Não é meu costume escrever textos de caráter fúnebre, mas esta semana diante dos acontecimentos, me vi impelido a interromper o artigo que preparo para um congresso, para transcrever as impressões que tive durante e a após o velório e sepultamento do Sr. Josué. Devo ressaltar que esta crônica não é uma sátira sobre quaisquer princípios, trata-se antes, de uma observação quase antropológica de como se dão as relações sociais nos níveis mais íntimos, no interior das famílias.
Cheguei ao velório, já em cima da hora, pois vim de Cabo Frio para Petrópolis, a primeira coisa que percebi foram os rostos familiares que eu não via há muitos anos. Alguns amigos também se encontravam no local, aliás, uma característica comum nos velórios, revemos amigos comuns e inevitavelmente colocamos a conversa em dia. O velório é desta forma, um ambiente ambíguo, ao mesmo tempo em que lamentamos a perda do ente querido, nos regozijamos com aqueles que queremos bem.
Após o sepultamento, seguimos para a casa da família, uma família tradicionalmente cristã, conservadora, assim como a minha, com filhos criados debaixo de um moralismo rigoroso e preconceituoso. Acostumamo-nos com um discurso puritano e por tempos mantivemos firmes tais preceitos morais, víamos pecado em todo e qualquer comportamento fora dos padrões puritanos herdados.
Na casa da Dila eu me surpreendi com a presença de tantos contrastes à ética judaico-cristã. Surpreendi-me com um tipo de solidariedade que comumente é abominada quando vinculada a outras formas de comemorações. Aquela casa, onde durante décadas funcionou uma congregação cristã evangélica, tinha uma família, um tanto controversa no que tange tais valores. Na casa se encontravam a filha mais nova que já era avó antes dos quarenta, sua filha fora mãe aos quatorze, a filha mais velha vivia com outra mulher, o filho do meio, o Josué filho, era o que tinha uma vida, digamos mais condizente, embora não fosse exatamente um cristão. A casa contava ainda com um gay que trouxe as amigas de carona, pois era o único que tinha carro, duas sapatonas negras, um casal de evangélicos,uma senhora solteirona e muitas crianças.
A cena, me encantou, não vi ali qualquer olhar recriminativo. A Dila passava o café e quando o pão com mortadela chegou, todos se aglutinaram na cozinha, enquanto comiam, conversavam uns com os outros cordialmente. Nem parecia que tinham enterrado um ente querido, só se percebia a dor da perda pelos olhos inchados e avermelhados, natural em quem chorou muito durante o dia. O ambiente naquela casa, só se explica, só se entende esta aparente contradição,ao se conhecer o Sr. Josué. Quem o conheceu entenderia aquela diversidade, aquele multiculturalismo, pois Sr. Josué, foi um tipo de alma, que sempre tratou a todos com candura, por isso aquela casa não era uma casa qualquer, era um lar, um lar que sempre teve um lugarzinho para quem quer que fosse, independente da cor, da sexualidade ou de qualquer outro tipo de opção. O mundo certamete seria melhor se tivéssemos mais pessoas como o Sr. Josué por ai.
Jcarval.
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