domingo, março 15, 2020

O VÍRUS DA IGNORÂNCIA

Em isolamento, pois faço parte de um grupo privilegiado que pode ter suas atividades suspensas ou atuar no sistema home office, não restou muitas opções: ler, escrever, séries, e acompanhar as redes sociais. 

Apesar de ler uma significativa quantidade de informações úteis, não pude deixar passar em branco a  propagação de teorias conspiratórias, atos pró-insensatez, discursos de negação da realidade; o vírus da ignorância pode ser tão devastador quanto o  COVID-19. 

Comecemos pelas teorias conspiratórias, em vídeos que circulam pela internet, a "China Comunista" é acusada de usar o capitalismo para dar um golpe no mercado econômico. Quão infundada e leviana é tal afirmação, além do mais, carregada de xenofobismo. Nas redes sociais é possível encontrar "notícias" que dizem que o Estado Chinês teria comprado 30%  das ações de empresas ocidentais com sede na Ásia em razão da crise, um boato claro. Os mais de 80 mil infectados e três mil chineses mortos, obrigou o governo a tomar medidas drásticas para deter o avanço do vírus, essas medidas causaram prejuízos gigantescos ao país. Não apenas o Estado Chinês, mas os grupos empresariais chineses, conectados a economia global sofreram grandes perdas. O crescimento econômico da China no último trimestre caiu pela metade, a balança comercial registrou um déficit de 7 bilhões, todos os setores foram atingidos, a crise econômica causada pelo vírus, fez o Banco Central Chinês liberar 70 bilhões de euros para deter a desaceleração.  

É claro que o vírus da ignorância tem componentes de retroalimentação; as notícias falsas e maliciosas. Lideranças neopentecostais como Edir Macedo e Silas Malafaia, desafiaram "seus rebanhos" a ir aos cultos em suas respectivas igrejas. Macedo, alegou que o vírus é uma "tática de satanás" para enfraquecer a fé, já Malafaia, disse que a Igreja deve ser o "último reduto da esperança", e orou para o Deus cristão destruir o vírus. Para se ter uma ideia do impacto que falas como essas podem ter, só a Igreja Universal, possui mais de 7 mil templos e segundo o IBGE, são mais de 1,8 milhões de fiéis só no Brasil. Todavia, é bom lembrar que não são todos o líderes evangélicos do país que pensam assim, muitas igrejas cancelaram seus cultos, outros fizeram transmissão online. 

Por último, não menos sério, os manifestantes dos atos pró governo espalhados pelo país, atos esses enfraquecidos na grande maioria das capitais, do ponto de vista de uma manifestação o que vimos foram pequenos grupos de radicais, mas do ponto de vista da propagação do vírus foi uma verdadeira festa. Os pronunciamentos nos palanques e carros de som são mostras perturbadoras do vírus da ignorância, não bastasse o extremismo político, expressos em cartazes pedindo a "volta do AI-5" ou "fora STF", os grupos que foram às ruas neste dia 15 de março, acumulam um conjunto de ideias preconcebidas com base em pseudociências que vão do terraplanismo aos movimentos antivacinas. O mais grave, em Brasilia, o ato contou com a participação do Presidente da República, contrariando recomendação de monitoramento, já que boa parte da sua comitiva em viagem aos EUA deram positivo para o COVID-19.

O vírus se espalha rápido. Se é verdade que seu potencial de letalidade é baixo, parece que a ausência de medidas sanitárias ou a demora na efetivação de políticas públicas podem resultar em aumento significativo de falecimentos, a Itália, no dia de hoje registrou 368 mortes e mais de 24 mil infectados. No Brasil, o ministério da saúde lançou editais que permitirão ao SUS, maior sistema de saúde pública gratuito do mundo, agir nos municípios. o órgão desenvolveu um aplicativo que permite os  usuários localizar o atendimento mais próximo de suas residências ou do local que estão. Mas contratação de médicos e pessoal de apoio, aplicativo e outros, não são suficientes. Será necessário investir forte em orientação em todos os veículos de comunicação, os casos confirmados aumentaram de 121 no sábado para 200 neste domingo. As áreas de periferias, onde vivem as populações mais vulneráveis, a propagação tende a ser ainda mais rápida e a assistência mais lenta. Com todas as possibilidades do COVID-19 se alastrar  significativamente pelo país nos próximos 15 dias, o vírus da ignorância só contribuirá para potencializar a pandemia. 

Jonatas Carvalho 
Doutorando em Ciências jurídicas e sociais - PPGSD/UFF
Pesquisador no Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos - INCT/InEAC 




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