domingo, setembro 26, 2010

CROJOCA.

Por estes dias, uma estrela de brilho singular se deslocou dos céus do Rio de Janeiro para se juntar a uma constelação que passou por Cabo Frio.
Dizem os astrônomos que na medida em que as estrelas vão envelhecendo perdem proporcionalmente seu brilho, mas há um tipo de estrela rara, que resulta da fusão de duas estrelas binárias, batizadas como crojocas (de "cromosfericamente jovem e cinematicamente antiga"). As crojocas são estrelas relativamente velhas, cuja cromosfera foi rejuvenescida pela fusão, tal fusão resulta em um comportamento paradoxal, pois como nas estrelas jovens, ela possui uma intensa atividade, no entanto, desloca-se em alta velocidade como as antigas. Uma característica das crojocas é que embora possuam uma massa relativamente pequena, sua vida é significativamente longa.
A estrela que por aqui passou, assim como as demais, era cadente e iria decorar nosso empobrecido céu por apenas algumas horas, mas por pura complacência resolveu irradiar sua luz sobre nós por três dias e três noites.
Nós os mortais, atraídos por sua luz, não conseguimos evitar fixar nossos olhares, não nos contivemos em amontoarmos ao redor de sua luminosidade, não tivemos qualquer pudor em tentar captar sua energia.
A estrela, dentre tantas outras que aqui passaram por estes dias, estrelas inclusive de renome, radiou mais que todas as outras, a semelhança do poético texto bíblico, ela se fez carne e habitou entre nós. A estrela se chama Marilene, mas poderia ser Mari-estrela....uma crojoca.

Com a gratidão de um aprendiz.

Jonatas.

domingo, setembro 19, 2010

Notas sobre um falecimento.

Não é meu costume escrever textos de caráter fúnebre, mas esta semana diante dos acontecimentos, me vi impelido a interromper o artigo que preparo para um congresso, para transcrever as impressões que tive durante e a após o velório e sepultamento do Sr. Josué. Devo ressaltar que esta crônica não é uma sátira sobre quaisquer princípios, trata-se antes, de uma observação quase antropológica de como se dão as relações sociais nos níveis mais íntimos, no interior das famílias.
Cheguei ao velório, já em cima da hora, pois vim de Cabo Frio para Petrópolis, a primeira coisa que percebi foram os rostos familiares que eu não via há muitos anos. Alguns amigos também se encontravam no local, aliás, uma característica comum nos velórios, revemos amigos comuns e inevitavelmente colocamos a conversa em dia. O velório é desta forma, um ambiente ambíguo, ao mesmo tempo em que lamentamos a perda do ente querido, nos regozijamos com aqueles que queremos bem.
Após o sepultamento, seguimos para a casa da família, uma família tradicionalmente cristã, conservadora, assim como a minha, com filhos criados debaixo de um moralismo rigoroso e preconceituoso. Acostumamo-nos com um discurso puritano e por tempos mantivemos firmes tais preceitos morais, víamos pecado em todo e qualquer comportamento fora dos padrões puritanos herdados.
Na casa da Dila eu me surpreendi com a presença de tantos contrastes à ética judaico-cristã. Surpreendi-me com um tipo de solidariedade que comumente é abominada quando vinculada a outras formas de comemorações. Aquela casa, onde durante décadas funcionou uma congregação cristã evangélica, tinha uma família, um tanto controversa no que tange tais valores. Na casa se encontravam a filha mais nova que já era avó antes dos quarenta, sua filha fora mãe aos quatorze, a filha mais velha vivia com outra mulher, o filho do meio, o Josué filho, era o que tinha uma vida, digamos mais condizente, embora não fosse exatamente um cristão. A casa contava ainda com um gay que trouxe as amigas de carona, pois era o único que tinha carro, duas sapatonas negras, um casal de evangélicos,uma senhora solteirona e muitas crianças.
A cena, me encantou, não vi ali qualquer olhar recriminativo. A Dila passava o café e quando o pão com mortadela chegou, todos se aglutinaram na cozinha, enquanto comiam, conversavam uns com os outros cordialmente. Nem parecia que tinham enterrado um ente querido, só se percebia a dor da perda pelos olhos inchados e avermelhados, natural em quem chorou muito durante o dia. O ambiente naquela casa, só se explica, só se entende esta aparente contradição,ao se conhecer o Sr. Josué. Quem o conheceu entenderia aquela diversidade, aquele multiculturalismo, pois Sr. Josué, foi um tipo de alma, que sempre tratou a todos com candura, por isso aquela casa não era uma casa qualquer, era um lar, um lar que sempre teve um lugarzinho para quem quer que fosse, independente da cor, da sexualidade ou de qualquer outro tipo de opção. O mundo certamete seria melhor se tivéssemos mais pessoas como o Sr. Josué por ai.
Jcarval.