Amanhã Trump e Putin irão se encontrar no Alaska. Analistas de diversas áreas buscam (desesperadamente) dar o "furo" antecipado. O que quer Trump? O que ele espera de Putin? Pior, como Putin, depois de ser tantas vezes ameaçado e enganado, ainda espera algo de Trump? Amanhã será selado o fim definitivo do conflito na Europa, uma longa trégua, ou adentraremos de vez em um cataclisma militar-nuclear?
Comentarei rapidamente sobre os possíveis interesses de Trump, pois há correntes interpretativas contraditórias. Me inspiro aqui, a algumas reflexões debatidas por Pascal Lottaz, professor da Universidade de Waseda (Japão), especialista em estudos de neutralidade nas relações internacionais, mas baseio minha análise em uma variedade de fontes.
A primeira aposta se baseia na perspectiva que Trump seguirá a agenda do Deep State (o chamado Estado Profundo estadunidense), isto é, que a vontade dos grupos de poder que realmente definem os rumos da política externa e interna dos EUA prevalecerá. Nesta visão, o projeto é desmantelar a Rússia, balcanizá-la, para isto, uma série de golpes são desferidos, Ucrânia, Moldávia, Transnístria e mesmo o acordo de paz entre a Arménia e o Azerbaijão serviriam a tal propósito. Associado aos ataques, algumas pausas são necessárias, acordos como os de Minsk (Bielorrússia), entre 2014 e 2015, serviriam para reagrupar e surpreender a Rússia com novos ataques.
A segunda hipótese é a de que Trump não tem alternativas se não a de ceder a Putin, a Ucrânia não suportaria muito mais tempo, quanto mais o tempo passar, mais a Rússia adentrará o território Ucraniano e pacificará os territórios conquistados. Por outro lado, ainda que os líderes europeus vociferem "até o último ucraniano!", os ucranianos não estão dispostos a morrer pela ganância dos senhores da guerra. Neste caso, Trump cederia a Putin, retirando as sansões internacionais à Rússia, aceitaria a perda dos territórios ucranianos (Luhansk, Donetsk, Zaporíjia e Kherson - além da Criméia), em troca de vantagens em negócios bilaterais no Ártico e minerais raros no território russo.
A terceira e última possibilidade é aquela que defende que Trump quer de fato a paz. Esta corrente propõe que Trump realmente almeja receber um Nobel da paz. Seu discurso é de fato neste sentido, ele teria interrompido a guerra entre Israel e Irã, Paquistão e Índia, Arménia e Azerbaijão, Camboja e Tailândia. Neste caso, Trump sairia como o pacificador que teria posto fim a guerra de Biden e cumpriria uma de suas promessas de campanha.
As três interpretações possuem problemas sérios, comecemos pela terceira, a do Trump pacificador. Esta poderia ser associada a qualquer uma das duas anteriores. Se houver um acordo que resulte no fim da guerra, independente da real intensão de Trump, ele se autoproclamará como o pacificador. A questão aqui é sua participação direta no genocídio em Gaza ao lado do governo de Netanyahu. Esperemos que o comitê Norueguês do Nobel descarte tal possibilidade.
A primeira interpretação ignora um jogo de poder mais complexo, embora possamos concordar com a existência de um Deep State nos EUA, ele não é um bloco homogêneo, há disputas profundas entre os grandes grupos de poder (as famílias bilionárias da costa leste, o complexo militar-industrial), assim como a presença de novos atores no jogo (Big Techs). Os think tanks estadunidenses, disputam entre eles, oportunidades de negócios variados, alguns destes, por exemplo, se beneficiariam fortemente com o fim das sanções contra a Rússia.
Por fim, a segunda interpretação, de que Trump estaria encurralado e jogaria um jogo em que buscaria o maior benefício para os EUA para compensar os bilhões de dólares derramados na OTAN e Ucrânia, por isso cederia às exigências de Putin, também carece de alguns elementos realistas. Por exemplo, como ele faria isso sem parecer ter perdido o jogo para Putin?
Sem contar que as três interpretações não consideram os outros atores, o primeiro e principal deles é o próprio Putin. Afinal por que o presidente russo concordou com o encontro? Sabemos que ele recebeu recentemente o enviado de Trump, Steve Witkoff, mas muito pouco sabemos sobre o que foi conversado. Putin, por sua vez, já declarou abertamente que não se pode confiar nos EUA, independente do presidente no poder, "eles nunca respeitaram os acordos". Engana-se quem acha que Putin é ingênuo e que estaria indo para uma armadilha no gelo. O que fez Putin concordar então com o encontro? Não sei, talvez demonstrar sua disposição ao diálogo ou talvez tenha recebido algo concreto da parte dos EUA.
Os outros atores, certamente são a Ucrânia (novamente ignorada nas negociações) e a potências europeias, em especial as lideranças da UE. Até aqui, ambos têm demonstrado uma disposição incondicional para desmantelar a Rússia. Se esses atores, são de fato, indispensáveis no tabuleiro bélico saberemos mais em breve. Trump pode muito bem substituir Zelensky e colocar um outro fantoche no governo, mas o que a UE ganharia com o acordo entre Putin e Trump?
Da minha parte, sigo defendendo que os EUA não cessarão suas guerras eternas, que a balcanização da Rússia é um projeto real, que empurrar a UE para assumir tal projeto, daria aos EUA condições de atacar a China. Logo, as negociações amanhã no Alaska, ainda que haja elementos concretos que atendam os interesses de Putin, o presidente Russo sabe que será momentâneo. Se esse tempo de paz, caso se concretize, permitirá aos EUA (e seus aliados-vassalos europeus) recalibrar seu poderio bélico para retomar os ataques no futuro próximo, ou, se dará a Putin condições de reforçar suas fronteiras e ampliar sua política econômica-militar com a China, não sabemos.
Jonatas Carvalho.
Um comentário:
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