Preferi sempre a loucura das paixões à sabedoria da indiferença.(Anatole France - 1844 - 1924)
Muito já se escreveu sobre esse tema, desde de Erasmo de Roterdã (em O elogio da loucura, de 1511) até Foucault (em História da loucura na Idade Clássica em 1961), mas ainda há tanto que se refletir. Neste texto especificamente, quero tratar sobre uma obra, que embora de ficção, tem fundamento em experiências reais do autor, trata-se de One Flew Over the Cuckoo's Nest, (Voando sobre um Ninho de Cucos), de Ken Kesey, escrito em 1962 e traduzido no Brasil com o título de Um Estranho no ninho. A obra virou um filme vencedor de algumas estatuetas em 1975, dirigido por Milos Forman, cineasta tcheco que quando menino perdeu seus pais em campos de concentração nazistas. Meu objetivo aqui será traduzir resumidamente como a loucura é apresentada na obra de Kesey, mas também a partir da releitura de Forman, uma vez que este último, tenha alterado bastante a versão para o cinema.
Comecemos pelo livro, por motivos óbvios. Ken Kesey, estudou jornalismo na Universidade de Oregan, em 1957, por meio de uma bolsa de estudos foi para Stanford, onde fez estágio em um hospital para veteranos de guerra em Menio Park, para ser mais específico, trabalhava a noite na ala de "doentes mentais". E é ai que nasce a história, parte das personagens de Kesey são baseados em pacientes com quem ele se relacionou, exceto McMurphy, protagonista com características irreverentes que ele construiu inspirado em um de seus amigos de seu grupo Merry Pranksters. A obra tornara-se um sucesso por uma série de razões, em primeiro lugar por ter uma narrativa na primeira pessoa, o narrador é um nativo americano, chefe Bromden, que embora integrado na sociedade, viu seu pai ser humilhado pelo governo, o índio recebe um diagnóstico de esquizofrenia. Chefe Bromden narra a chegada de McMurphy ao hospital psiquiátrico, este se passara por louco para evitar a penitenciária, após ter matado um homem numa briga de bar. Mc, muda a rotina do hospital com sua irreverência e coloca em cheque a tirânica enfermeira Ratched. A discussão sobre sanidade e insanidade são tratadas na obra, o que faz dela uma referência do movimento da antipsiquiatria.
Cartaz da Acid Test em 1966 - Califórnia |
Bem, eu ouvi que vai ser recuperado
Bem, eu pensei que você tinha feito isso
Mas você nem sequer é pago
Para as coisas que você comprou
Como o teste ácido
Eu ouvi que seu gerente saiu da cidade com todo o seu salário
E a liderança do seu vocalista transforma os censores em cinza
Parede que é realmente uma vergonha
Mas quem está lá para culpar
E tudo que você queria mesmo era só para jogar
Dizem que seu baterista ele é louco como um mergulhão
Ontem à noite, o acharam latindo para a lua
Um estranho no ninho, ao modo como Kesey concebeu, revela uma América voltada para o consumo e a guerra. Chefe Bromden descreve as contradições de uma sociedade que eliminou seus antepassados, por, dentre outras coisas, considerar seus rituais de alterações de consciência como satânicos, para dar lugar a uma juventude que "viaja" em LSD e outras substâncias. Essa juventude não queria saber de guerras, tão pouco de money, estavam, ao contrário, ávidos pelas liberdades, liam Aldous Huxley (As portas das percepções - 1954) e Carlos Castaneda (A erva do diabo - 1968). As editoras trataram de traduzir e publicar clássicos do século XIX, como Confissões de um comedor de ópio (1822) de Thomas de Quincey e Paraísos Artificiais (1860) de Charles Baudelaire.
Kirk Douglas e Joan Tetzil em 1963 |
Como disse em algum parágrafo acima, a obra de kesey, extrapolou a literatura, primeiro foi para o teatro, adquirida por Kirk Douglas que interpretou McMurphy, contracenando com Joan Tetzel de enfermeira Ratched, a peça estreou na Broadway em 1963 e na telona em 1975. Os bastidores da produção do filme renderam muitas capas de revista de fofoca, mas também chegou aos tribunais. Kesey nunca viu o filme, se irritou ao saber do roteiro de Bo Goldman e Lawrence Hauben, não gostou da ideia de seu protagonista ser interpretado por Jack Nicholson, preferia Gene Hackman para o papel. Suas objeções, no entanto, não foram absolutas, afinal, o filme recebeu quatro estatuetas na 48º cerimônia do Oscar, o que demonstra que não entendia mesmo de cinema, Nicholson levou a de melhor ator, Louise Fletcher (a enfermeira Ratched), de melhor atriz e Forman de melhor diretor, o filme também levou o prêmio de melhor roteiro adaptado, o filme teve um orçamento de 4,5 milhões e rendeu 109 milhões nas bilheterias, um sucesso. O elenco é absolutamente excepcional, além de Nicholson e Fletcher, o time ainda contou com Will Sampson (de Chefe Bromden), Brad Dourif (no papel de Billy Bibbit), Danny DeVito (interpretando Martini), Christopher Loyd (como Max Taber), e muitos outros.
O que deixou Kesey tão desgostoso no filme? É difícil dizer, quem já assistiu filmes produzidos a partir de obras literárias e as leu antes de ver o filme sabe bem o quanto isso pode ser decepcionante. Me lembro bem da minha primeira frustração, eu era um adolescente e tinha lido "Eu, Christiane F, 13 anos, drogada, prostituída..." (1976), não que eu tenha achado ruim o filme (1981), adorei a atuação de Natja Brunckhorst, no papel de Christiane F e claro, a participação de David Bowie, mas ao fim, eu me perguntei o por quê do diretor ( Ulrich Edel), ter escolhido ocultar certos acontecimentos do livro que pra mim eram essenciais. Foi só mais tarde que me dei conta que cada leitor apreende de uma obra aquilo que é sensível a sua subjetividade, e que um filme é a leitura do seu diretor. Isso fica muito evidente em casos de biografias, se escolhermos qualquer figura histórica e dermos sua biografia para cinco cineastas teremos cinco visões sobre aquela figura. Não foi diferente com "Um estranho no ninho", Milos Forman, é um leitor que resolveu elucidar aquilo que considerou fundamental a partir de sua leitura da obra.
Milos Forman, que faleceu em abril de 2018 aos 86 anos, tem uma biografia tão interessante quanto a de Kesey, como já citei acima, o cineasta tcheco perdeu os pais quando tinha entre 11 e 12 anos, o pai, professor foi preso por distribuição de literatura proibida, morreu no campo de concentração de Buchenwald, a mãe, morreu em Auschiwitz, em 1943. Passou parte da vida em um país de regime socialista (a antiga Checoslováquia), só veio para os EUA em 1968. Seu primeiro filme de sucesso foi "Amores de uma Loira (1967), destacando-se internacionalmente ao receber o prêmio do Festival de Veneza e ter sido indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Seu primeiro filme produzido nos EUA foi Taking Off (1971 - título no Brasil "Procura Insaciável), ganhador do Prêmio Especial do Júri do Festival de Cannes, anos depois consagra-se com "Um estranho no ninho". Forman ainda dirigiu outras grandes produções, dentre as quais destaco aqui: "Amadeus" (1984), outra adaptação, vencedor de oito estatuetas incluindo de melhor diretor; "O povo contra Larry Flynt" ( 1996), com duas indicações ao Oscar e o prêmio "Urso de Ouro" no Festival de Berlin; "Goya's Ghosts" (2006 - título no Brasil " As sombras de Goya", com Stellan Skarsgård no papel do pintor espanhol Francisco Goya e Javier Bardem de Irmão Lorenzo, um padre membro da inquisição e Natalie Portman, no papel de Inês.
Jack Nicholson e Louise Fletcher - 1975 |
O filme pode incomodar aos leitores da obra em alguns aspectos, o principal deles é que o Chefe Bromden não é o narrador, apenas um nativo americano que usa da dissimulação (se passando por surdo e mudo) para não ser incomodado pela equipe médica do hospital psiquiátrico. Já a enfermeira Ratched (a quem no livro Bromden chama de "chefona") não possui o mesmo requinte de crueldade que no livro. Todavia, o filme atinge ao objetivo do livro, tratar da desumanização dos "loucos", a personagem de Nicholson (McMurphy), que de início caçoa dos seus colegas, aos poucos vai desconfiando do que ocorre ali, por fim percebe que havia encontrado amigos sinceros, e sai em defesa de seus companheiros.
Jonatas Carvalho.
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