















sexta-feira, maio 01, 2020

O MESSIAS QUE NÃO FAZ MILAGRES: ENTRE A INOPERÂNCIA E O PROJETO DE PODER.


Um comentário em uma postagem que eu fiz no Facebook sobre o "E daí?", pedia de mim menos julgamento a mais amor com o presidente. "E daí?" é a típica frase de amor cristão, solidário, empático do presidente da república aos mortos deste país e seus familiares. Nosso Messias às avessas é o primeiro a atirar pedras quando se trata da julgar o próximo. 

Mesmo sendo bombardeado após cada frase descabida, que deveria ser inaudita por um chefe de estado, o Messias de Edir Macedo e Malafaia, segue perseguindo o posto de líder mundial mais insensível e insensato do mundo. 

Ontem, um dia após o "E daí?", o presidente disse que o isolamento se mostrou "inútil".  Eu gostaria de dizer o mesmo do senhor presidente, mas o senhor é bem pior que isto, é muito mais que inútil. Se fosse apenas isso, seria fácil de resolver, mas o senhor é perverso, é vingativo, preocupa-se com seu ego e com a manutenção do poder ao melhor estilo maquiavélico e abandona o povo que o senhor diz proteger. Não queremos milagres caro presidente, queremos um chefe de estado de verdade, que atue como líder do Executivo ao invés de transferir responsabilidades.

Se fosse só isso, ainda vai, mas o senhor vai além, muito além. O senhor nunca contribuiu com as medidas de isolamento, pelo contrário, questionou, debochou e incentivou o fim do isolamento. Quem sabe, contaminou muita gente pelo caminho e agora vem questionar a inutilidade das medidas de quarentena? Não é coincidência senhor presidente que o surto de Covid-19 esteja em alta no país, nas últimas semanas o "relaxamento" da população foi gigante, ocorrendo praticamente em todas as capitais. E por que as pessoas relaxaram Sr. presidente? O senhor e seus ministros fizeram o que?

Sua contribuição para o agravamento da epidemia é enorme caro Messias. Quando vemos milhares de pessoas aglomeradas nas portas dos bancos, vocês não demonstram apenas incapacidade de solucionar uma única ação pública, mas desumanidade, estão brincando de um jogo de morte com a vida das pessoas. O Brasil foi um dos últimos do mundo a conseguir testar a população, até a pouco tempo (duas semanas) nossa capacidade de testagem era de 295 pessoas por um milhão de habitantes, a segunda pior do mundo. O senhor tem se recusado a ajudar os estados, alimenta um teatro de sombras com os governadores, enquanto os leitos de UTIs desaparecem e as covas coletivas aumentam.

Sim Sr presidente, as medidas de isolamento no país não detiveram a curva por muito tempo, poderíamos deter por mais tempo se nosso líder não fosse um lunático, megalomaníaco, se ele focasse na resolução das demandas da pandemia, mas o Sr. preferiu intervir na polícia federal e proteger suas crias milicianas. Enquanto isso, nossos profissionais de saúde trabalham em condições precárias, com alto nível de estresse, arriscam a própria vida, sentem-se desprotegidos e desamparados. Quantas vezes o Sr. os elogiou ou incentivou? Quando foi que o Sr. disse "contem comigo!" Mas o Sr. só tem tempo para aqueles que se aglomeram para pedir AI-5, fechamento do congresso e do STF. 

Ao fim, parece mesmo que as coisas estão indo do jeito que o Sr. quer, sempre quis: a contaminação em massa, com mortes em massa, aceleração da curva para sairmos o mais rápido possível disso. “Vai morrer gente, mas fazer o quê!”, claro, o Sr. não é coveiro, imagina, o Sr. é só o carrasco. 

Jonatas Carvalho.

sábado, março 28, 2020

O NEO-UTILITARISMO DO CAPITÃO-PRESIDENTE

Enquanto escrevo estas linhas, o COVID-19 já matou 28.687 pessoas no mundo, no Brasil chegamos a 93 mortes um aumento em 19% de falecimentos em ralação ao dia anterior. A Itália chegou a quase mil mortes em um único dia, a Espanha 832. Os EUA é o primeiro país do mundo a ultrapassar mais 100 mil casos de infectados, registrando até o momento 1.711 mortes. Já são mais de 615 mil infectados no mundo.

Duas publicações científicas recentes, a revista médica Lancet e o "Estudo Global da Covid-19" do Imperial College de Londres, trouxeram prognósticos catastróficos sobre a evolução do vírus na América, citando o Brasil como o maior afetado. As pesquisas por aqui não são menos dramáticas, para começar, a taxa de letalidade do vírus que no início da pandemia chinesa acreditava-se ser inferior a 1%, os estudos recentes já falam em 2,7% (no Brasil). As pesquisas mais ponderadas sugerem que nossa taxa de mortalidade por Covid-19 poderá ultrapassar os 40 mil casos, outros estudos dizem que chegaremos a 100 mil infectados em 5 a 7 dias, atingindo assim a marca de quase três mil mortes.



A única solução para "achatar a curva", termo utilizado pelos pesquisadores estatísticos, é o isolamento radical, a OMS já declarou que o isolamento vertical não resolve, aliás não faltam experiências na Europa e outros continentes que compravam a ineficiência dessa prática. O prefeito de Milão, após a cidade registrar mais de 5 mil mortes, pediu perdão e reconheceu o erro ao apoiar a campanha "Milão não para" ignorando os protocolos da OMS. 

Não tardará muito teremos prefeitos e governadores no Brasil passando pela mesma situação, os índices de mortalidade do vírus depende da reposta, o que implica em primeiro lugar ter testes com resultados rápidos e leitos equipados para os contagiados. No caso brasileiro sabemos que não dispomos de tal estrutura, portanto, se chegarmos a 100 mil casos em uma semana, esse índice de letalidade pode ultrapassar os 3%. 

Acostumado a desconfiar das pesquisas (das eleitorais aos dados do INPE no caso da Amazônia, dentre outras), o presidente da república resolve também questionar os números da pandemia. Se não é novidade o comportamento do Messias ante a ciência e aos cientistas é "terrivelmente" assustador sua insistência na tese da "gripizinha" diante de tantos dados relevantes. Tal insistência fez com que ele fosse o único presidente de uma nação, citado nas publicações científicas, como quem ignora a ciência. 

Bolsonaro faz uso de um tipo de utilitarismo neoliberal, um neoutilitarismo de extrema direita que está disposto a sacrificar vidas em nome de um bem maior: a economia. É claro que uma crise econômica também afetará vidas, mas voltar a "normalidade", não implicará na morte de 5 a 7 mil pessoas como supôs o proprietário da Madero ou o Roberto Justos. A volta a normalidade implicará em mais de 40 mil (podendo chagar a 100 mil) mortes, estará o presidente disposto a arcar com tal número? Negará, como tem feito até aqui, a responsabilidade pelo resultado? Os maiores economistas do mundo sabem que se a pandemia não for controlada o colapso econômico será inevitável.  Pesquisas sobre como a ação radical implicou em recuperação econômica mais rápida na gripe espanhola estão sendo usadas para uma maior reflexão sobre que caminhos devemos tomar.

A liderança desastrosa de Bolsonaro até aqui vem servindo para insuflar uma parcela de radicais da classe média, como vimos ontem a carreata (dos carrões) na República de  Curitiba.  Não se trata de defender o "para tudo", é preciso agir com planejamento e bom senso para evitar um colapso de abastecimento e ao mesmo tempo seguir o protocolos de saúde. Não há um caso no mundo em que as propostas defendidas por Bolsonaro foram implementadas sem o arrependimento. Defender o isolamento de idosos ao mesmo tempo liberar o retorno às aulas nas escolas é de um contra senso inominável. Mas a batalha que Jair está travando terminará com sua derrota, espero que eterna. A justiça brasileira suspendeu o decreto presidencial que flexibilizava o isolamento social, agora a pouco também proibiu a propaganda "o Brasil não pode parar" (parecida com a adotada em Milão), em que o governo utilizou 4,8 milhões da União para tal campanha (dinheiro que poderia ter ido para a saúde). Por outro lado, governadores e prefeitos de todo o Brasil estão se unindo para neutralizar o presidente, um de seus grande aliados, Ronaldo Caiado, governador de Goiás, passou a sofrer ataques nas redes sociais, ao romper com a perspectiva do presidente.  Por sinal, o "gabinete do ódio" está em plena operação, João Dória é a nova prioridade, recebi em um grupo de whatsApp um áudio, a voz de uma mulher dizendo que "Deus" teria lhe revelado que  o Brasil foi curado do vírus, que um político chamado "Jorge Dória" (Deus errou o nome do sujeito) seria um enviado de satanás para destruir o país.  

Jonatas Carvalho






domingo, março 15, 2020

O VÍRUS DA IGNORÂNCIA

Em isolamento, pois faço parte de um grupo privilegiado que pode ter suas atividades suspensas ou atuar no sistema home office, não restou muitas opções: ler, escrever, séries, e acompanhar as redes sociais. 

Apesar de ler uma significativa quantidade de informações úteis, não pude deixar passar em branco a  propagação de teorias conspiratórias, atos pró-insensatez, discursos de negação da realidade; o vírus da ignorância pode ser tão devastador quanto o  COVID-19. 

Comecemos pelas teorias conspiratórias, em vídeos que circulam pela internet, a "China Comunista" é acusada de usar o capitalismo para dar um golpe no mercado econômico. Quão infundada e leviana é tal afirmação, além do mais, carregada de xenofobismo. Nas redes sociais é possível encontrar "notícias" que dizem que o Estado Chinês teria comprado 30%  das ações de empresas ocidentais com sede na Ásia em razão da crise, um boato claro. Os mais de 80 mil infectados e três mil chineses mortos, obrigou o governo a tomar medidas drásticas para deter o avanço do vírus, essas medidas causaram prejuízos gigantescos ao país. Não apenas o Estado Chinês, mas os grupos empresariais chineses, conectados a economia global sofreram grandes perdas. O crescimento econômico da China no último trimestre caiu pela metade, a balança comercial registrou um déficit de 7 bilhões, todos os setores foram atingidos, a crise econômica causada pelo vírus, fez o Banco Central Chinês liberar 70 bilhões de euros para deter a desaceleração.  

É claro que o vírus da ignorância tem componentes de retroalimentação; as notícias falsas e maliciosas. Lideranças neopentecostais como Edir Macedo e Silas Malafaia, desafiaram "seus rebanhos" a ir aos cultos em suas respectivas igrejas. Macedo, alegou que o vírus é uma "tática de satanás" para enfraquecer a fé, já Malafaia, disse que a Igreja deve ser o "último reduto da esperança", e orou para o Deus cristão destruir o vírus. Para se ter uma ideia do impacto que falas como essas podem ter, só a Igreja Universal, possui mais de 7 mil templos e segundo o IBGE, são mais de 1,8 milhões de fiéis só no Brasil. Todavia, é bom lembrar que não são todos o líderes evangélicos do país que pensam assim, muitas igrejas cancelaram seus cultos, outros fizeram transmissão online. 

Por último, não menos sério, os manifestantes dos atos pró governo espalhados pelo país, atos esses enfraquecidos na grande maioria das capitais, do ponto de vista de uma manifestação o que vimos foram pequenos grupos de radicais, mas do ponto de vista da propagação do vírus foi uma verdadeira festa. Os pronunciamentos nos palanques e carros de som são mostras perturbadoras do vírus da ignorância, não bastasse o extremismo político, expressos em cartazes pedindo a "volta do AI-5" ou "fora STF", os grupos que foram às ruas neste dia 15 de março, acumulam um conjunto de ideias preconcebidas com base em pseudociências que vão do terraplanismo aos movimentos antivacinas. O mais grave, em Brasilia, o ato contou com a participação do Presidente da República, contrariando recomendação de monitoramento, já que boa parte da sua comitiva em viagem aos EUA deram positivo para o COVID-19.

O vírus se espalha rápido. Se é verdade que seu potencial de letalidade é baixo, parece que a ausência de medidas sanitárias ou a demora na efetivação de políticas públicas podem resultar em aumento significativo de falecimentos, a Itália, no dia de hoje registrou 368 mortes e mais de 24 mil infectados. No Brasil, o ministério da saúde lançou editais que permitirão ao SUS, maior sistema de saúde pública gratuito do mundo, agir nos municípios. o órgão desenvolveu um aplicativo que permite os  usuários localizar o atendimento mais próximo de suas residências ou do local que estão. Mas contratação de médicos e pessoal de apoio, aplicativo e outros, não são suficientes. Será necessário investir forte em orientação em todos os veículos de comunicação, os casos confirmados aumentaram de 121 no sábado para 200 neste domingo. As áreas de periferias, onde vivem as populações mais vulneráveis, a propagação tende a ser ainda mais rápida e a assistência mais lenta. Com todas as possibilidades do COVID-19 se alastrar  significativamente pelo país nos próximos 15 dias, o vírus da ignorância só contribuirá para potencializar a pandemia. 

Jonatas Carvalho 
Doutorando em Ciências jurídicas e sociais - PPGSD/UFF
Pesquisador no Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos - INCT/InEAC 




domingo, fevereiro 16, 2020

O CRISTIANISMO VERTIGINOSO NO BRASIL


"No cristianismo, nem a moral nem a religião têm qualquer ponto de contado com a realidade. São oferecidas causas puramente imaginárias (“Deus”, “alma”, “eu”, “espírito”, “livre arbítrio” – ou mesmo o “não-livre”) e efeitos puramente imaginários (“pecado”, “salvação”, “graça”, “punição”, “remissão dos pecados”)." Friedrich Nietzsche. O Anticristo, 1895.

É preciso contemporizar Nietzsche, seus ataques ao cristianismo podem parecer agressivos e desrespeitosos, mas o cristianismo que Nietzsche conheceu era muito diferente deste que hoje está vinculado à imagem do papa Francisco. O filólogo alemão não só conheceu um cristianismo permeado de crenças, hoje consideradas fantasiosas, mas estudou vigorosamente a história cristã, até a sua imbricação com o platonismo. 

Da junção platonismo e cristianismo costurada por Agostinho de Hipona e sustentada em Lutero, emergiu uma sociedade cuja moral e religião fora pautada em elementos imaginários, diz Nietzsche. Convictos de que estavam ao lado da mais pura verdade a cristandade ocidental incumbiu a si mesma de espalhar tal verdade pelo mundo afora, demonizando toda e qualquer outra possibilidade de crença e religião. As guerras santas se espalharam ora verbalmente declaradas, ora ocultas e silenciosas. O cristianismo (católico ou protestante) justificou os colonialismos (nas Américas, Ásia e África) e a escravização de uma "raça" em um continente específico, utilizando-se de um bom argumento bíblico. 

Os cristãos católicos dos séculos XVI ao XVIII implementaram nas Américas um projeto evangelizador de aldeamentos que eram resultados das chamadas "guerras justa". Tribunais de Inquisição instalados na América Latina e Central varriam as "redes de feitiçaria" para o inferno. No Brasil a "alma indígena" tornou-se monopólio dos jesuítas. Entre os séculos XIX e XX, no sul dos EUA, bons cristãos protestantes se organizaram para combater o mal negro pós abolição. Cidadãos brancos de bem queimavam residências, linchavam e algumas vezes enforcavam sem julgamento negros suspeitos de crimes, mulheres e meninas eram violentadas. Somente em 1995, a Convenção Batista do Sul, admitiu sua omissão e colaboração com a segregação, 32 anos depois de Martin Luther King escrever da penitenciária de Birminghan uma carta chamando a atenção da igreja para o fato. Em 1910 o papa Pio X criou as chamadas Prefeituras Apostólicas no Brasil, no total de três, todas no território Amazônico. 

O cristianismo passou por transformações sérias e importantes a partir da metade do século XX. Correntes de pensamento humanistas, libertárias, ecumênicas promoveram a difusão de um cristianismo mais tolerante e mais próximo do cristo dos evangelhos. A Teologia da Libertação, possivelmente o evento mais significativo na história da igreja após a Reforma, conectou a igreja com os homens e mulheres simples, e mais importante, mostrou-lhes uma fé que preconizava a autonomia e denunciava a opressão. Uma espécie de contrarreforma emergiu fincada na teologia da prosperidade e nos movimentos carismáticos acusando a teologia da libertação de vínculos com o marxismo. 

O estado brasileiro laico por longas décadas manteve elos em todos seus aparelhos com o cristianismo católico, agora se conecta a fé neopentecostalista, liderada pela Igreja Universal do Reino de Deus. O crescimento da bancada evangélica de cunho neopentecostal nas últimas décadas e o controle de partidos como o PRB permitiu a interiorização de um tipo de pensamento cristão nos mais diversos setores da estrutura pública. Na área da segurança pública a igreja de Edir Macedo atua estrategicamente por meio do projeto Universal nas Forças Policiais (UFP), na área da saúde os ideólogos neopentecostais tomam a agenda da sexualidade, buscando eliminar até mesmo os casos de aborto garantidos por lei (estupro, risco de morte para a mãe e anencefalia). O Plano Nacional de Prevenção ao Risco Sexual Precoce, elaborado pelo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, cuja Ministra é uma pastora neopentecostal, prevê campanhas pelo país pregando a abstinência sexual, proposta esta questionada por diversos cientistas. Nos EUA um enorme volume de instituições religiosas recebem verbas federais para promover políticas de "abstinence only". 

Por falar em abstinência, as políticas de drogas no país foram entregues às comunidades terapêuticas, instituições ligadas em sua maioria a igrejas neopentecostais e comandadas por parlamentares nas câmaras estaduais e federal. A nova política de drogas brasileira se negou a seguir os exemplos cientificamente comprovados e aplicados na maioria dos países, como a redução de danos, e instituiu a abstinência como única solução viável para o tratamento das drogas. 
A relação entre este tipo de cristianismo e o estado brasileiro se tornou ainda mais contundente com a eleição de Bolsonaro. O atual presidente é declaradamente ligado a tal fé, possuindo estreitos laços com Edir Macedo e outras lideranças religiosas que compartilham de tais ideais. Em contrapartida, recebe o apoio incondicional da TV Record que no ano passado, com uma audiência de 15% na TV aberta, a emissora de Edir Macedo recebeu 7,9 milhões do governo federal, isto é, 35% da verba disponível em publicidade. 

A estreita relação entre a presidência e a fé pentecostalista tem promovido nomeações de cargos estratégicos na tentativa de transformar o país em uma república teocrática, o próprio presidente já manifestou seu desejo de escolher alguém terrivelmente evangélico para o cargo de ministro do STF. Enquanto isso não ocorre, um pastor terrivelmente catequizador foi nomeado para assumir a Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato da Funai. O pastor Ricardo Lopes Dias , ligado a Missão Novas Tribos do Brasil, organização estadunidense, foi indicado pela liderança da organização, cujo presidente, o pastor Edward Gomes da Luz, foi gravado dizendo: “A pessoa ou vai
ajoelhar voluntariamente, adorando [ao deus cristão] , ou vai ajoelhar obrigatoriamente, temendo [ao deus cristão]", a fala do líder religioso foi vazada para o The Intercept Brasil.

Outro exemplo é o caso do novo presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, que assumirá a fundação após decisão da justiça (STJ) ter garantido a nomeação do Presidente da República. Sérgio Camargo foi indicado para o cargo pela reverenda Jane Silva, que chegou a ocupar o cargo de Secretária da Diversidade Cultural, mas fora recentemente exonerada pela ministra da pasta da Cultura, Regina Duarte. A atriz assumiu a pasta após a demissão do seu antecessor Roberto Alvim, um cristão que fez um pronunciamento imitando o ministro da comunicação de Hitler. Camargo é negro e cristão, nega que haja racismo no Brasil e é terminantemente contra o dia da consciência negra. 

Finalmente, é fundamental aqui dizer que este texto não é direcionado a atacar aos milhares de homens e mulheres que compartilham da fé cristã evangélica ou católica. Faço aqui referência a um projeto de poder que se utiliza da religião e da fé para atingir seus objetivos. Um Estado cooptado pelo fanatismo religioso seja ele qual for, utilizará de seus instrumentos para perseguir e punir aqueles que não se enquadram na respectiva fé. Não é por outro motivo que o número de ataques as religiões de matriz africanas cresceu em 50% nos últimos anos. Ao Estado cabe garantir a pluralidade da fé e das manifestações religiosas, seu papel é promover a tolerância entre todos os credos, condenar enfaticamente ataques a minorias, mantendo um distanciamento saudável ao mesmo tempo de todos os credos na sua condição sine qua non de laico. 

Me aproprio aqui com o devido respeito do título do documentário "Democracia em Vertigem", de Petra Costa, para dizer que os eventos apresentados acima demonstram minimamente um cristianismo vertiginoso em ação no Brasil. Por vertiginoso entende-se ações arrebatadoras capazes de causar danos e desiquilíbrio. Nossa democracia não está sob ameaça como alguns apregoam, ela já foi tomada por um tipo de aparelhamento religioso, cujas convicções numa economia neoliberal e uma sociedade conservadora devem prevalecer sobre toda e qualquer outra forma de conceber a vida social. Para Nietzsche, as convicções são mais inimigas da verdade que a mentira, pois quem mente sabe que está mentindo, mas o convicto guarda a certeza em si de que apenas a sua verdade é o caminho. 

         Jonatas Carvalho. 
PPGSD - INCT-InEAC/UFF.

























quinta-feira, janeiro 30, 2020

SEM MEDO DE ERRAR

Perdi as contas dos erros que cometi no último ano,
erros como professor,
como aluno,
como sócio de um negócio,
como pai,
como companheiro,
como amigo....
Na verdade, cometi erros ao longo de toda vida.

Errei porque sou humano,
porque é humanamente impossível acertar tudo em todos papéis sociais que exercemos.
Errei porque me desafiei,
porque é melhor errar do que não tentar,
errei,
tentando acertar,
mas bom mesmo é acertar sem precisar errar né?
Não exatamente.

Insistimos na ideia de que existe o CERTO e o ERRADO,
o bem e o mal,
o erro foi associado ao mal em nossa sociedade, 

já foi errado escrever com a mão esquerda,
já foi certo os pais definirem com quem os filhos se casariam,
erros de uma sociedade inteira, de gerações...

Errar é aprendizado,
a ciência tá ai pra mostrar que é,
pegam-se os erros e os transformam em descobertas que mudarão o mundo.

Só sei de uma coisa,
Todas as outras vezes que eu não errei,
eu acertei,
acertei em decidir ser professor,
em continuar estudando,
em ser sócio de um negócio que acredito,
em ser pai de dois seres humanos maravilhosos,
em ser companheiro de uma pessoa incrível,
em ter os amigos que tenho....

Se lidarmos com os erros como parte do processo da vida,
não como um fim de linha, um game over,
eles se tornarão aliados de nosso sucesso.

Jonatas Carvalho.

quarta-feira, janeiro 15, 2020

SOBRE NOSSA VERTIGINOSA DEMOCRACIA E AMERICAN FACTORY; O OSCAR VAI PARA O NEOLIBERALISMO.

Não sou crítico de cinema, documentários e coisas afins, quando assisti “Democracia em Vertigem”, consegui captar (pelo menos acho que sim) a escolha (certeira) do título. Petra Costa, produziu uma obra que cuja narrativa mistura sua história pessoal e familiar com a história política brasileira. Seu objetivo, me pareceu, promover uma análise que vai muito além do impeachment de Dilma Rousseff, mas abordar o quanto nossa democracia é frágil. Por isso é vertiginosa, está sempre oscilando, cambaleante, apesar do discurso sobre as instituições estarem funcionando, um olhar mais observador sobre estas, facilmente detectará que o que temos é uma aparência (maquiavélica) de democracia.

Para aqueles que julgaram o documentário como um panfleto pró PT, só posso dizer que, ou não assistiram de fato, ou não prestaram a atenção devida no mesmo. Petra, inicia a obra tratando da ascensão do PT ao poder e faz duras críticas a política de conciliação com o PMDB, ao mensalão e aos esquemas junto a Petrobras. É claro, boa parte do documentário se concentra no processo de impeachment da ex presidente Dilma Rousseff, e nos brinda com uma sequência de fatos coerentemente colocados que tem como ponto de partida a chamada primavera brasileira em 2013, aquelas manifestações que diziam que não era pelos vinte centavos, lembra? 

A partir daí o que vemos são os equívocos econômicos (política de austeridade) do seu governo em 2014. Dilma cria um pacote anticorrupção (que trazia nele a delação premiada), força os bancos a derrubar os juros, isola Temer e o PMDB. No final de 2014 ela ganha de Aécio (aquele que em um áudio disse: tem que ser um que a gente mata antes dele fazer delação), que nunca aceitou a derrota e prometeu derrubá-la. Aí veio o Eduardo Cunha (o cara que tinha milhões em uma conta na Suíça por meio de uma empresa chamada Jesus.com), que implantou as chamadas pautas bombas na câmara para imobilizar o governo Dilma e contou com o apoio de Aécio, o MBL e a Globo para colocar os verdes-amarelos nas ruas. A Lava-jato de Moro e Dellagnol incriminam Lula, o Gilmar Mendes (sim, ele mesmo) impede que Lula tome posso como Ministro da Casa Civil. O processo do impeachment ocorre tocado por Cunha e com o apoio de 367 deputados que por Deus e suas famílias votaram sim e cantaram “tchau querida”. No senado, o rito contou com o “Supremo com tudo” (lembram do áudio do Jucá?), e tivemos um vampiro presidente. 

Como disse, o documentário é uma mostra de como nossas instituições funcionam, ou melhor, para quem elas funcionam. Alguns anos depois, Teori Zavascki, morrera em um acidente de aéreo, Lula foi condenado, impedido de concorrer com Bolsonaro, e o Procurador Geral de República escolhido a dedo pelo Messias, estancou a sangria, desmobilizando a turma da Lava-jato. O The Intercept Brasil revelou os bastidores dos procuradores e a ativa participação do juiz de primeira instância na investigação e o Deltan (um servidor público), fazendo fortuna com suas informações privilegiadas. 
Apesar de eu achar o documentário da Petra Costa excelente, digno da indicação que recebeu, não creio que ela leve a estatueta, a concorrência é forte, sobretudo, no caso do documentário que recebeu o apoio dos Obamas (Barack e Michelle), “American Factory” (Indústria Americana), dirigidos pelo casal Steven Bognar e Julia Reichert. Trata-se da história de uma fábrica da General Motors que fechou após a crise de 2008 e com ela mais de 8 mil postos de trabalhos também se encerraram. A fábrica localizada em Dayton, no Estado de Ohio, tornou-se anos mais tarde na chinesa “Fuyao Glass América”, produzindo vidros automotivos. O documentário se concentra em tratar do processo de reabertura da fábrica e das diferenças entre a mão de obra chinesa e a estadunidense, assim como os modos de tocar o negócio pelos empresários chineses. 
Inicialmente impressiona (é assim que se escreve senhor ministro da educação), a revelação de alguns trabalhadores sobre o quanto ganhavam na GM e quanto passaram a ganhar na Fuyao executando a mesma atividade, Shawnea, uma operária, conta que recebia US$29, por hora, e que passou a ganhar US$12,84, uma redução de mais de 100% em um espaço de 5 anos. 

O choque só ocorre mesmo quando os diretores da nova fábrica são levados para conhecer a matriz em Fuqing. As diferenças tornam-se ainda maiores, os estadunidenses são incapazes de compreender aquela cultura de trabalho. Para começar os trabalhadores cantam um hino da fábrica que fala sobre transparência, eficiência e muita luta. Se espantam ao saber que o turno dos chineses é de 12 horas e que a maioria deles só descansavam dois dias por mês. Já os chineses achavam os estadunidenses preguiçosos.A coisa fica série quando alguns funcionários da fábrica de Dayton passam a cogitar a criação de um sindicato. A fábrica fora mal avaliada pelos órgãos de controle de qualidades, casos de acidentes de trabalho e denúncias levaram a imprensa a divulgar as más condições dos trabalhadores. A empresa trocou o presidente estadunidense da filial por um presidente chinês. As reuniões de funcionários eram separadas, chineses falavam das dificuldades dos estadunidenses em se adequar ao ritmo produtivo, enquanto estes demostravam sua insatisfação com o tratamento recebido pelos chefes chineses. 

A Fuyao pagou a uma empresa de consultoria mais de 1 milhão de dólares para uma campanha antissindicalista entre seus funcionários. Os funcionários estadunidenses responsáveis pela mobilização do sindicato foram demitidos. Uma votação interna para decidir sobre a sindicalização resultou na derrota para os que queriam o sindicato, foram 868 contra e 444 a favor. O presidente geral da empresa, Cao Dewang, era terminantemente contra a criação de um sindicato, alegando que era espaço para corrupção. O que ele não revelara era que a matriz na China, todos os funcionários eram sindicalizados, mas o sindicato era vinculado ao PC Chinês e o presidente do sindicato era seu cunhado. 

O ensaio de que ambas as culturas coexistiriam em um mesmo espaço com amistosidade e solidariedade, não passou do primeiro ato, o sonho da integração acabara. O documentário termina fazendo uma reflexão sobre como o mundo da automação industrial deslocará 375 milhões de pessoas no mundo até o ano de 2030. 

Confesso que é difícil a decisão sobre o melhor documentário, muito embora, eu não tenha assistido os outros três concorrentes; Honeyland, The Cave e For Sama. Os dois últimos são sobre a guerra na Síria, The Cave me parece ser espetacular, vou assistir ainda essa semana. 

Quanto a relação entre Democracia em Vertigem e American Factory, eu diria que se há uma relação entre os dois é que ambos demonstram efeitos diferentes do avanço do neoliberalismo no mundo. Em democracias vertiginosas como a nossa deve-se desregular o trabalho, desmontar o Estado, obrigando-o a privatizar recursos naturais, para que isso ocorra, vale qualquer negócio, mesmo derrubar um presidente. Já em democracias mais sólidas como é o caso dos EUA (o que não o torna mais sério ou melhor), espera-se, como vem ocorrendo por sinal, o encolhimento da classe média e elevação das desigualdades. O depoimento dos funcionários da Fuyao é sintomático, alguns sabiam que nunca mais voltariam a ganhar o que chegaram a receber no passado, pesquisas revelam que nos últimos 40 anos metade dos estadunidenses só conseguiram elevar sua renda em US$200. 


Jonatas Carvalho.