domingo, abril 20, 2025

A PESTE DE FREUD NA ERA DE OURO DE TRUMP

Entre agosto e setembro de 1909, Sigmund Freud, na companhia de Carl Jung e Sandor Ferenczi, a convite de Granville Stanley Hall, proferiu um ciclo de conferências que ficaram conhecidas como "Cinco Lições da Psicanálise" na Clark University em Worcester, Massachusetts. 

A viagem do Dr. Freud aos EUA já foi foco de muitas pesquisas e interpretações, incluindo o livro (Freud, Jung and Hall the king-marker: the expedition to America, 1909), de Saul Rosenzweig, professor emérito de psicologia e psiquiatria da Universidade de Washington em St. Louis. Ernst Jones, biógrafo de Freud, também menciou a viagem. 

Mas teria sido Lacan, em 1955, a revelar um diálogo entre Freud e Jung, ainda dentro do navio, que ao avistar a estátua da liberdade, Freud teria dito: "Não sabem que estamos lhes trazendo a peste!". Lacan, estava em Viena, a interpretação dominante sobre a frase de mestre dizia que se tratava do caráter subversivo da psicanálise. A psicanálise seria assim uma “peste”, por, ao ir de encontro às convenções morais de então, representaria um perigo. Mas Lacan, tinha concluído que a psicanálise “não foi uma revolução para a América na realidade, a América é que tinha devorado sua doutrina" (CHINALLI,2010).  

Fonte: The New York Times. 
É fato, que mesmo tendo Freud se animado com o convite de Stanley Hall, em sua autobiografia em 1925, escreveu que havia sido a primeira vez que sentira que a psicanálise ganhara algum reconhecimento. Ainda assim, Freud, não só nunca retornou aos EUA, como observava com desconfiança o que se fazia com ela por lá. 

Não é difícil compreender que na terra do “time is money” , do “fast food”  e do behaviorismo, a psicanálise não renderia grandes frutos, caso não passasse por uma mercantilização da prática clínica. Ainda assim, na terra do “Tio Sam”, a psicanálise está afastada dos centros universitários, com raras exceções. Por outro lado, a propaganda sobre medicamentos indicados para os mais diversos “transtornos mentais” compete os espaços (outdoors) públicos ao lado dos hambúrgueres. 

Meu ponto, porém, em relação a “peste” de Freud, é outro. Uma vez que a grande questão da psicanálise é que esta tem em seu fundamento que o homem não é senhor pleno de seus pensamentos e ações. Como escreveu Franklin L Baumer (1977), “o ego (razão), não dirige a vontade e todo o trabalho do espírito.” Neste sentido, a psicanálise é uma “peste” nos EUA porque ela contrasta com o "American Way of Life", a mensagem da psicanálise é que o “Sonho Americano” é impossível, pois não há como satisfazer plenamente o desejo. 

O “tarifaço” de Donald Trump procura de certa forma exatamente isto, restituir o desejo ao máximo. A queda brutal do poder de compra da classe média estadunidense foi acompanhada, evidentemente, pelo crescimento da pobreza. Pior que isto, ao “mande Brazil”, um abismo sócio-econômico vem consumindo o solo das classes, como se fosse um buraco negro. As famílias oligárquicas da Costa Leste estão ainda mais ricas, um pequeno império emergente se destaca (das BigTechs), enquanto o restante, vê a precarização crescer feito uma bola de neve que desce a montanha. 

Ao orientar-se pela perspectiva da "America First", Trump, imagina resgatar o “Sonho Americano”, retomar os altos índices de consumo, mais que isto, instaurar uma "Era de Ouro". Essa intensificação do desejo, o “eu quero, eu posso”, diante da nova reorganização da economia mundial, como os BRICS, em especial a China, o “Tio Sam”, vem se deparando com algo inesperado; o limite. O Sul Global, me parece, irá se encarregar dessa grande lição aos estadunidenses, que é, “vocês não podem tudo!”. Haverá muitos traumas. 

Jônatas Carvalho. 
Historiador - Doutor em Sociologia e Direito. 

Notas: 
Myriam Chinalli. A chegada da peste: cem anos da viagem de Freud aos EUA (1909-2009). Veja também: https://appoa.org.br/correio/edicao/334/psicanalise_da_peste_a_viralizacao/1312 
Uma leitura de uma psicanalista brasileira nos EUA. https://appoa.org.br/correio/edicao/325/notas_de_uma_psicanalista_brasileira_nos_estados_unidos/1169 Franklin L. Baumer. O pensamento europeu moderno, Vol. II, p. 192.  
 

Um comentário:

Marida disse...

🙌🏻❤️