O pós-eleições tem demostrado como boa parte da esquerda brasileira é simplória no que tange às análises sobre as relações de poder entre o Estado-Nação e o Grande Capital. Se não é deficiência de análise então é puro marketing, o que torna a coisa ainda pior. Para começar, o endosso às instituições “garantidoras da democracia”, tal como o STF é um absurdo. O louvor ao "Xandão" é fruto da nossa necessidade de heroísmo, nós já vimos o que acontece quando elegemos heróis de toga (ou de farda), um ex juiz e ex ministro da justiça vinculado à ultradireita agora será senador da república. Não consigo conceber como se cai fácil nesse jogo da extrema direita, quer dizer então que se eles batem no STF, nós temos que passar a defender a instituição? Não, não devemos. As instituições do Estado-Nação só tem uma finalidade: defender os interesses do Grande Capital. O Xandão segue sendo o mesmo Xandão que foi secretário de segurança pública de São Paulo sob a tutela de Geraldo Alckmin e posteriormente Ministro da Justiça de Michel Temer, isto é, envolvido até o talo com esse Estado repressor das minorias, profundamente beneficiado com o impedimento de Dilma Roussef. A esquerda esqueceu da sabatina do Xandão no Senado? Esqueceram o plágio?
Onde estavam as instituições nos últimos quatro anos? Pior, onde estavam quando ao longo do processo de cassação da presidenta Dilma? Eu digo, estavam lado a lado com os golpistas. Não esquecerei a cara do Lewandowski ao conduzir o processo final da cassação de Dilma no senado, era o semblante de quem sabia que estava conduzindo um rito mergulhado em farsa, mas era necessário dar a aparência de legalidade, era importante fazer parecer que estávamos dentro do jogo democrático. O que fez o STF no caso mais bizarro de “lawfare” da história desse país contra Lula? A história do STF é a história da aparência da legalidade. As omissões diante do Grande Capital são inumeráveis, as concessões as oligarquias nacionais são intermináveis. O que faziam os ministros do Supremo em Nova Iorque há algumas semanas em evento financiado pelo pessoal da Faria Lima? Por que os ministros do maior tribunal de justiça desse país participam de um evento assim? Algumas empresas presentes no evento possuem processos na justiça, como é o caso do Banco Master que teria pago as passagens, segundo algumas apurações jornalísticas.
Outro dia eu conversava com um jovem que se diz “anarcocapitalista”, na impetuosidade jovial ele dizia que o Estado tem que acabar de vez. Eu tentei explicar a ele, tentei, mas me parece que não deu certo, pelo menos a curto prazo. Disse-lhe que o Estado não vai acabar porque ele é fruto próprio do Capital. O capitalismo se expandiu utilizando o Estado como escudo e arma. Não é preciso muito para entender isso, basta ver como se deram as invasões ocidentais pelo Atlântico e Pacífico ao longo dos séculos XVI ao XIX. A história da “expansão europeia”, é a história de como as corporações privadas se valeram do Estado-Nação para expropriar as riquezas dos povos americanos, asiáticos e africanos, os reis são um detalhe nisso tudo. Não demorou para que as monarquias desmoronassem uma a uma e os Estados europeus passassem a ser conduzidos por parlamentos dominados pelas grandes corporações. Quando o Estado cria uma legislação protecionista, devemos ler o seguinte: o capital se vale do Estado para se proteger da concorrência. Quando o Estado monopoliza um determinado serviço, devemos ler: o capital privado se vale do Estado para garantir exclusividade de seu negócio.
O Estado e suas instituições são instrumentos do Grande Capital. Trata-se de uma fórmula brilhante, as corporações estabelecem por meio do direito, como o Estado irá garantir seu sucesso. Basta olhar a produção de leis e normas de um Estado para percebermos como a propriedade privada é salvaguardada. Porque o Estado tem o monopólio da força? Para proteger a propriedade privada. Não há relação com o chamado "Estado Democrático de Direito", isso é ideologia. E quando eu falo de propriedade privada não me refiro ao seu carro popular zero, ou o seu apê pago com financiamento da Caixa. Me refiro as grandes propriedades. Quando digo grande é grande mesmo, por exemplo, todos os Estados do mundo possuem dívida externa, para pegar apenas alguns Estados com forte economia, os EUA deve 22 tri, o Reino Unido 9 tri, a Alemanha 6 tri, o Brasil 5 tri. Eu te pergunto, para quem vai essa grana toda? Ou melhor, quem recebe todo esse juros? Sim, são os banqueiros que ficam com essa grana, um pouco mais de dez bancos no mundo recebem todo o juros de mais de uma centena de países. É o Estado literalmente na mão do Grande Capital.
Não é por outra razão que vemos a predominância mundial de modelos republicanos de economia neoliberal. Se o Estado-Nação é sequestrado pelo Grande Capital, logo, este deve jogar conforme as regras do sequestrador. A ideia de um Estado Mínimo = Eficiência, tão precariamente pregada pelo último candidato do Partido Novo à presidência da república, é uma “tistreza.” Nunca se tratou de ineficiência, se trata de projeto. Já observou como as áreas de arrecadação do Estado são primorosas? Já percebeu como nossa Receita Federal é de ponta? Então a “Máquina” funciona maravilhosamente bem quando se trata de entradas, mas é absurdamente burocrática quando se trata de saídas. Isto é proposital, não uma anomalia.
Não é por outra razão que casos como Brumadinho (2019), se arrastam na justiça, por falar nisso, observe como o caso é descrito no Wikipédia, “foi o maior acidente de trabalho no Brasil em perda de vidas humanas”, não se trata de acidente de trabalho, se trata de negligência para dizer o mínimo. A Vale do Rio Doce, vem praticando crimes ambientais há décadas. O documentário “Na Fronteira do Fim do Mundo” (2021), de Ismael Machado, mostra como a mineradora que teve o maior lucro da história no Brasil (121 Bi), comete atrocidades no Pará, uma estrada de ferro que segue atravessando a cidade de Canaã dos Carajás, expulsando moradores, destruindo fazendas e transformando a cidade em uma zona de mineração. É uma espécie de reedição do que a Brazil Railway, de Percival Farqhuar realizou com Estrada de Ferro Madeira-Mamoré e no Contestado.
Pergunto, as instituições estão funcionando para nossos povos originários? Enquanto o STF empurra com a barriga a decisão sobre o Marco Temporal (aliás o último pedido de “vistas”, que suspendeu o julgamento fora feito pelo Xandão), ao longo dos anos do governo das atrocidades do Messias, as nações indígenas estão sendo dizimadas e suas terras invadidas. Estão funcionando para os 40% de presos provisórios deste país, cuja população carcerária é a terceira maior do mundo? Elas funcionam para os moradores das comunidades do Rio de Janeiro que receberam nos últimos dois anos mais de 1.300 “operações policiais”? Só na “gestão” de Cláudio Castro a polícia já executou 330 pessoas em 74 “operações policiais”, são chacinas cotidianas de corpos negros.
Então, não, eu não me inclinarei às instituições. Tomando aqui Bourdieu de modo rasteiro como referência, elas funcionam como garantidoras das desigualdades sociais, são mantenedoras de um sistema de distribuição desigual de capital simbólico, cujo acesso é restrito àqueles que possuem tais capitais (político, econômico, social) e mantém os destituídos de capital sem acesso ao campo social (instituições). Sim as instituições estão funcionando, nunca pararam de funcionar, mas o jogo que elas jogam, apenas poucos podem jogar.
Jonatas Carvalho
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