sábado, novembro 27, 2010

A CIDADE REBELDE

A violência no Rio não é algo que nasceu ontem, atualmente há diversos pesquisadores e núcleos de pesquisas específicos para estudá-la. A antropóloga Alba Zaluar, coordena o NUPEVI - Núcleo de Pesquisas da Violência - UERJ, suas pesquisas sobre a Cidade de Deus ajudou ao Paulo Lins a escrever o livro que deu origem ao filme dirigido por Fernando Meirelles. Há ainda o NECVU - Núcleo de Estudos da Cidadania e Violência Urbana - UFRJ, coordenado pelo sociólogo Michel Misse. As pesquisas de Misse envolvem a questão das drogas, e a formação da polícia, o conceito elaborado por ele de "mercadorias políticas", tem ajudado a entender a corrupção. Misse ainda produz trabalhos fantásticos sobre o inquérito policial, na sua avaliação este deveria não existir.
Estou lendo um livro de Jane Santucci, "Cidade Rebelde", publicado pela editora Casa da Palavra. O livro aborda as revoltas populares no Rio de Janeiro do início do século XX, como a revolta do vintém, revolta das carnes verdes e revolta da vacina. Jane procura demonstrar que o "fermento" das revoltas foi o projeto de urbanização do Rio, efetivado na reforma de Pereira Passo, movido pelo espírito da belle époque.
Uma das coisas interessante desse livro é o destaque que a autora dá a sensação de medo presente na sociedade carioca, as camadas populares temiam a polícia, a classe média temia os populares, todos temiam as epidemias e as pestes que tomavam conta do centro da cidade. Surgiam "figuras perigosas", como os "capoeiras" ou "navalhas" como eram chamados alguns moradores das "favelas". Este povo que ocupou o morro da "favela" (providência) eram ex-combatentes da guerra do Paraguai (dos canudos), que aguardavam o exército regularizá-los.
Após mais de cem anos de uma ocupação sem quaisquer critérios, com a total ausência do Estado, as "favelas", acabaram virando reduto (lugar de aliciar jovens sem quaisquer perspectivas), do mercado das drogas. Este espaço, onde a população que serve de mão de obra barata para realizar as tarefas que não estão “a altura” da classe média foi sendo desterritorializado pelo tráfico. Essa gente pobre, destituída da proteção do Estado, sem direitos básicos como saneamento, vivem décadas debaixo de regimes alternativos de poder, como o jogo do bicho, o tráfico de drogas e as milícias.
O medo está de volta às ruas do Rio, assim como nas crônicas de João do Rio, como nos livros de Aluísio de Azevedo, ou nos textos de Lima Barreto, este "medo urbano” (termo que Foucault utilizou para explicar esta nova modalidade de medo que surge nos fins do século XIX e início do XX, que era o medo da cidade, da massa populacional), difere do passado, a ameaça não está mais nas epidemias, ou na insalubridade das fábricas. A revolta que o Rio assiste hoje, não é um quebra-quebra devido a uma política exploratória implantada pelo governo. O medo atual está associado ao conflito fortemente armado entre o Estado e o mercado ilícito do tráfico de drogas, é uma guerra pelo território, a tentativa do Estado retomar o território perdido.
Se há algo que possa ser relacionado entre o medo passado e o medo presente é que ambos são resultados da mesma matriz social, da desigualdade cruel do sistema capitalista e da ideologia liberal. Estes criaram os grandes centros urbanos, onde a sociedade que neles habita é dividida por classe social, com gigantescas diferenças e profundas feridas. Um mundo de shopping centers cercado por favelas.
Jcarval.

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