Todo historiador que preza seu ofício sabe que qualquer elaboração sobre o conflito entre sionistas e persas, em pleno fogo cruzado, configuraria uma análise pouco precisa. Basta pensar nas avaliações dos "analistas" na ocasião da eclosão do conflito entre Rússia e Ucrânia. Quanta bobagem foi proferida.
Isso não quer dizer que seja impossível fazer uma leitura minimamente razoável da situação. Mas sempre estaremos no campo das possibilidades e projeções, em especial quando se trata de futuros desdobramentos. Mesmo aqueles que avaliam as "causas", neste momento, correm o risco de se equivocar.
Para começo de conversa, toda análise que pauta o conflito a partir do "acordo" interrompido entre Irã e EUA — isto é, que o ataque sionista tinha como único objetivo "interromper" ou "forçar" os persas a assinarem o acordo — pode estar ignorando um cenário mais amplo. A história pode ser muito mais complexa e tem rastros mais longínquos.
Se tivermos que demarcar uma temporalidade, eu diria que poderíamos iniciar com a invasão de Gaza, em 2023, onde, certamente, um dos objetivos era enfraquecer o Hamas. Mas havia outras razões, entre elas a descoberta de reservatórios de petróleo e gás na Área C da Cisjordânia e na costa mediterrânea de Gaza, com estimativas iniciais de 122 trilhões de metros cúbicos de gás e 1,7 bilhão de barris de petróleo recuperável.
Então, se olharmos esses movimentos, podemos pensá-los como uma preparação de médio prazo: primeiro, era preciso enfraquecer os grupos de apoio ao Irã para, depois, atacar o coração da resistência ao projeto sionista. Fica então a questão: qual o momento certo para atacar o Irã? Provavelmente em meio aos impasses nas negociações com os EUA de Trump. Era preciso retomar as negociações, impor um acordo inegociável, para que Israel pudesse alegar um "ataque preventivo" e cometer mais meia dúzia de crimes de guerra.
Uma possibilidade mais abrangente, que deve ser seriamente considerada para explicar o ataque, é a seguinte: o Irã tornou-se membro dos BRICS em agosto de 2023. Em maio deste ano, um trem de carga partiu da cidade chinesa de Xian e chegou ao porto seco de Aprin, perto de Teerã; a Iniciativa Cinturão e Rota reduziu de 30 para 15 dias o comércio entre Irã e China. Enfraquecer o Irã e substituir o governo dos Aiatolás pode, portanto, significar a interrupção do projeto chinês de ligar o leste da Ásia à Europa passando pelo Irã e pela Turquia. Sempre vale lembrar que o Irã possui a terceira maior produção de petróleo e gás do mundo e, em 2024, a National Iranian Oil Co. (NIOC) descobriu uma reserva de petróleo na província do Khuzestão avaliada em US$ 7,3 bilhões.
É preciso dizer que o Irã, embora seja majoritariamente persa (pouco mais da metade da população), sua composição social é multiétnica e multicultural: azeris (turcos), curdos, lurs, árabes, balúchis, armênios, assírios, georgianos e judeus. A comunidade judaica no Irã, aliás, é uma das mais antigas do mundo e uma das maiores no Oeste da Ásia, depois de Israel. Em Teerã, há pelo menos 12 sinagogas em atividade, e um pouco mais de 50 em todo o país.
Essa convivência pacífica histórica ajuda a compreender que o problema do Irã não é contra os judeus, mas com o projeto sionista. Ao olharmos os arranjos fronteiriços, pode-se verificar que os Estados-nação no entorno de Israel foram severamente enfraquecidos ao longo das últimas décadas: Líbano, Síria e Iraque. A Jordânia, passiva e silenciada desde que perdeu a Cisjordânia para Israel em 1967, possui uma monarquia constitucional de fachada, pois seu rei, Abdullah II, nomeia e troca o primeiro-ministro quando acha necessário.
Se esta conflagração iniciada pelos sionistas (com aval do império) fará do Irã a bola da vez, ou, se a reação iraniana configurará no Irã da vez, ainda não sabemos. O que sabemos e podemos afirmar com certeza é que não há projeto mais imoral no mundo atual que o projeto sionista.