Não me lembro de ter ido muitas vezes a uma festa de quinze anos. A última vez que estive em uma, foi na cidade de Três Rios, cidade esta que morei por um ou dois anos na minha infância. De Três Rios trago recordações ótimas da infância que lá vivi, acho que foi lá onde eu fiz minha transição para a adolescência.
A festa até onde me lembro foi normal, muito comes e bebes, muita música, meus filhos dançaram bastante após a valsa e eu e minha adorável esposa, nos empanturramos. Sou antitradição, não costumo ser radicalmente contra as coisas, mas tradições me deixam irado. Quando me licenciei em História, os alunos da minha turma não entenderam porque eu não quis participar da formatura. Fiz minha colação de grau dentro da sala do coordenador do curso, só eu e ele. Não suporto essa coisa da transmissão de poder, recheado de adereços que representam autoridade, como aquela torga, soa como se alguém que revestido deste suposto poder, outorgasse a você a licença para usá-lo.
Ontem fui a uma festa de debutantes, uma jovem belíssima, uma mãe felicíssima e um pai embasbacado. Como a última, a festa corria normalmente, tudo ia muito bem, a comida ficava melhor a cada momento, boa cerveja, a música... os jovens estavam curtindo. Minha adorável esposa estava ansiosa pela chegada de sua amiga, esta viria com o marido, que eu não conhecia, mas seria uma companhia masculina, para que eu pudesse falar com alguém, já que até o presente eu só ouvia minha mulher conversar com outra colega.
Minha esposa já havia sentenciado que pela hora a amiga e seu esposo não viria, logo eu estava condenado ao silêncio, pois não havia qualquer possibilidade de eu entrar no diálogo da minha esposa com sua outra colega. Para nossa surpresa a amiga chegou, eu me animei pela possibilidade de falar com alguém, sobre negócios, futebol, política, estas coisas.
O casal uma vez devidamente apresentado, sentou-se em nossa mesa, o marido da amiga de minha esposa, não parecia muito falante, fazia um tipo que é tranqüilo. Minha percepção falhou drasticamente, o indivíduo era um empresário muito ativo. Era inteligente, pragmático e direto, tocava seu negócio como judeu, isto é, tudo é negócio. Como comigo, nada é negócio, meu novo companheiro de copo, agora já com algumas taças de vinho na cabeça, ficou mais falante, mas mudo ude assunto.
Deixamos de falar dele, para falar de mim, ele me perguntou sobre minha atividade na ONG que coordenei, o assunto drogas passou então a ser predominante. Mas o papo não ficou concentrado em mim, pelo contrário, não podia eu imaginar o que estava por vir. O assunto drogas, porém, rendeu mais que eu podia esperar, meu novo amigo, passou a revelar-me toda sua experiência com as drogas. Fico sempre muito intrigado, com a capacidade com que algumas pessoas se abrem comigo, sei que tenho um jeito tipo, psicoterapeuta, mas há momentos que me surpreendo.
O sujeito colou sua boca a dez centímetros da minha orelha direita e passou a me falar sobre sua antiga relação com a canabis sativa, o sujeito já com os seus cinqüenta, não abria mão da diambra. Eu conseguia em alguns momentos argumentar, mas ele monopolizou o diálogo, deixando-me numa situação real de ouvinte.
– Fumo três finos por dia, caso contrário não trabalho direito! Defendia-se. A madrugada batia a porta, eram um e meia da manhã, minha esposa e sua amiga já haviam nos deixado a tempo, depois fiquei sabendo que ambas nos observavam e riam da minha situação. Meu ouvido direito ficou um tanto quanto adormecido. Ao nos chamarem para irmos, meu amigo confessou-me que só havia me contando aquela história toda, por saber que eu era uma pessoa ética, afinal, sua esposa não sabia de nada.
Por fim, quando entrei no carro com minha família, mesmo um pouco surpreso com o que havia escutado naquele lugar, pensei sobre os preconceitos que temos acerca das pessoas. O quanto somos conduzidos por todo um aparato discursivo que só faz dizer mal das drogas, só faz recriminar quem usa. Meu amigo é um bom sujeito, tem caráter, é bom marido, bom pai, tem responsabilidades, conduz seus negócios com sobriedade. Concluímos que ele faz uso terapêutico da canabis, embora ele reconheça que por vezes comete abusos ao usar, mas quem não abusa em alguma coisa nesta vida?
Minha esposa querida, muito solícita, já agendou um encontro com mais um casal além deste último, só que o outro casal, o esposo faz uso de coca, acho que o encontro irá virar, uma terapia de grupo, por mim tudo bem, desde que tenha um whiskyzinho.
Jcarval.
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