sexta-feira, dezembro 30, 2022

A "ARTE" DA ESCUTA.

Uma das primeiras e mais primorosas obras sobre a audição foi escrita no início da era cristã, trata-se do Tratado da Escuta (Perì toû akoùein) de Plutarco de Queronéia que viveu entre 50 e 125 d.C. Plutarco é reconhecido como historiador e filósofo, suas obras estão dentre as mais importantes fontes sobre a cultura greco-romana. 

Mas por que haveria alguém a pensar sobre a questão da escuta há dois mil anos? Desde Sócrates o homem se torna de certa forma o ser a ser revelado. Claro, Plutarco escreveu muito sobre outras coisas, matemática, por exemplo. Escreveu também uma obra sobre Alexandre o Grande. Mas interessava a ele, assim como tantos outros discípulos de Platão e Aristóteles, desvendar o ser. 

Então ao tratar sobre os sentidos humanos, olfato, visão, tato, audição, nosso filósofo-historiador se dedica mais a este último. Mas por quê? Não seriam eles igualmente importantes? Haveria algum que se sobressairia sobre os outros? Para Plutarco a questão da escuta merece destaque, ele conclui: "Não se pode não ouvir o que ocorre ao redor de si." Significa dizer que se pode recusar olhar (fechamos os olhos), tocar algo, saborear, mas não se pode recusar ouvir. Por isso, ouvir é pathétikos, isto é, carrega uma passividade em si. Esta passividade, segundo Plutarco, pode ser perfeitamente percebida no corpo, quando este é surpreendido ou abalado pelo que se escuta. Mas o ouvir não é apenas pathétikos, é também  logikós, quer dizer, nenhum outro sentido pode apreender o lógos como o ouvir. Significa que a virtude ou as “sementes da virtude” só podem germinar em nós pela escuta. 

Não é por outra razão que as escolas pitagóricas infligiam o silêncio nos cinco primeiros anos aos iniciados. O silêncio aparece aqui como uma técnica (
tékhne - arte) da escuta, não uma arte no sentido estrito da palavra, pois é mais uma competência, uma habilidade, trata-se tão somente de apreender o lógos, escutar sem intervir, sem objetar, sem opinar, sem acrescentar, sem considerar, apenas escutar. Plutarco, por sinal, chega a conclusão que o tagarela sofre de uma anomalia curiosa: o ouvido do tagarela não se comunica com a alma, mas sim com a língua. 

O silêncio não é suficiente para uma escuta virtuosa, a passividade então dá as mãos a uma atitude, ou seja, uma postura ativa, a saber: a alma deve acolher sem perturbações a palavra (lógos) endereçada. O corpo deve reagir tranquilamente, o mais imóvel possível a fim de ponderar o que se ouviu. Quanto a esta imperturbabilidade da alma, tanto Sêneca como Epicteto deixaram muitos ensinamentos, este último, um escravo-filósofo, dissera: “quando quiseres ouvir um filósofo, não lhe perguntes: O que tens a dizer-me? Contenta-te em mostrar tua própria competência em ouvir.” 

Finalmente, essa “arte da escuta” que requer o silêncio, mas também um acolhimento sem perturbações da alma para apreender o lógos, necessita ainda de um autoexame. Plutarco usa como analogia um salão de cabeleireiro, pois nunca deixamos um salão sem ter lançado um olhar, mesmo que por vezes discreto, ao espelho para ver como ficamos. A escuta agora é também reflexiva, ela implica em verificar se o que ouvimos (aquela verdade), pode ou deve fazer sentido para si, se vai acrescentar a si, se devemos fazê-la nossa verdade. 

A relação palavra-escuta é absoluta, uma não pode ser separada da outra, é possível ouvir sons que não são palavras (a natureza por exemplo), mas esses sons só ganham “sentido” quando convertidos em signos (palavras), segundo alguns, este é nosso diferencial ante as demais espécies; ter constituído sentido para o que fazemos por meio de signos. 

A razão iluminista sequestrou a palavra (razão), transferindo o poder de dizer a verdade apenas ao homem branco ocidental e bem nascido, aos demais humanos, caberia apenas ouvir essa verdade que se pretendia única e universal. Freud surge nessa sociedade, em que por exemplo, o médico era o único detentor da verdade sobre a doença, caberia a ele observar e diagnosticar o paciente, sem sequer ouvi-lo. Ele subverte esta medicina niilista por uma proposta que implica duas ações: escutar as palavras do outro e produzir palavras que iriam ao encontro das demandas do outro. A psicanálise subverte a medicina ao considerar as singularidades humanas, o “paciente” passa a ser “ativo” no que tange a cura. 

Ao introduzir a noção de inconsciente a fala é deslocada para um lugar outro, não mais aquele da razão, mas um lugar em que a fala se expressa para além das palavras, o corpo se comunica, diz ou deixa de dizer, o que também é um dizer. Mas o que nos importa aqui, onde Fred dialoga com o que escrevi até aqui, é como ele propõe uma escuta treinada, ou um “método da escuta''. Segundo ele, o domínio técnico para uma boa escuta só pode ser alcançado com a experiência clínica, o que significa muito mais que clinicar, tem a ver com a “escuta de si”, isto é, uma análise pessoal, um autoanalisar-se. 

Sabemos o quanto os gregos foram importante para Freud, sabemos como os mitos gregos instrumentaram seus escritos. A tragédia grega exprimia as origens dos sentimentos humanos, dos nossos desejos mais sórdidos e de nossa vilania. A moral e a religião são o núcleo de todas as neuroses. Em 1933 ele escreveu: “A teoria dos instintos é, por assim dizer, nossa mitologia. Os instintos são entidades míticas, magníficos em sua imprecisão. Em nosso trabalho, não podemos desprezá-los,nem por um só momento, de vez que nunca estamos seguros de os estarmos vendo claramente”.  

Claramente o ouvir o outro é o princípio fundamental para se estabelecer laços e estreitamentos. Podemos saber de alguém observando suas atitudes, o modo como reagimos a vida revela muito sobre nós, mas só se conhece alguém, só é possível saber as necessidades do outro ouvindo-o. Isto exige de nós pelo menos duas qualidades básicas, a da alteridade, isto é, saber que o outro é diferente de você, logo, ele reage ao mundo de modo igualmente diferente, nem melhor, nem pior, apenas diferente. A outra é a empatia, ou seja, a capacidade de apreender do modo como o outro aprende, isto é mais que compreender, trata-se de se colocar no lugar mesmo do outro, sem senãos, sem pré-juízos, apenas estar lá “junto-com” e “sentir-com”. Em tempos em que somos mediatizados por milhões de imagens e palavras, quando muito se quer falar, mas não escutar, que possamos fazer um movimento de voltar a ouvir com mais qualidade. 


* A história de Plutarco e a sua obra sobre a escuta me apropriei da obra de Foucault " A Hermenêutica do Sujeito" 1981-1982.

 

terça-feira, dezembro 27, 2022

SAUDADE DE TI

Sinto saudade de ti como a lua sente do sol, 

com a cuia sente da bomba, 

como o colibri sente da flor, 

como a terra sente da chuva. 

Tenho saudade de ti, 

como as marés tem da areia da praia, 

como o palhaço tem da criança, 

como o orvalho tem da folha. 

A saudade de ti me consome, 

como o fogo faz com a madeira seca, 

como o mar ressacado faz com a costa, 

como as horas faz com o dia. 

A saudade de ti me dá esperança, 

como a paz nos tempos de guerra, 

como a justiça ao condenado, 

como flor a espera do sol para desabrochar,

como a vida que acabou de ser concebida. 

Sinto saudade do teu sorriro largo e generoso, 

da tua boca insaciável em beijar, 

dos teus olhos atentos, 

das tuas mãos fortes e meigas,

da tua barriga...

ai que saudade de ti. 

Jcarval. 

segunda-feira, dezembro 26, 2022

AS INFÂNCIAS ROUBADAS NO BRASIL: "MENINOS 23"

Hoje se celebra o natal nas sociedades ocidentais, eu poderia escrever muitas coisas sobre essa data, mas não seria nenhuma novidade, muito já se escreveu sobre como essa tradição foi construída, como a igreja romana se apropriou de certas celebrações politeístas e depois como uma empresa de refrigerantes “inventou” um velhinho presenteador, transformando a celebração em um grande festival de consumo.

Mas eu não quero me deter nisto, quero refletir sobre esse tema a partir do documentário “Menino 23: infâncias perdidas no Brasil”, dirigido por Belisário Franca, baseado na investigação histórica de Sidney Aguilar. Não vou evitar o famoso "spoiler", o documentário é de 2016 e de toda forma não dá para descrever com palavras seu conteúdo, quem quiser assistir eis o Link

Não vou fazer grandes elaborações, apesar de desejar, não me sinto preparado para tanto. Imagino que muita gente boa já tenha escrito sobre, sem contar a tese do próprio Sidney: Educação, Autoritarismo e Eugenia: Exploração do Trabalho e violência à infância no Brasil (1930-45) - USP -2011.

Por ter assistido esse documentário só agora, semana passada, tão perto das nossas festividades de final de ano, comecei a pensar no subtítulo do documentário “infâncias perdidas”, devo confessar que mesmo tendo sido profundamente impactado pelo roteiro e imagens, de ter achado perfeito em todos os sentidos, não consigo concordar com esse subtítulo, explicarei.

A história, mais um capítulo absurdo da nossa herança escravagista, revela como uma família poderosa de rica (os Rocha Miranda), “adotaram” junto a uma Santa Casa de Misericórdia, CINQUENTA MENINOS NEGROS para viver em uma fazenda com a promessa de que eles seriam educados, mas foram mesmo é escravizados por anos. A fazenda era um tipo de campo de concentração para negros, o gado nelore era marcado com o símbolo da suástica, os tijolos feitos na fazenda também traziam o mesmo símbolo. Com o Brasil entrando na Guerra (2ª Guerra), ao lado dos Aliados, a situação para os nazistas por aqui começou ficar apertada, os Rocha Miranda fecharam a fazenda e despejaram os meninos (agora adolescentes). Anos em um orfanato (porque ninguém queria adotar crianças negras), depois trabalhando como escravos, agora soltos no mundo sem saber o que fazer, para onde ir... outra abolição.

Mas essas infâncias não foram perdidas, foram roubadas. Roubadas pela elite branca, racista e eugenista, cujos herdeiros ainda gozam das grandes propriedades e patrimônios, enquanto vomitam moralidades meritocráticas.

Gabriel, 12 anos. Foto de João
Paulo Guimarães 
Fiquei pensando em quantos natais esses meninos passaram na condição de escravos, meninos que sequer nome tinham, eram numerados, por isso o 23 (seu nome de batismo era Aloízio Silva). Isso me faz pensar quantas crianças nestes Brasil ainda têm suas infâncias roubadas. Será que as crianças que se acham dormindo sob os viadutos urbanos não se enquadram nesses termos? O que significa ter uma infância perdida? Você nasce pobre e desde cedo tem que trabalhar na pequena porção de terra que sua família tem para subsistência….acho que pode ser uma possibilidade, mas não fecho questão. Você nasce em uma família abastada e esta família resolve fazer de você uma pop star, então você não tem tempo a perder, desde cedo tem dezenas de compromissos… outra possibilidade, mas sigo não fechando questão. Mas quando você vive nas ruas, catando coisas dos lixões, vendendo paçoca nos sinais ou água nas praias… sua infância foi sim roubada.

O modelo de sociedade que vivemos, onde nós somos responsáveis integrais pelos nossos sucessos e fracassos, a criança que vive na rua não é um problema nosso, ela é fruto do fracasso de quem a gerou, pouco importa se quem a gerou também teve sua infância roubada. O capitalismo teve como um de seus grandes tentáculos ideológicos a produção do individualismo. Não sendo responsabilidade nossa, essas crianças vagam pelas ruas das cidades como fantasmas, invisíveis, apenas são notadas quando representam alguma ameaça aos cidadãos e cidadãs de bem. Mas se elas não são nosso problema, são ao mesmo tempo exploradas por nós, porque quando compramos água de uma criança na praia, não estamos ajudando-a, estamos explorando-a. Há milhões de “meninos 23” ainda neste país, crianças invisibilizadas que estão tendo sua infância roubada sim, porque se nós enquanto sociedade seguimos ignorando suas condições, contribuímos para a exploração de suas infâncias quando não as tiramos de lá.




terça-feira, dezembro 13, 2022

A INTENSIDADE DO ENVELHECER.

Há muitas boas análises sobre o envelhecimento, possivelmente nenhuma delas devem ser tomadas como a "mais pura verdade", pois os humanos absorvem a velhice de modo muito diferente. Esses modos diferentes dependem ainda, de como as sociedades em diferentes épocas estabelecem o valor (moral) para a "velhice". Há sociedades em que a velhice é consagrada, os mais velhos (anciãos), são absolutamente respeitados, são ouvidos e considerados, nada é decidido sem que se escute o mais sábio. Por esses motivos, os mais velhos recebem cuidados especiais e são reverenciados. Em outras sociedades a velhice é tomada como algo senil, os mais velhos são excluídos das decisões, são retratos da debilidade e do atraso, não têm o que oferecer de novo. Nessas sociedades cuidar dos mais velhos é algo que se terceiriza, porque é uma fardo, não há tempo para se dedicar a velhice, aquele que cuidou e zelou por nós, é condenado a passar o resto de seus dias em um asilo, uma instituição que é um dos maiores símbolos de uma sociedade narcísica. Esse é o nosso caso, Gustav Klimt já denunciava como nossa sociedade tem vergonha da velhice, em sua obra "As três idades da mulher" (1905), quando a mulher velha tem seu rosto encoberto pelos cabelos. 

Por que escrevo sobre a velhice? Porque hoje estou mais perto dela do que já estive antes. Ao concluir 53 anos, sabemos que uma vez tendo ultrapassado o meio século, não há mais retorno, o caminho em direção a morte é cada vez mais certo. Mas isso há razão para se angustiar, carrego comigo a máxima epicurista sobre morrer, "se a morte é o fim das sensações, ela não pode ser fisicamente dolorosa, e, se é o fim da consciência, não pode causar dor emocional. Ou seja, não há nada a temer."

Quanto à velhice, me pego sempre pensando nela, em como desfrutar desse tempus fugit. Passei minha vida inteira sendo um profanador, dessacralizando tudo que se considera sagrado, desnaturalizando tudo que foi naturalizado, sempre resistindo aos dogmatismos, nunca me rendendo às imposições sociais. Portanto, não serei um velhinho adaptado aos padrões da velhice, farei com a minha velhice o que minha mente mandar e se meu coração não aguentar então paciência... não vejo sentido nesse culto a uma longevidade, quero intensidade, quero amor fati.

Quero viver plenamente a metanóia junguiana, um diálogo aberto entre todas minhas personas e minhas sombras. Como Rubem Alves, não penso na velhice como processo biológico, penso como acontecimento estético, que diferente da beleza das manhãs, envelhecer é crepúsculo. Cito um trecho:

No crepúsculo tomamos consciência do tempo. Nas manhãs o céu é como um mar azul, imóvel. No crepúsculo as cores se põem em movimento: o azul vira verde, o verde vira amarelo, o amarelo vira abóbora, o abóbora vira vermelho, o vermelho vira roxo – tudo rapidamente. Ao sentir a passagem do tempo nos apercebemos que é preciso viver o momento intensamente.

Intensidade não significa viver aloprando, trata-se da crítica de lobão sobre a Decadence avec elegance, mas não é sobre viver "10 anos a mil do que mil anos a dez". A intensidade não é oposição a extensão ou a duração, ela é vibração do ser no presente, é a potência própria de toda sensibilidade. É sobre se permitir encantar com o vento no rosto, com o efeito da luz sobre um tronco de árvore, com a melodia da chuva ou o ritmo dos sabiás. A intensidade pode ser experimentada nos detalhes da existência, desde o sorriso de uma criança, até no abanar de rabo de um cão ou no ronronar de um gato. Há intensidade no ato de compartilhar, ao dividir o almoço ou um lençol, ao trocar com outro poemas e músicas. E como escreveu Drummond "Eterno é tudo aquilo que vive uma fração de segundo mas com tamanha intensidade que se petrifica e nenhuma força o resgata."

Carpe Diem,
Jonatas Carvalho.
 



 

quarta-feira, novembro 30, 2022

FLOR DO SUL

 

FLOR DO SUL


Brinco-de-princesa. 
Como o brinco-de-princesa,

viestes das terras geladas,

mas tens um sorriso de verão,

tua voz é jazz,

teus olhos espelham vida.


Flor do Sul,

de aroma denso,

tens a intensidade das marés,

a alegria dos colibris,

a beleza da primavera.


Flor do Sul 

fosse eu um quero-quero,

nos campos dos Pampas, 

buscaria morada em ti. 

segunda-feira, novembro 28, 2022

AS INSTITUIÇÕES ESTÃO FUNCIONANDO, SEMPRE FUNCIONARAM: MAS NÃO PARA O POVO.


O pós-eleições tem demostrado como boa parte da esquerda brasileira é simplória no que tange às análises sobre as relações de poder entre o Estado-Nação e o Grande Capital. Se não é deficiência de análise então é puro marketing, o que torna a coisa ainda pior. Para começar, o endosso às instituições “garantidoras da democracia”, tal como o STF é um absurdo. O louvor ao "Xandão" é fruto da nossa necessidade de heroísmo, nós já vimos o que acontece quando elegemos heróis de toga (ou de farda), um ex juiz e ex ministro da justiça vinculado à ultradireita agora será senador da república. Não consigo conceber como se cai fácil nesse jogo da extrema direita, quer dizer então que se eles batem no STF, nós temos que passar a defender a instituição? Não, não devemos. As instituições do Estado-Nação só tem uma finalidade: defender os interesses do Grande Capital. O Xandão segue sendo o mesmo Xandão que foi secretário de segurança pública de São Paulo sob a tutela de Geraldo Alckmin e posteriormente Ministro da Justiça de Michel Temer, isto é, envolvido até o talo com esse Estado repressor das minorias, profundamente beneficiado com o impedimento de Dilma Roussef. A esquerda esqueceu da sabatina do Xandão no Senado? Esqueceram o plágio?

Onde estavam as instituições nos últimos quatro anos? Pior, onde estavam quando ao longo do processo de cassação da presidenta Dilma? Eu digo, estavam lado a lado com os golpistas. Não esquecerei a cara do Lewandowski ao conduzir o processo final da cassação de Dilma no senado, era o semblante de quem sabia que estava conduzindo um rito mergulhado em farsa, mas era necessário dar a aparência de legalidade, era importante fazer parecer que estávamos dentro do jogo democrático. O que fez o STF no caso mais bizarro de “lawfare” da história desse país contra Lula? A história do STF é a história da aparência da legalidade. As omissões diante do Grande Capital são inumeráveis, as concessões as oligarquias nacionais são intermináveis. O que faziam os ministros do Supremo em Nova Iorque há algumas semanas em evento financiado pelo pessoal da Faria Lima? Por que os ministros do maior tribunal de justiça desse país participam de um evento assim? Algumas empresas presentes no evento possuem processos na justiça, como é o caso do Banco Master que teria pago as passagens, segundo algumas apurações jornalísticas.

Outro dia eu conversava com um jovem que se diz “anarcocapitalista”, na impetuosidade jovial ele dizia que o Estado tem que acabar de vez. Eu tentei explicar a ele, tentei, mas me parece que não deu certo, pelo menos a curto prazo. Disse-lhe que o Estado não vai acabar porque ele é fruto próprio do Capital. O capitalismo se expandiu utilizando o Estado como escudo e arma. Não é preciso muito para entender isso, basta ver como se deram as invasões ocidentais pelo Atlântico e Pacífico ao longo dos séculos XVI ao XIX. A história da “expansão europeia”, é a história de como as corporações privadas se valeram do Estado-Nação para expropriar as riquezas dos povos americanos, asiáticos e africanos, os reis são um detalhe nisso tudo. Não demorou para que as monarquias desmoronassem uma a uma e os Estados europeus passassem a ser conduzidos por parlamentos dominados pelas grandes corporações. Quando o Estado cria uma legislação protecionista, devemos ler o seguinte: o capital se vale do Estado para se proteger da concorrência. Quando o Estado monopoliza um determinado serviço, devemos ler: o capital privado se vale do Estado para garantir exclusividade de seu negócio.

O Estado e suas instituições são instrumentos do Grande Capital. Trata-se de uma fórmula brilhante, as corporações estabelecem por meio do direito, como o Estado irá garantir seu sucesso. Basta olhar a produção de leis e normas de um Estado para percebermos como a propriedade privada é salvaguardada. Porque o Estado tem o monopólio da força? Para proteger a propriedade privada. Não há relação com o chamado "Estado Democrático de Direito", isso é ideologia. E quando eu falo de propriedade privada não me refiro ao seu carro popular zero, ou o seu apê pago com financiamento da Caixa. Me refiro as grandes propriedades. Quando digo grande é grande mesmo, por exemplo, todos os Estados do mundo possuem dívida externa, para pegar apenas alguns Estados com forte economia, os EUA deve 22 tri, o Reino Unido 9 tri, a Alemanha 6 tri, o Brasil 5 tri. Eu te pergunto, para quem vai essa grana toda? Ou melhor, quem recebe todo esse juros? Sim, são os banqueiros que ficam com essa grana, um pouco mais de dez bancos no mundo recebem todo o juros de mais de uma centena de países. É o Estado literalmente na mão do Grande Capital.

Não é por outra razão que vemos a predominância mundial de modelos republicanos de economia neoliberal. Se o Estado-Nação é sequestrado pelo Grande Capital, logo, este deve jogar conforme as regras do sequestrador. A ideia de um Estado Mínimo = Eficiência, tão precariamente pregada pelo último candidato do Partido Novo à presidência da república, é uma “tistreza.” Nunca se tratou de ineficiência, se trata de projeto. Já observou como as áreas de arrecadação do Estado são primorosas? Já percebeu como nossa Receita Federal é de ponta? Então a “Máquina” funciona maravilhosamente bem quando se trata de entradas, mas é absurdamente burocrática quando se trata de saídas. Isto é proposital, não uma anomalia.

Não é por outra razão que casos como Brumadinho (2019), se arrastam na justiça, por falar nisso, observe como o caso é descrito no Wikipédia, “foi o maior acidente de trabalho no Brasil em perda de vidas humanas”, não se trata de acidente de trabalho, se trata de negligência para dizer o mínimo. A Vale do Rio Doce, vem praticando crimes ambientais há décadas. O documentário “Na Fronteira do Fim do Mundo” (2021), de Ismael Machado, mostra como a mineradora que teve o maior lucro da história no Brasil (121 Bi), comete atrocidades no Pará, uma estrada de ferro que segue atravessando a cidade de Canaã dos Carajás, expulsando moradores, destruindo fazendas e transformando a cidade em uma zona de mineração. É uma espécie de reedição do que a Brazil Railway, de Percival Farqhuar realizou com Estrada de Ferro Madeira-Mamoré e no Contestado.

Pergunto, as instituições estão funcionando para nossos povos originários? Enquanto o STF empurra com a barriga a decisão sobre o Marco Temporal (aliás o último pedido de “vistas”, que suspendeu o julgamento fora feito pelo Xandão), ao longo dos anos do governo das atrocidades do Messias, as nações indígenas estão sendo dizimadas e suas terras invadidas. Estão funcionando para os 40% de presos provisórios deste país, cuja população carcerária é a terceira maior do mundo? Elas funcionam para os moradores das comunidades do Rio de Janeiro que receberam nos últimos dois anos mais de 1.300 “operações policiais”? Só na “gestão” de Cláudio Castro a polícia já executou 330 pessoas em 74 “operações policiais”, são chacinas cotidianas de corpos negros.

Então, não, eu não me inclinarei às instituições. Tomando aqui Bourdieu de modo rasteiro como referência, elas funcionam como garantidoras das desigualdades sociais, são mantenedoras de um sistema de distribuição desigual de capital simbólico, cujo acesso é restrito àqueles que possuem tais capitais (político, econômico, social) e mantém os destituídos de capital sem acesso ao campo social (instituições). Sim as instituições estão funcionando, nunca pararam de funcionar, mas o jogo que elas jogam, apenas poucos podem jogar.

Jonatas Carvalho


quinta-feira, novembro 24, 2022

FELIPE:O UBER ANTIFA

São Paulo, 11/11/22. 

Entro no Uber em direção Barra Funda, passaria o final de semana/feriadão no RJ. Ao volante um homem negro, magro, educado, com sotaque do Sul. Perguntei de onde era:

De Capão da Canoa.

Um pouquinho acima de Tramandaí né? Respondi. Ele se animou.

Tu conheces??

Morei no Sul, mas já faz um longo tempo.


O papo seguiu à gauchês, falei sobre minhas passagens por Cidreira, Osório, Cruz Alta, Panambi, Palmeiras das Missões, Novo Hamburgo, Torres…

Perguntei-lhe sobre as razões de ter vindo para Sampa, no primeiro momento falou em oportunidade de emprego, <era mecânico de aeronaves>, mencionou seus desejos e objetivos, mas, por fim, citou o racismo no Sul.



Ohh povo racista viu tio! Lá em Capão eu estudava numa escola de Alemão, eu era o único negão...hahaha.

Te zoavam muito?

Sim, mas eu zoava mais…hahaha. Chamava os muleque de broto de capim limão, tá ligado?

Mudei de assunto, perguntei-lhe se em Sampa se sentia melhor. Ele disse que sim.

Só que ai veio esses fascistas né tio? Ai ficou foda viu?

Você transporta muitos deles por ai?

Tem muito tchê! Vou te falar, meu, dá pra passar raiva, mas já ri muito também. Outro dia peguei um aqui, advinha o destino?? Aeroporto de Guarulhos! Rodovias bloqueadas pelos patriotas, falei pra ele que ia perder o voo. Ele xingou. Ai mandei logo um “patriotismo tem seu preço né?” Hahahaha.

O que você fez? Perguntei.

Ai eu deitei e rolei né tio. O cara tava nitidamente dividido com a situação, não queria condenar os bloqueios, mas sabia que ia se fudê, passagem de avião tá uma grana da porra! Hahahaha. Eu conheço muito aquela região ali, trabalhei no aeroporto. Falei pra ele que sabia um jeito de nós chegar, mas ia custar 100 mangos por fora.

Ele topou?

Lógico! Ainda parei uns dois quarteirões antes, pra fazer o cidadão de bem andar um pouquinho né?

Muitas risadas. Cheguei ao meu destino.

Obrigado Felipe, foi muito bom nosso papo.

Dá hora tio! Já te falaram que tu é a cara do Marx?

Rsrsrs…..Já.

Tem Insta?

Tenho. Anota ai.

Eu e Felipe agora somos amigos de rede social.


Jonatas Carvalho

sexta-feira, outubro 28, 2022

FAKE NEWS E A PRODUÇÃO DO MEDO: UM CASO REAL.

Após uma pequena temporada em São Paulo, ontem estive em Niterói para almoçar com uma velha amiga. Ao chegar, fiquei feliz em reencontrar G......., diarista que conheço há muitos anos. G...... é uma criatura doce e meiga, uma dessas mulheres guerreiras que lutam diariamente pela manutenção da família. Discreta e de uma simplicidade singular, G....... é negra, evangélica e vive na periferia da cidade. Ela puxou papo comigo sobre as eleições no próximo domingo. Eu entrei no papo e brinquei se ela estava pronta para vota no 13, seu semblante imediatamente transpareceu um receio, então ela confirmou:

Estou na dúvida. Perguntei o que lhe incomodava, ela não quis dizer, ficou inibida. Disse-lhe que podia falar sem medo, mas ela insistiu em não dizer, apenas dizia que estava muito indecisa. Como nos conhecemos há anos, tomei a liberdade de seguir com o questionamento:

Fale comigo meu bem, do que tens medo? Ela riu sem graça. Então eu disse:

G......., você tem medo que o Lula feche as igrejas, é isso? Ela respondeu:

É isso. A gente escuta muita coisa e não sabe em quem confiar.

Eu lhe disse que essa história de fechar igrejas era uma grande mentira. Contei-lhe que Lula foi presidente por oito anos nesse país e as igrejas evangélicas se multiplicaram nesse período, disse-lhe que foi Lula que sancionou a Lei de Liberdade Religiosa em 2003. Ela, demonstrando mais tranquilidade rebateu:

Eu ouço por ai que naquela época a gente tinha mais condições né? Não era essa dificuldade que é hoje. G........ tem mais de 50 anos, então eu indaguei:

Minha querida, você se lembra dessa época. Não lembra? Então ela concordou.

Lembro, a gente recebia o salário, dava pra ir no mercado e comprar o que precisava, hoje não dá mais, tá muito difícil.


Fiquei pensando nesse meu diálogo com a G.........., sobre a velha tática fascista da produção do medo. A extrema direita, com sua avassaladora máquina de propagação de mentira, sabe exatamente como e onde atingir as massas, eles estudam suas fragilidades e carências atacando fortemente essas vulnerabilidades.

No caso da G........., vejam, seu impasse se tratava de escolher entre voltar a comer melhor ou ver sua igreja ser fechada. Era isso que passava na cabeça dela. Ela tem consciência de que seu poder de compra era muito melhor na era Lula, isso está na sua memória afetiva, mas encheram sua cabeça de dúvida, culpa e medo. Votar no Lula poderia comprometer algo que lhe é tão sagrado quanto se alimentar com dignidade: sua fé. O direito de congregar com seus irmãos de fé lhe é tão vital quanto partilhar o pão em casa. G.......estava sofrendo, não sabia que lado seu “trairia”. Eu lhe disse que se esse era seu problema, que ela podia votar 13 de consciência tranquila, porque ninguém lhe tiraria seu direito de exercer sua fé e que sua igreja seguiria aberta para que ela e todos os outros membros tenham a liberdade de culto garantidas. Por fim, disse-lhe que se ela escolher o 13 estará escolhendo um governo onde ela poderá ter as duas coisas, a igreja aberta e a comida no prato.

Obs. Fiz alterações sobre os lugares e as poessoas para preservar a identidade de G....., mas os diálogos são reais. 

Jonatas Carvalho. 

   

domingo, outubro 23, 2022

A estátua da liberdade e o papagaio de pirata.

Esta reflexão é dedicada aos que justificam seu voto no candidato à reeleição pela extrema direita, sob alegação de princípios como: "liberdades econômicas", "moral e bons costumes" ou "valores cristãos". Já escrevi aqui recentemente sobre o problema das convicções,em que tratei da dificuldade do convicto, mesmo diante de tantas evidências, recusar a ver o erro de sua escolha. Já dizia um velho adágio, quando estamos tomados por uma convicção não conseguimos enxergar um não, mesmo que este seja do tamanho de um elefante, mas vemos com empolgação um sim no tamanho de uma borboleta. 

Vou por partes na tentativa de elucidar o quanto de engano há nas alegações acima. Liberdades Econômicas: 

A tese da liberdade econômica é muito bem construída no marketing, mas ela foi produzida pelas grandes elites econômicas, cujos interesses são absolutamente distintos de nós, seres humanos normais que lutam com dificuldades para pagar as contas ao final do mês. O que querem os defensores das liberdades econômicas? Que o Estado para de se meter nos seus negócios? Promover a livre iniciativa? Gerar uma sociedade mais competitiva? Nenhuma das opções. Isso é o que está no panfleto. Na prática, trata-se sempre de uma única coisa: ampliar o lucro. Para isso, esses grandes senhores de bem, defensores das liberdades econômicas, fazem fortunas a custa do Estado e da exploração da classe trabalhadora. 

Vejamos o caso do Sr. Luciano Hang, um cidadão que fez 57 operações de empréstimos no BNDES entre os anos de 1993 e 2014, logo boa parte do dinheiro que ele pegou para ampliar seus negócios foram ao longo do governo do PT (2003-2016). Ainda assim, esse senhor que se veste como uma maritaca, mas é um típico papagaio de pirata, é capaz de pedir ao secretário de Fazenda do Estado de Santa Catarina que "atrase os salários dos professores,"que "demita a metade dos diabos dos professores!" Para que possam lucrar vale tudo, sonegar milhões em impostos, atacar a classe trabalhadora e os servidores públicos, como é o caso dos professores. 

É assim que pensam essas "elites", ou aqueles que estão a seu serviço, como é o caso de Paulos Guedes que na fatídica reunião ministerial de 2020 disse: "nós já botamos a granada no bolso do inimigo, dois anos sem aumento de salário." Nesta semana, o ministro da economia assinalou sobre sua intenção de desindexar o salário mínimo, o que impactaria fortemente os aposentados e pensionistas. Há projetos do reduzir o valor do FGTS e de "flexibilizar" as horas extras de quem trabalha nos domingos e feriados, este último barrado no senado em 2019, mas nada impede de se buscar novamente em um próximo mandato. 

O governo defensor das liberdades econômicas, é o governo que busca destruir as garantias trabalhistas, alegam que tais ações estimularia mais empregos, mas em que condições? O trabalho que cresce vertiginosamente no Brasil desde 2017 é o informal, milhões de brasileiros literalmente sozinhos, absolutamente abandonados a própria sorte em um mundo desigual. Enquanto isso, nunca se viu aumentar tanto o número dos super-ricos ou milionários por aqui. Quando vemos "patrões" pressionando ou mesmo ameaçando seus funcionários a votar a favor de seu candidato, eles estão defendendo a si próprios, e saibam, isso não significa defender seus empregados, ao contrário, significa que esses patrões sabem que, continuando o projeto que ai está, a possibilidade em reduzir ainda mais o "gasto" com o empregado é maior. Reduzir o "gasto" com o empregado é, na prática, retirar ainda mais direitos dessa classe.

Luciano Hang, não é a elite, ele é um serviçal da verdaddeira elite, mas segue suas práticas, fazendo sua fortuna por meio de financiamento público que vira calote público, portanto, onera as classes populares duas vezes, quando não paga o dinheiro que é fruto de impostos pagos por brasileiros/brasileiras e quando trabalha para retirar direitos trabalhistas de seus empregados. Mas e as outras pautas, as de moral e bons costumes, as dos valores cristãos? Bem, quem age assim, não se pauta nem em moral nem em qualquer valor, estamos falando dos verdadeiros parasitas de nossa sociedade.

quinta-feira, outubro 13, 2022

DISSONÂNCIAS COGNITIVAS E A PRODUÇÃO DA (PÓS)VERDADE.

 

É quase óbvio supor que as pessoas constroem suas bases ideológicas lingado-as a um determinado conjunto de racionalidades que lhes dão sentido existencial. Escrevo “quase óbvio”, porque realmente isso nos parece evidente, mas não é tão simples assim. Nós humanos, justamente porque necessitamos dar sentidos e significados ao que fazemos, uma diferença que, ao que parece, nos singulariza ante as outras espécies vivas, acabamos por nos envolver em toda sorte de explicação existencial/espiritual. A coerência, elemento da racionalidade, não é exatamente nossa grande característica, somos muito mais que elaborações racionais. Não é por outra razão que estranhamos quando o outro se sente absolutamente confortável diante de ideais que para nós não fazem sentido.

João Cezar de Castro Rocha, professor de literatura comparada (UERJ), autor de “Guerra Cultural e Retórica do ódio: Crônicas de um Brasil Pós-político” (2021), recentemente escreveu um artigo em que trabalha com duas categorias conceituais na intenção de explicar o que se convencionou chamar de “bolsonarismo”. As categorias são: Dissonância Cognitiva Coletiva e Midioesfera Extremista. Castro Rocha retirou a noção de Dissonância Cognitiva do psicólogo social Leon Festinger, autor de “A theory of cognitive dissonance”(1957). Para resumir, em 1954, Leon infiltrou-se em uma seita estadunidense denominada The Brotherhood of the Seven Rays (A irmandade dos sete raios), sua líder, Dorothy Martin, profetizara que no dia 21 de dezembro daquele ano, um dilúvio destruiria o mundo, mas seus membros seriam salvos por um disco voador que viria de um planeta chamado Clarion.

Quando o dia chegou e o mundo não inundou, muito menos surgiu um disco voador para o resgate, o que você imagina que aqueles fiéis fizeram? Se você pensou em algo como dar uma surra na Dorothy ou abandoná-la por lá sozinha, você se enganou. Festinger detalhou essa experiência em "When Propechy Fails" (Quando falha a profecia - 1956). Os fiéis encontraram uma alternativa para lidar com a dupla frustração, cuja conclusão foi: o dilúvio não ocorrera, justamente porque, a força da fé de seus membros conseguiu evitar o que o pior acontecesse. A paz voltou a reinar na Irmandade dos sete raios. Se você achou essa solução sem pé nem cabeça, coisa de maluco, eu vos digo, isso é mais comum que imaginamos. Tal reação não é privilégio de seitas religiosas/espiritualistas, estamos no campo das convicções humanas. Nietzsche, lá no século XIX, já nos alertara sobre esse tema ao dizer que as convicções são mais perigosas para a humanidade que a mentira, porque o mentiroso sabe que está mentindo, mas o convicto tem a certeza de que detém a verdade. Creio que não necessito listar aqui toda a violência produzida ao longo da história humana, em defesa de certas verdades.


Francisco Goya - El Aquelarre (1798)
A dissonância cognitiva é entendida como um desconforto psicológico, de acordo com Festinger, esse desconforto se torna o elemento motivador que faz com que o indivíduo busque meios para reduzi-lo, de modo que consiga restituir a harmonia cognitiva. Para reduzir a dissonância, o sujeito evitará a todo custo informações que poderiam potencializá-la, desta forma, procurará informações confluentes com seu conjunto de crenças.

Todos somos em alguma medida afetados por dissonâncias cognitivas, há um jeito moderado de lidar com isso, basta você não ser alguém com fortes convicções. Pessoas abertas a conhecer novas interpretações da vida, outros sentidos e significados para suas questões, no geral, ajustam sua cognição. O convicto, porém, é um apaixonado. Para o grande educador e psicanalista, Rubem Alves, o convicto, apesar de ter dois ouvidos e uma única boca, ele é incapaz de ouvir, só quer falar, apenas a sua verdade interessa. A questão que se levanta é: onde e como tal verdade é produzida? Ela estaria em algum lugar reservado e somente uns poucos iluminados seriam capazes de alcançá-la? Ela, a verdade, possui característica sagrada, reveladora, única e imutável? Foucault nos lembra em “A verdade e as formas jurídicas”(1973), que a verdade é desse mundo.

Voltando ao artigo de João Cezar de Castro Rocha, a noção de dissonância cognitiva de Festinger, é associada ao conceito de “coletivo”. O objetivo é produzir uma ferramenta analítica que possa abarcar um grupo maior; estamos falando de milhões de brasileiros. O outro conceito, “Midioesfera extremista”, é introduzido para complementar a análise. Se o sujeito procura reduzir o desconforto da dissonância cognitiva evitando informações que confrontam suas crenças e valores, portanto, intensificam o desconforto, logo deduz-se que ele buscará informações que lhe traga conforto. O “bolsonarismo”, de acordo com Castro Rocha, é alimentado cotidianamente por uma “Midioesfera” própria, capaz de aplacar a dissonância cognitiva que resulta da exposição das contradições (falha da profecia), que circulam em outras esferas midiáticas. Não é por outro motivo que a grande mídia passou a ser demonizada, acusada de estar associado as ideologias “comunistas” ou “globalistas”. Os dois principais veículos da “Midioesfera extremista” seriam o whatsapp e o telegram.

Apesar de me parecer uma análise altamente perspicaz, ela não aprofunda uma questão essencial, que é a da identificação desses indivíduos com tais ideais. Isto é, o que faz alguém definir quais ideias fazem mais ou menos sentido? Quais elementos internos estão por trás da escolha por um ideal? O que motiva alguém abraçar uma causa? Eu iniciei esse texto desfazendo a crença na racionalidade, porque se fosse algo puramente racional, possivelmente teríamos mais homogeneidade no pensar. Aqui eu entro com outra importante contribuição, a de Mauro Lasi, doutor em Serviço Social (UFRJ). Menciono aqui um ensaio escrito por Lasi em 2018, intitulado “A psicologia de massas do fascismo ontem e hoje: por que as massas caminham sob a direção de seus algozes?” Lasi percorre as teses sobre a origem do fascismo, escritas por Wilhelm Reich (1897-1957), psicólogo e psicanalista, que quando jovem fora assistente de Freud. Reich estudou o fascismo, mas não somente isso, ele foi perseguido por sua ascendência judaica. Em 1933 publicou “A psicologia das massas do fascismo”, obra em que procurou justamente tentar explicar como a classe trabalhadora, oprimida e explorada, aderiu o nacionalismo fascista em vez de promover a revolução. Os marxistas de então imaginavam que a crise que se instalara na Europa entre 1923 e 1933, inevitavelmente conduziria as classes trabalhadores aos ideais de esquerda, mas Reich defendia que não existe necessariamente uma relação entre crise econômica e ideologia. Segundo ele, o próprio Marx não compreendia que as condições materiais determinassem a consciência de classe.

O fascismo, segundo Reich, no caso da sociedade alemã, teria se beneficiado da formação educacional burguesa calcada em dois pilares: um arranjo familiar baseado na repressão aos impulsos sexuais; e o caráter da “classe média baixa”. O resultado dessa combinação é “o conservadorismo, o medo a liberdade, em resumo, a mentalidade reacionária”. Para não me estender muito por aqui, para Reich “o fascismo, na sua forma mais pura, é o somatório de todas as reações irracionais do caráter do homem médio”. Ou seja, estamos falando de uma sociedade que recorre ao chamamento da ordem, porque no processo de interiorização das relações sociais fomos marcados por uma moral castradora (Nietzsche).

O fascismo dialoga como esse apelo a ordem moral, os milhões de eleitores de Bolsonaro, não são “bolsonaristas”, mas se identificam com o slogan “Deus, Pátria, Família e Liberdade”, porque esses temas estão intimamente ligados ao recalque das pulsões humanas. Não é por outra razão, que os “escândalos” de origem sexual, ao lado da corrupção, são os que mais derrubam a popularidade politica.

Há um último ponto que quero trazer, porque a noção de Dissonância Cognitiva Coletiva, desenvolvida para ser aplicada a um grupo considerado extremista, pode fazer com que achemos que, se não nos encaixamos em polos extremos estamos livres de sofrermos o mal-estar da dissonância cognitiva. Minha questão é a seguinte: Se você é um cidadão ou cidadã, que vive no Brasil, EUA, ou qualquer país da Europa, você consome um conjunto de informações que eu chamarei aqui de “Midioesfera Ocidental”, me apropriando aqui de um dos conceitos de Castro Rocha. Isso significa que se você é alguém que acorda com o telejornal, assina os formatos online de sites de notícias, daquilo que chamamos de grande impressa, você é alimentado cotidianamente com “informações jornalísticas” que expressam o mundo do ponto de vista ocidental. Essa imprensa oficial ocidental massifica ideias e noções em nossas mentes até que estas sejam naturalizadas. Para ficar em um exemplo, quando se trata de conflitos internacionais, envolvendo ocidente e oriente, tudo que nos chega aqui é pensado a partir de Bruxelas, o que podemos chamar de modo OTAN de comunicar, essa comunicação é replicada por todos os veículos e mídias ocidentais.

Essa “imprensa internacional”, são condutoras das verdades geopolíticas como quer o Ocidente, assim indivíduos como Osama Bin Laden e Saddan Hussein nos parecem sujeitos altamente perigosos e países como Irã, Coreia do Norte e China representam risco ao “mundo democrático”. Temos como exemplo atual a Rússia. As sanções aplicadas ao país recebe notícias favoráveis na “imprensa internacional”, não foi diferente com àquelas impostas a Cuba, Venezuela e Nicarágua. Sempre que nos deparamos com visões opostas a “Midioesfera Ocidental”, nossa dissonância cognitiva se manifesta, o que fazemos para resgatar a harmonia? O que, em geral, fazemos quando a “profecia falha.” Como quando se descobriu que o relatório de armas químicas que justificou a invasão ao Iraque em 2003 era falso? Fazemos o que fizeram os membros da “Irmandade dos Sete Raios”, encontramos novas formas de justificar nossas crenças. Mas o fazemos buscando nas informações de a “imprensa internacional” nos fornece, a “Midioesfera Ocidental” está ai para isso, harmonizar nossa consciência, garantindo que estamos do lado certo da história.

Jonatas Carvalho

sexta-feira, outubro 07, 2022

A MINHA BANDEIRA JAMAIS...TEREI UMA.

Sempre me senti insuficientemente anarquista para não votar e anarquista demais para defender a bandeira de um partido ou um certo conjunto de normas e ideias. Por anos trabalhei com políticas públicas, não faltaram convites para me filiar a certos partidos, é tentador, por vezes eu considerei, mas acabei recusando todas. 

A vida toda eu me sensibilizei com questões relacionadas ao lado mais oprimido da história humana. Ainda garoto, a história da escravidão me comovia, para mim aquilo era mais que um passado dos homens narrado em umas páginas do livro didático. Não conseguia acreditar que homens, mulheres e crianças foram convertidos em mercadoria, que lhes tiraram a própria humanidade. 

Embora eu nunca tenha sido muito corajoso, sempre evitava os valentões e os populares, vez ou outra eu me enfiava numa confusão onde eu julgava ter rolado uma injustiça. A maldade humana me afetava. É possível que tenha sido por isso que eu larguei tudo aos 15 anos e meti o pé da estrada, eram meados dos anos de 1980, eu me tornei um hippie fora de época, mas um hippie. Foi então que me dei conta que a liberdade se tornou algo que eu nunca abriria mão. Nunca admiti ter uma vida dirigida por quem quer que fosse. Mas a liberdade total tem um preço alto. 

A dicotomia liberdade/igualdade, ou pelo menos o modo como a questão fora colocada por certos pensamentos ditos de direita e de esquerda, me causou muito mal-estar por anos. Foi preciso muita leitura e maturidade para compreender que esse conceitos são históricos e não necessariamente precisam estar em oposição. É possível conceber uma sociedade mais igualitária sem sacrificar a liberdade. Se conseguirmos construir individualidades valorizadoras do comum, que concebam que quando há injustiça social e oportunização desigual o seu "eu" estará comprometido apenas consigo, um "eu" pobre e egoísta. O "eu" só faz sentido quando existe um nós, o outro não está no mundo para ser subjugado, mas para cooperar e construir junto consigo um mundo bom para todos. Qualquer liberdade que desconsidere isso, não é liberdade, é egocentrismo. 

Toda minha vida foi um desencaixe, os ideais mais a direita e mais a esquerda nunca me capturaram. Antes que você pense que eu seria um tipo de "isentão" ou de "centrão", vou lhe antecipar, não sou. Essas categorias esquerda, direita, centro-esquerda, extrema isso ou aquilo, são voláteis, já tiveram significados muito distintos historicamente. O que não significa que não podem ou devem ser usadas, a questão é que são usadas sem qualquer critério, em especial nas redes sociais. 

Então vejamos, sou um defensor da liberdade e da igualdade de condições. Sou antiproibicionista e abolicionista. Tenho muito de anarquista em mim, como já citei acima, mas diante da conjuntura socioeconômica (sistema capitalista neoliberal), defendo um Estado plurinacional, multiétnico e multigênero. Sou favorável a uma sociedade de soberania popular não hierarquizada, sem tronos, oligarquias, monopólios ou oligopólios. Uma sociedade cooperativista e associativista, detentora e administradora de seus recursos naturais e zeladora de sua biodiversidade. Que seus mais importantes valores sejam o respeito absoluto à dignidade humana e à diversidade.

Para aqueles que julgarão minha forma de ver a vida utópica demais, eu lhes pergunto: e nosso atual modo de viver em sociedade não é demasiadamente distópica? Consideras normal um mundo com tamanha concentração de riqueza e terras? Achas que a fome e a miséria são inevitáveis? Acreditas que as guerras por petróleo e outros recursos naturais fazem parte do jogo geopolítico? A naturalização de todas essas aberrações sociais é o grande mérito das elites mundiais. A produção de subjetividades individualizantes, "cada um por si", nos compele, como sugeriu Georg Simmel (1858-1918), a tomar uma "atitude de reserva" (ou blasé), diante dos eventos que se enfileiram no dia a dia.

Por todas essas questões sou incapaz de hastear qualquer bandeira, pelo menos não encontrei até aqui uma que eu realmente queira. Se minha bandeira não é vermelha, muito menos é verde-amarela, quem sabe, uma multicor me cairia bem. Mas como eu escrevo esse texto em plena disputa eleitoral, em que dois projetos políticos amplamente antagônicos se enfrentam e polarizam o debate, não posso me omitir, sempre estarei ao lado daquele projeto mais próximo aos meus ideais e o atual governo é a contradição total de tudo que escrevi acima.

  Jonatas Carvalho. 

      







    

quarta-feira, outubro 05, 2022

O MESSIAS ANTICRISTO.

Sou filho de um cristianismo, escrevo assim porque entendo que não existe cristianismo no singular, mas cristianismos. Minha primeira decepção na igreja foi a exclusão de uma jovem de 16 anos, seu pecado foi ter engravidado. Éramos amigos, eu tinha a idade dela, chorei. Há décadas que eu deixei a fé cristã, só me desvinculei da igreja após anos estudando teologia. Entendi que a institucionalização do cristianismo é uma contradição ao próprio cristo.

Hoje quando vejo certos crentes conclamando seus irmãos e irmãs de fé a votarem em Bolsonaro, porque sua governança é alinhada com os valores cristãos, me pergunto que valores seriam esses? Jesus ao ser interpelado por um escriba, disse haver apenas dois mandamentos, o primeiro: Amar a Deus de todo o teu coração, de toda tua alma e de todo o teu entendimento", O segundo: "Amarás o teu próximo como a ti mesmo." O amor é, portanto, o único valor aqui que vale, todo o resto é fruto da institucionalização da fé. A igreja, ao defender seus próprios interesses, deixa de lado o Cristo.

Quaisquer valores que não estão baseados no amor, são apenas vaidade humana. Qual cristão irá me dizer que o "Messias" presidente segue o 2º mandamento? O seu "Messias" é um anticristo. Vou lembrar outra fala de Jesus: "mas é o que sai da boca que contamina o homem". Da boca do “Messias” presidente só se ouve palavras de ódio, de desprezo e de preconceito. Os valores cristãos que os “cidadãos de bem” tanto querem conservar, são incompatíveis com o próprio Cristo. Vai-se a loucura por questões como homoafetividade ou transexualidade, mas o aumento exponencial da fome e da miséria que aflige milhares de famílias brasileiras, não sensibiliza ao mesmo nível. Esse cristianismo que vemos crescer em apoio ao presidente, é excludente e não tem nenhuma relação com Jesus. A marcha para Jesus que percorreu as ruas tendo uma arma como monumento, é a própria representação do anticristo.

Sei muito bem que há muitos cristãos que não compactuam com o “Messias” de Malafaia de outros manipuladores da fé. Sei que há um cristianismo inclusivo, ecumênico e tolerante no Brasil. Elegemos um representante deste tipo de cristianismo no último domingo. Que o amor supere todo o ódio destilado pelo nosso falso “Messias”.

Jonatas Carvalho

O BRASIL PROFUNDO E AS ELEIÇÕES EM 2022.

Passei os últimos dois dias fazendo análises sobre as eleições. Ouvi, assisti e li diversos analistas das mais diferentes áreas de conhecimento, de múltiplos espectros políticos, de modo que eu pudesse chegar a alguma conclusão sobre o que representou esse primeiro turno. Não foi fácil, não é. Na verdade, para um historiador é praticamente impossível, fomos ensinados que só entenderemos esse momento de fato, no futuro. A história, porém, não é fator impeditivo de compreensão da sociedade no tempo presente, mas uma aliada.

Nas linhas abaixo estão expostas minhas observações, reflexões e posições. Não procuro aqui ser dono de qualquer verdade, não tenho a intenção de convencer alguém, não pretendo firmar posicionamento.

Diversas formas de explicação do fenômeno primeiro turno foram levantadas. A primeira que quero considerar é aquela que coloca em dúvida o processo eleitoral. Esta tem dois lados, ao lado da extrema direita, acionada pelo próprio presidente, temos a insistência na fraude eleitoral, a desconfiança no voto eletrônico não impresso. No outro lado, uma parte da esquerda que alega que essa mesma extrema direita capturou da esquerda a pauta do voto auditável. Segundo este lado, o sistema eleitoral no Brasil estaria nas mãos de um grupo estratégico liderado por militares que controlam todo o processo. O caso Wilson Witzel, nas eleições para governador do Rio de Janeiro em 2018, seria um exemplo de manipulação das urnas.

Favela Jardim Peri Alto - Foto de Lalo de Almeida 

Outros preferiram explicar o resultado do primeiro turno atacando a incapacidade dos institutos de pesquisa em capturar o cenário real de intenção de votos dos eleitores. Aqui tivemos um grande número de analistas, incluindo os ligados aos grandes veículos de comunicação. Estas análises são de amplo espectro, envolvendo jornalistas, cientistas políticos, sociólogos, analistas de estatísticas e outros.


No caso da defesa das fraudes eleitorais, devo dizer que eleições são passíveis de serem fraudadas em todo o mundo. O Brasil, particularmente, tem uma longa história de fraude eleitoral, mas também tem uma longa história de golpes de Estado contra os resultados nas urnas. Dito isto, creio que tal tese não explica um certo número de vitórias a grupos políticos contrários ao sistema vigente. No caso eleições presidenciais, por exemplo, Lula virou votos em mais de seiscentas cidades que votaram em Bolsonaro em 2018. Quanto as supostas falhas dos institutos de pesquisa, não pretendo me prolongar aqui, porque isso requer um texto específico sobre o assunto, basta dizer que as pesquisas de diversos institutos capturam bem a intenção de voto em Lula, já no “Messias” se distanciaram, tal distância, no entanto, não foi generalizada e sim localizada, em especial no sudeste e sul. A QUAEST, por exemplo, em sua última pesquisa, concluída em 1/10, véspera das eleições, perguntou aos entrevistados: O que você tem mais medo? “A continuidade de Bolsonaro” ficou com 48% e a “Volta do PT” com 40%. O fator medo é motivador, um medo que pode ter perfeitamente movimentado o chamado “voto útil” da tal “terceira via” para Bolsonaro ou ainda o tal “voto envergonhado”. Não precisa ser cientista político para ver que muitos votos, até então declarados a Tebet, Ciro e Soraya migraram para o atual presidente, tal migração não explica tudo, mas dá conta de parte significativa da diferença. Ainda sobre a “incapacidade” de capturar certas motivações dos eleitores, Antônio Lavareda, cientista político e sociólogo, lembrou que FHC, nas eleições de 1994 (primeiro turno) aparecia com 48% das intenções de votos na véspera, mas teve apenas 36,22% nas urnas. Sobre Lula ele escreveu: “Lula, quando por 1,4% deixou de ganhar no primeiro turno a eleição de 2006, tinha 46% sobre o total na véspera e nas urnas a abstenção lhe tomou nove pontos e ele obteve 37,07% do total de eleitores naquele ano.” Essas distâncias entre pesquisas e urnas ocorrem historicamente aqui e no mundo todo.

Mas você confia plenamente nos institutos de pesquisa? Não confio plenamente em nada, penso que os institutos são parte integral do grande capital, mas eles precisam usar metodologias minimamente confiáveis, pois são varridos por pesquisadores de vários espectros políticos. O que faz um Datafolha, por exemplo? Ele verifica se as manipulações com máscara de jornalismo produzidas pela grande mídia estão sendo digeridas pela sociedade. A grande mídia sempre esteve e sempre estará ao lado do grande capital.

Passemos as análises sobre quem perdeu e quem ganhou neste primeiro turno. Muitas foram as manifestações de “ressaca moral”. Entre os eleitores de Lula, a crença de uma vitória no primeiro turno ganhou força, como diz o velho ditado, grandes expectativas podem gerar grandes frustrações. O que a esquerda demorou um pouco para perceber foi que do outro lado havia algo parecido, não foram poucos os eleitores do “Messias” indignados, os grupos de watsapp davam 70% para o atual presidente. Ao lado da esquerda e centro-esquerda notava-se desânimo com as confirmações da ala ultradireitista eleita para o senado. A extrema direita esbravejava com a virada de Lula e denunciava a fraude. Os jornalistas da grande imprensa trataram de afirmar que Bolsonaro se saiu melhor, o grande vencedor. Então as análises mais racionais começaram a tranquilizar os eleitores de Lula. Vamos considerar apenas duas aqui:

Lula bateu o recorde de votos numa eleição com 48,43% de votos válidos (57,2 milhões de votos);
É o primeiro caso que um candidato sai na frente do candidato que disputa a reeleição.

O “Messias”, mesmo contando com a máquina pública não conseguiu deter o avanço de Lula. Sinal de incompetência da campanha de Bolsonaro? Ou a capacidade extraordinária de Lula em estabelecer alianças? Se o petista venceu em 14 Estados e 11 capitais, Jair levou 12 Estados mais o DF e 15 capitais. Para a surpresa da extrema direita, Lula ganhou de Jair na cidade de São Paulo e Porto Alegre, por outro lado, o “Messias” levou vantagem em Belo Horizonte e Rio de Janeiro.

Quanto ao legislativo, nunca tivemos um legislativo progressista no Brasil. O conservadorismo sempre foi maioria nas câmaras e assembleias legislativas do país. O fenômeno que se pode observar é o crescimento do ultraconservadorismo, cujas bases já estavam fincadas por aqui em 2018. Um fenômeno que não é privilégio nosso, infelizmente a ultradireita vem fazendo alianças com o neoliberalismo em vários continentes, nas Américas não faltam exemplos. A propaganda moral tem efeitos nefastos, para o cidadão das camadas médias e populares, pouco importa se o slogan “Deus, Pátria, Família e Liberdade” é fascista ou se o garimpo ilegal vai destruir a Amazônia e dizimar ainda mais os povos originários, ele não quer votar em quem defende “ideologia de gênero”, aborto ou drogas. Quem estuda a história sabe como a propaganda anticomunista foi eficaz.

Não faltaram propagandas responsabilizando Bolsonaro pela gestão de morte na pandemia, ainda assim ele conseguiu extraordinários 51 milhões de votos. Todos que votaram nele são fascistas ou ultraconservadores? Quantos eleitores que optaram por Ciro, por considerar Jair e Lula igualmente corruptos? Quantos mudaram para o “Messias” na última hora, porque entendem que o PT é mais ameaçador que Bolsonaro. O antipetismo segue forte em nosso meio e ele será usado para desacreditar Lula no segundo turno. O ataque direto a Lula tem menos efeito que a pauta moral e a criminalização do PT.

Discordo de Boulos sobre a questão do Pit bull, comparação que só é demérito para o cão. Mas ele tem razão sobre nossas resistências, se o ultraconservadorismo vem se alastrando, as forças progressistas chegaram nessas eleições onde jamais havia chegado antes, os movimentos sociais de base também estão em ascensão e a luta popular veio para ficar. Muitos entendem, como eu, que estamos em um estado de golpe desde 2016, não é somente com eleições que se enfrenta um estado cooptado, é necessário lutar diariamente e fortalecer os movimentos populares. Uma vitória de Lula é um alento, mas não será suficiente.

Jonatas Carvalho

quinta-feira, setembro 29, 2022

INSTITUTO DE HUMANIDADES SUBVERSIVAS

         Já se passaram uns dois ou três anos que escrevi um artigo1 sobre o modernismo brasileiro. Neste artigo eu usei a relação entre Oswald de Andrade e Tarsila Amaral com o poeta francês Blaise Cendrars. A intenção era defender que modernismo brasileiro não se deu por uma via de mão única em relação as Vanguardas Europeias, que não se tratou de “nós copiamos eles”, pelo contrário, tratava-se de uma via de mão dupla, havia trocas, muitas trocas entre nossos artistas e os artistas de lá da zouropa. Lembro que iniciei o artigo utilizando-me de um trecho das Crônicas de Malazarte, de Mário de Andrade, como epígrafe. Ei-lo abaixo:


Tenho um ginásio imaginário na cabeça em que os alunos estudam filosofia em Nietzsche, latim em Petrônio, psicologia em Geraldy e Bourget. As tragédias que adepto são de Bataille, Ibsen, Maeterlinck e Suderrmann. Ali se aprende o português em Guerra Junqueiro, em Silvio Romero e na Revista da Língua Portuguesa. Deste jeito, meus alunos se aborrecem de coisas pernósticas, de coisas inutilmente nebulosas e simbólicas, de maus versos, maus romances, e nunca mais quererão escrever mal o português. Mas é um ginásio apenas imaginário. Não tenho inclinação para diretor de consciências, como se vê. Pensas que isso me entristece? Ao contrário! Sou aluno. Inveterado aluno. 2


Esse trecho me serviu para conduzir um tipo de reflexão na época, ao voltar a lê-lo recentemente, comecei a pensar sobre minha condição no sistema educacional. Como Mário, não me vejo em condições de dirigir consciências, mas me pergunto sempre se é possível ser professor sem que isso ocorra. Acabo por concluir que sim, me baseio em Paulo Freire que defendia uma educação não verticalizada, mas horizontalizada, dessacralizada e libertadora. Confesso que não é assim que me sinto dando aulas, nunca encontrei uma escola ou espaço educacional com tamanha possibilidade, estou inserido em uma educação castradora, vivo a “escola da tristeza”, como chamou Clóvis de Barros Filho, onde alunos e alunas estudam para passar, para em seguida enfrentar uma prova com mais de 200 questões, como condição de adentrarem em uma faculdade onde seguirão firmemente uma vida de estudar para passar, e finalmente, quando estiverem no mercado de trabalho, viverão anos trabalhando em função do 5º dia útil do mês.

Seguimos embrenhados em um modelo de educação fabril, preparados desde cedo para tão somente gerar lucros e dividendos ao capital, uma existência destinada a nascer, estudar, trabalhar e morrer. O que me faz recorrer a outro grande educador brasileiro, Rubem Alves, quando este ainda se dedicava a sua teologia libertadora, na obra “Sobre Deuses e Caquis”, criticou a “feiura” da escrita científica, recusando-se a escrever a partir de um sujeito impessoal. Alves, traz a crítica à educação na arte de Orozco,


O que me faz lembrar de um mural de Orozco, pintor mexicano que passou anos ensinando a sua arte num college norte-americano, e foi certamente em virtude daquilo que ele via acontecendo com os moços que pintou A Formatura’: o professor, alto, magro, cadavérico, verde,/entrega ao seu discípulo,/ sua imagem,/ também alto, magro, cadavérico, verde,/ a prova final do saber,/ o diploma,/ um feto morto, dentro de um tubo de ensaio.3


Eis uma imagem que me assombra há anos, é ela que me faz resistir e procurar subverter certas lógicas mesmo estando dentro do sistema, contudo, creio que é uma luta trágica, como a de Sísifo. Se for este o caso, creio que é melhor assim, que simplesmente conformar. Não nasci para a conformação, nunca me senti um ativista ou um revolucionário, vivo minhas próprias revoluções, sou um subversivo, um profanador daquilo que tentam consagrar em mim.

Mas eu não estaria sendo totalmente verdadeiro sobre o que pretendo revelar, delimitando minha inspiração apenas em Mário de Andrade, Rubem Alves ou Orozco. Pois a ideia me preencheu mesmo a mente foi lendo “Glauber Rocha, esse vulcão”, de João Carlos Teixeira Gomes. Uma história fascinante sobre um brasileiro que foi muito mais que um dos principais nomes no Cinema Novo. Deixarei para tratar da minha “nova” relação com Glauber em outro momento. O fato é que sua história me fez pensar e sonhar com um projeto educacional, um Instituto de Humanidades Subversivas. Sei muito bem como esse conceito soa entre nós brasileiros, a máquina de propaganda da ditadura transformou em subversivo todos aqueles que se voltavam contra o sistema, convertendo-a de sentido pejorativo. Por isso devemos muito a Hélio Oiticica, com a sua bandeira antipropaganda “Seja Marginal, Seja Herói” (1968), subvertendo a noção de marginal e de herói em uma só frase. A obra foi uma homenagem ao “Cara de Cavalo”, um morador do Morro da Mangueira, morto pela polícia. E se o marginal é aquele que vive à margem da moralidade estabelecida, o subversivo é quem busca sua própria moralidade, questionando a moral em vigor, procurando viver uma outra ética.

O Instituto de Humanidades Subversivas teria por objetivo propor reflexões que propiciem aos indivíduos uma ética que subverta àquela dita dominante. Desta forma, como Mário de Andrade, eu comecei a pensar em um conjunto de conhecimentos e saberes que poderíamos compartilhar nesse espaço. Para começar, as bases teóricas metodológicas do nosso IHS estariam ancoradas no pensamento (seja ele latino-americano, africano ou periférico de alguma forma) anticolonial. Pensaremos por meio de novas epistemologias, não aquelas que nasceram para justificar a supremacia do sujeito da razão iluminista. Isso não excluirá algum pensamento Ocidental, creio que sejam importantes os estudos de uma “filosofia da suspeita”4, uma contra-história da filosofia5, em que se recupera os pensamentos vencidos, derrotados, não por serem inferiores, mas porque contrariaram interesses dominantes. Mas faremos isso sem dar ao pensamento ocidental a primazia da palavra. Um espaço onde o ocidente não seja tratado como o berço da racionalidade, teremos cartazes espalhados com dizeres: “A medicina não nasceu na Grécia de Hipócrates”, a “Filosofia não é filha de Sócrates, Platão e Aristóteles”, “Homero não é o pai da Literatura”, “Heródoto não inaugurou a História”, “A música não é filha das Musas”, “O teatro não nasceu com Ésquilo e Sófocles”.

Discutiremos a filosofia e a ética das escolas de pensamento africanas, asiáticas e americanas, de modo que seja possível superar ou sobrepor ao epistemicídio impetrado pelo pensamento ocidental. Estudaremos Filosofia, História, Sociologia e Antropologia em Cheikh Anta Diop, Valentin Mudimbe, Théophile Obenga e Mogobe Ramose. Aprenderemos ontologia e epistemologia nas escolas Hindus (como o Pramana) e Jainistas, passando pelas escolas Sânquias (como o pensamento dualista de que o universo consiste em duas realidades, purusha (consciência) e prakriti (matéria), e a filosofia realista Nyâya.

Sobre o conjunto de conhecimentos e saberes americanos, adentraremos na anticolonialidade da história (ou como está na moda, decolonialidade), mas antes mesmo de chegarmos aos principais nomes da “desconstrução” das epistemologias colonialistas, devemos nos aventurar no pensamento americano anterior às vozes que vêm da outra margem, como propôs a escritora chicana Glória Anzaldúa6. Investiremos nos saberes e conhecimentos do Abya Yala (que significa Terra madura, Terra Viva ou Terra em florescimento), do Povo Kuna, mas também tantos outros povos que por aqui viviam e se distinguiam em maias, chibchas, mixtecas, zapotecas, ashuars, huaraonis, guaranis, tupinikins, kaiapós, aymaras, ashaninkas, kaxinawas, tikunas, terenas, quéchuas, karajás, krenaks, araucanos/mapuches, yanomamis, xavantes, além de tantos outros. É preciso deixar claro que o Europeu é o invasor, não se trata mais de aceitar pacificamente conceitos como “expansão marítima”, ou “descobrimentos”. São invasões!

É importante entender que a colonialidade não se dá apenas pela força dos canhões e baionetas, a colonização implica em uma dominação total, que estabelece sistemas de verdades, moldando a linguagem, a memória e o conhecimento. É por isso que nos livros didáticos lemos sobre a “Expansão do Império Romano”, revelando as proezas dos imperadores augustos, mas no capítulo seguinte nos deparamos com “As Invasões dos Povos Germânicos” (em alguns livros ainda são chamados de Bárbaros). Do mesmo modo, as guerras impetradas contra os Mouros na Península Ibérica são denominadas de “Reconquista” e a dominação do continente africano e asiático pelos europeus ao longo do século XIX ganhou uma conotação poética escrita pelo inglês Rudyard Kipling, denominado de The White Man's Burden (O fardo do homem branco).

Esse tipo de dominação (da linguagem, memória e conhecimento), só pode ser combatida pela construção de outras linguagens, memórias e conhecimento. Embora ainda encontremos poucos que se dedicam nesta tarefa árdua, temos já um conjunto suficientemente satisfatório para pensar as Américas por racionalidades disruptivas capazes de subverter o pensamento dominante. Poderemos conhecer nossa história por meio de obras do sociólogo peruano Aníbal Quijano, do antropólogo colombiano Arturo Escobar, dos argentinos Enrique Dussel (filósofo), Walter Mignolo (filósofo), María Lugones (socióloga) e Zulma Palermo (Pedagoga). Sem deixar de referenciar aqueles desbravadores desse pensamento, grandes referências da desconstrução, como é o caso do psiquiatra martinicano Frantz Fanon, autor de Pele Negra, Máscaras Brancas (1952) e Os Condenados da Terra (1961), além do judeu-lituano Emmanuel Levinas, o filósofo da alteridade.

Em literatura leremos Jorge Luiz Borges, Gabriel Garcia Marquez, sem esquecer de José Lins do Rego, Guimarães Rosa e Jorge Amado. Leremos ainda as obras das nordestinas pioneiras da literatura brasileira da Sociedade das Senhoras Libertadoras, como A Rainha do Ignoto (1889), de Emília Freitas e A divorciada (1902), de Francisca Clotilde. Mergulharemos na poesia de Pablo Neruda e de Gabriela Mistral, retomaremos a poesia marginal da Geração do Mimeógrafo, passando pelos versos de Chacal, Leminski, Torquato Neto e Ana Cristina César. Aprenderemos a geografia e a geopolítica de Milton Santos, a criminologia de Rosa del Olmo e a antropologia de Lélia Gonzales.

Em nosso Instituto de Humanidades Subversivas haverá espaços absolutamente livres para desconstruir aqueles tabus que não são possíveis de serem tratados em outras escolas, como descriminalização das drogas e do aborto, a relação entre o racismo estrutural e o encarceramento das populações pretas e pobres. Seremos uma escola antiproibicionista. Defenderemos os povos originários, a terra, a favela, os sem tetos e a comunidade LGBTQI+. Combateremos o neoliberalismo, o nazifascismo de ontem e suas ramificações contemporâneas. Atacaremos todas as balelas do empreendedorismo neoliberal.

Associaremos estes estudos ao mundo das artes no cinema, na música, no teatro e nas artes visuais. No cinema exploraremos as cinematografias de diretores argentinos, chilenos, mexicanos, discutiremos o Brasil nas filmografias de Glaber Rocha, Eduardo Coutinho, Nelson Pereira dos Santos, Lima Barreto, Gustavo Dahl, Tizuka Yamasaki e Adélia Sampaio. O teatro de Dias Gomes, Augusto Boal, Hilda Hilst e Maria Adelaide Amaral. Nas artes visuais passearemos pelas obras de Lasar Segall, Tarsila Amaral, Carlos Prado, Portinari, Di Cavalcanti, Giorgina Albuquerque, Beatriz Milhazes, Alfredo Volpi, Iberê Camargo, Adriana Varejão, os muralistas mexicanos (Orozco, Diego Rivera, David Siqueiros),além de grafiteiros e grafiteiras de nossos tempos.

Proporemos uma consciência sociopolítica que seja “sacialista e intergalática”, copiando as palavras de Bruno Simões Gonçalves7. Sim o Saci será um dos nossos símbolos mais importantes em nosso Instituto. Vale lembrar que Macunaíma o anti-herói de Mário de Andrade, se transmuta em Saci e, por fim, na constelação Ursa Maior. Uma consciência sacialista ressignifica o modo de ver o mundo, desnaturalizando o que foi naturalizado, mistificando o que foi desmistificado. O Saci-Pererê é um exemplo da transformacionalidade e de pluriversalidade. O negrinho travesso de uma só perna, vulgarizado na obra de Monteiro Lobato, tem uma origem mais complexa que nos foi contada, recebeu vários nomes indígenas, como: Jaxy Jaterê, Mati-taperê, Xaxim-Tarerê, Yasy-yateré. Saci é ameríndio-africano8. Na mitologia Guarani o Jaxy Jaterê (fragmento de Lua), é o protetor das floreta e dos animais que vivem nela. Mas há muitas versões sobre o menino ameríndio, tanto no que diz respeito ao seu temperamento e conduta, quanto as suas características físicas. Já o Saci negro, também guarda algumas aproximações com os chamados tricksters, que seriam deuses ou deusas com um potencial para infringir regras e normas. O escritor Ale Santos, autor de Rastros de Resistências (2019), escreveu que se trata de um arquétipo representado em várias mitologias africanas, em Gana ele é representado por Anansi, e em Yorubá por Exu.

Sem dar por encerrado minha proposta, pois a ideia é que ela siga sempre aberta a modificações. Concluo essa etapa tratando de nossa base bibliográfica, que será equilibrada entre autores e autoras, negros(as), brancos(as), pardos(as), latinos(as), das mais diversas orientações sexuais. Não teremos alunos x professores, diretores, coordenadores pedagógicos, nosso projeto pedagógico será gerado no debate público, onde todos e todas terão o direito de propor a inserção de um diálogo-tema. No IHS não haverá espaço para mestres, porque como Mário de Andrade, seremos todos inveterados alunos e alunas.

Alguns que lerão estas linhas poderão dizer: - Mas esses conhecimentos já estão presentes nos Centro Acadêmicos das Universidades Públicas! É verdade, estão. Ótimo que estejam, espero que tais espaços cresçam ainda mais. Mas quem conhece as escolas privadas sabem bem o quanto afastadas estas estão desses tipos de reflexões, salvo raríssimas exceções. Ultimamente, professores têm sido coibidos e em alguns casos proibidos de falar em política. Colegas de trabalho perderam o emprego por abordarem temas como sexualidade, eleições, drogas, entre outros. Não estou pensando na gurizada que terá condições de estudar em uma Universidade Pública, porque sabemos estes são um grupo ainda seleto. Penso em um modelo de escola voltado para a galerinha que hoje se encontra no ensino médio, um público que estuda em escolas como as que eu passei como professor, escolas com um currículo engessado, conteudista, voltadas para preparar as turmas tão somente para passar nos vestibulares. Modelos educacionais que fazem perpetuar o sistema de reprodução das desigualdades sociais com ideologias liberais-colonialistas.

Se isso é um projeto? Gostaria muito que fosse, por ora, é apenas um livre sonhar.


1O artigo virou capítulo de livro, uma coletânea de ensaios escritos por alunos da pós-graduação da UFF, em especial na área de sociologia e direito, organizado por nossa cara professora Carmem Felgueiras, aprovado pela FAPERJ, publicado em 2022 pela Editora Anagrama, sob o título de Contrapontos, Ensaios sobre interpretações do Brasil. O meu artigo ocupa o capítulo 2 da obra com o título: O viajante aprendiz – Mário de Andrade, a expansão do Modernismo e a integração do Brasil.

2ANDRADE, Mario. Chronicas de Malazarte II. In: Revista América Brasileira n. 23, p.318. Rio de Janeiro, novembro de 1923. Disponível em http://memoria.bn.br/DocReader/158089/646

3ALVES, Rubem. Sobre deuses e caquis, em: Da Esperança, Papirus, Campinas: 1987.

4RICOEUR, Paul, Ricoeur, chamará de Hermenêutica da Suspeita em sua obra Freud e Filosofia (1965), ao buscar confluências nos pensamentos de Marx, Nietzsche e Freud.

5Ao modo como pensou Michel Onfray.

6Anzaldúa que desenvolveu em 1987 a noção de “Borderlands/La frontera”, reconceituando o conceito de mestiço.

7Autor da tese: Nos caminhos da dupla consciência: Socialismo Indu-Americano, libertação e descolonização da América Latina, PUC, 2014.

8ROSA, Rogério Reus Gonçalves da. Jaxy e Jaxy Jaterê: o ponto de vista Guarani e de outros povos ameríndios sobre a origem da lua, as constelações e o saci-pererê (primeira parte). Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 1-46, jan./abr. 2022.