Não é segredo: as hashtags #congressodamamata e #congressoinimigodopovo viralizaram. As informações que circulam por meio delas são que 70% dos congressistas são contrários ao fim da escala 6x1, 53% são contra a redução dos supersalários no Judiciário e 46% opõem-se à taxação de super-ricos. Na semana passada, o Congresso já havia vetado projetos do governo no setor elétrico, cujo resultado direto será o aumento da conta de luz (bandeira vermelha ininterrupta). Para completar, após vetar o decreto do governo sobre o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), o Congresso votou pelo aumento do número de deputados, de 513 para 531, o que representará mais R$ 100 milhões por ano no orçamento da União. Nada mais antipovo que isso!
O que falta as hashtags é alcançar a raiz do problema: não há como o Congresso ser pró-povo, uma vez que o povo simplesmente não está representado lá. Em sua maioria quase absoluta, deputados e senadores são oriundos dos grandes setores econômicos. Mais da metade dos "nobres" congressistas está vinculada ao setor agropecuário, o famoso "agro" — estamos falando de 300 (dos 513) deputados que fazem parte da Frente Parlamentar Ruralista. Outros congressistas estão ligados a grandes setores da indústria, do comércio e de serviços. Menos de 15% dos deputados e deputadas vieram das classes populares. Além disso, mais de 240 deputados federais são milionários. Considerando que o número de milionários no Brasil não chega a 1% da população, como isso é possível?
Achou estranho? Pois é. Os milionários, mesmo sendo menos de 1% da população, formam quase metade do Congresso Nacional. Como isso se dá? Simples: no "sistema democrático" brasileiro (nas democracias liberais), é eleito quem pode investir pesado em campanha. Assim, fica fácil: quem não tem dinheiro não é eleito, somente poucas cadeiras (entre 10% e 15%) são preenchidas por representantes eleitos com base em pautas populares. Para se ter uma ideia, até 2015, apenas 10 empresas brasileiras eram responsáveis por financiar as campanhas de mais de 70% dos deputados. Estamos falando aqui de gigantes como: JBS (bancada do bife), Bradesco e Itaú (bancada dos bancos), OAS, Andrade Gutierrez, Odebrecht, UTC e Queiroz Galvão (bancada do concreto) e Ambev (bancada das bebidas). Isso significava que, de cada 10 deputados, 7 eram financiados por elas. Com a proibição do financiamento empresarial, o que o Congresso fez? Aumentou o fundo partidário. Hoje, são quase R$ 5 bilhões de dinheiro público. Assim, os empresários transferiram para o povo o custo de suas próprias campanhas.
Ainda não entendeu? A questão central não é que os políticos são individualmente corruptos e "trocam" apoio por financiamento — esses representam apenas uma parcela. O problema é que o Congresso pertence aos grandes grupos empresariais. Trata-se, portanto, de legislar em causa própria. É isso.
Aliás, essa história sempre foi assim, desde a Primeira República. A elite cafeeira paulista, por exemplo, conseguiu aprovar no Congresso uma lei que impedia a União de ficar com a arrecadação das exportações, que passou a ser encaminhada para os estados. O Convênio de Taubaté, aprovado em 1906, determinava que o governo compraria a produção excedente de café para manter os preços altos. Na prática, os próprios barões do café, que eram deputados, senadores e ministros, incluindo o presidente da república, Rodrigues Alves (de família de grandes proprietários de terra em negócios de café e borracha), usaram o Estado para garantir seus lucros. Eles simplesmente se apropriaram da máquina pública para beneficiar seus negócios. (Essa história é bem mais longa e bizarra, mas vamos parar por aqui).
Jamais houve um momento em nossa história em que as oligarquias brasileiras estiveram fora do poder central ou regional. Não é de hoje que essas famílias poderosas espalham seus descendentes pelos mais diversos ramos do poder. Seus filhos e netos estão hoje disseminados em cargos de confiança nos tribunais de contas e procuradorias; eles comandam sindicatos patronais, entidades como a Febraban, e as FIESPs e FIRJANs Brasil afora. Eles são sócios, literalmente, de grandes grupos de planos de saúde, educação e segurança. Controlam o setor imobiliário dos grandes centros, desabrigando comunidades inteiras — como a Favela do Moinho, em São Paulo — para ampliar seus empreendimentos. Então, meus (poucos) leitores, percebam: nosso problema não se resume ao Congresso, mas a toda a estrutura do Estado brasileiro, que é cooptada pelos grandes grupos financeiro-empresariais.
Outra questão importante, já que a grande imprensa se alvoroçou para contra-atacar em defesa (própria) das grandes fortunas, é que essa pauta precisa alcançar o pequeno empresariado. Alienado pela ideologia liberal do mérito, o pequeno empresário se ressente de pagar impostos demais (e paga mesmo), achando que a culpa é "dos políticos". Mal sabe ele que o grande empresariado, fonte de "inspiração e sucesso", praticamente não paga impostos sobre seus maiores ganhos, pois os recebe como lucros e dividendos isentos. Pior: ao dominarem o Congresso, esses senhores conseguem ir além, beneficiando-se de isenções e desonerações fiscais, só o governo do Tarcísio de Freitas (SP), projeta oferecer - renúncia de receitas tributárias de R$ 85,6 bilhões para 2026. Esse "combo de mamatas" nos Estados e na União, podem chegar na casa dos 800 bilhões ao ano. Toda essa grana é embolsada pelos ricos. O "bolsa milionária".
Mas isso não seria ilegal, imoral, antirrepublicano? Onde está a justiça? Bem, a grande maioria dos juízes, desembargadores e ministros do Supremo reside, metaforicamente, na mesma casa: eles são parte dessa mesma elite. Compõem uma "nobre casta" nacional, formada majoritariamente por pessoas brancas, que vivem de supersalários — a remuneração líquida de desembargadores em São Paulo, por exemplo, chegou à média de R$ 146.470 por mês em 2023 —, que mal dão para comprar ternos italianos e bolsas de 10 mil dólares.
O que restou? Restamos nós: o "povo sem medo".
Nós, os trabalhadores sem terra e sem teto.
Nós, as mulheres solo e nosses guerreires LGBTQIAPN+.
Nós, os movimentos periféricos, os quilombos e os ribeirinhos.
Nós, os povos originários.
Eles são apenas uma minoria poderosa. Eles têm o monopólio legítimo (e ilegítimo) da violência. Mas nós, nós temos uns aos outros. E juntos podemos calá-los e expulsá-los de cima do nosso dinheiro, do nosso Congresso e da nossa República.
Jonatas Carvalho - Historiador - Doutor em Sociologia e Direito.