quinta-feira, agosto 14, 2025

TRUMP E PUTIN NO ALASKA: PAZ OU FIM DO MUNDO?

Amanhã Trump e Putin irão se encontrar no Alaska. Analistas de diversas áreas buscam (desesperadamente) dar o "furo" antecipado. O que quer Trump? O que ele espera de Putin? Pior, como Putin, depois de ser tantas vezes ameaçado e enganado, ainda espera algo de Trump? Amanhã será selado o fim definitivo do conflito na Europa, uma longa trégua, ou adentraremos de vez em um cataclisma militar-nuclear?

Comentarei rapidamente sobre os possíveis interesses de Trump, pois há correntes interpretativas contraditórias. Me inspiro aqui, a algumas reflexões debatidas por Pascal Lottaz, professor da Universidade de Waseda (Japão), especialista em estudos de neutralidade nas relações internacionais, mas baseio minha análise em uma variedade de fontes.

A primeira aposta se baseia na perspectiva que Trump seguirá a agenda do Deep State (o chamado Estado Profundo estadunidense), isto é, que a vontade dos grupos de poder que realmente definem os rumos da política externa e interna dos EUA prevalecerá. Nesta visão, o projeto é desmantelar a Rússia, balcanizá-la, para isto, uma série de golpes são desferidos, Ucrânia, Moldávia, Transnístria e mesmo o acordo de paz entre a Arménia e o Azerbaijão serviriam a tal propósito. Associado aos ataques, algumas pausas são necessárias, acordos como os de Minsk (Bielorrússia), entre 2014 e 2015, serviriam para reagrupar e surpreender a Rússia com novos ataques.

A segunda hipótese é a de que Trump não tem alternativas se não a de ceder a Putin, a Ucrânia não suportaria muito mais tempo, quanto mais o tempo passar, mais a Rússia adentrará o território Ucraniano e pacificará os territórios conquistados. Por outro lado, ainda que os líderes europeus vociferem "até o último ucraniano!", os ucranianos não estão dispostos a morrer pela ganância dos senhores da guerra. Neste caso, Trump cederia a Putin, retirando as sansões internacionais à Rússia, aceitaria a perda dos territórios ucranianos (Luhansk, Donetsk, Zaporíjia e Kherson - além da Criméia), em troca de vantagens em negócios bilaterais no Ártico e minerais raros no território russo.

A terceira e última possibilidade é aquela que defende que Trump quer de fato a paz. Esta corrente propõe que Trump realmente almeja receber um Nobel da paz. Seu discurso é de fato neste sentido, ele teria interrompido a guerra entre Israel e Irã, Paquistão e Índia, Arménia e Azerbaijão, Camboja e Tailândia. Neste caso, Trump sairia como o pacificador que teria posto fim a guerra de Biden e cumpriria uma de suas promessas de campanha.

As três interpretações possuem problemas sérios, comecemos pela terceira, a do Trump pacificador. Esta poderia ser associada a qualquer uma das duas anteriores. Se houver um acordo que resulte no fim da guerra, independente da real intensão de Trump, ele se autoproclamará como o pacificador. A questão aqui é sua participação direta no genocídio em Gaza ao lado do governo de Netanyahu. Esperemos que o comitê Norueguês do Nobel descarte tal possibilidade.

A primeira interpretação ignora um jogo de poder mais complexo, embora possamos concordar com a existência de um Deep State nos EUA, ele não é um bloco homogêneo, há disputas profundas entre os grandes grupos de poder (as famílias bilionárias da costa leste, o complexo militar-industrial), assim como a presença de novos atores no jogo (Big Techs). Os think tanks estadunidenses, disputam entre eles, oportunidades de negócios variados, alguns destes, por exemplo, se beneficiariam fortemente com o fim das sanções contra a Rússia.

Por fim, a segunda interpretação, de que Trump estaria encurralado e jogaria um jogo em que buscaria o maior benefício para os EUA para compensar os bilhões de dólares derramados na OTAN e Ucrânia, por isso cederia às exigências de Putin, também carece de alguns elementos realistas. Por exemplo, como ele faria isso sem parecer ter perdido o jogo para Putin?

Sem contar que as três interpretações não consideram os outros atores, o primeiro e principal deles é o próprio Putin. Afinal por que o presidente russo concordou com o encontro? Sabemos que ele recebeu recentemente o enviado de Trump, Steve Witkoff, mas muito pouco sabemos sobre o que foi conversado. Putin, por sua vez, já declarou abertamente que não se pode confiar nos EUA, independente do presidente no poder, "eles nunca respeitaram os acordos". Engana-se quem acha que Putin é ingênuo e que estaria indo para uma armadilha no gelo. O que fez Putin concordar então com o encontro? Não sei, talvez demonstrar sua disposição ao diálogo ou talvez tenha recebido algo concreto da parte dos EUA.

Os outros atores, certamente são a Ucrânia (novamente ignorada nas negociações) e a potências europeias, em especial as lideranças da UE. Até aqui, ambos têm demonstrado uma disposição incondicional para desmantelar a Rússia. Se esses atores, são de fato, indispensáveis no tabuleiro bélico saberemos mais em breve. Trump pode muito bem substituir Zelensky e colocar um outro fantoche no governo, mas o que a UE ganharia com o acordo entre Putin e Trump?

Da minha parte, sigo defendendo que os EUA não cessarão suas guerras eternas, que a balcanização da Rússia é um projeto real, que empurrar a UE para assumir tal projeto, daria aos EUA condições de atacar a China. Logo, as negociações amanhã no Alaska, ainda que haja elementos concretos que atendam os interesses de Putin, o presidente Russo sabe que será momentâneo. Se esse tempo de paz, caso se concretize, permitirá aos EUA (e seus aliados-vassalos europeus) recalibrar seu poderio bélico para retomar os ataques no futuro próximo, ou, se dará a Putin condições de reforçar suas fronteiras e ampliar sua política econômica-militar com a China, não sabemos.

Jonatas Carvalho.








sexta-feira, julho 25, 2025

O REI ESTÁ NU: TARIFAS, SANSÕES E OUTROS CAMINHOS PARA A TERCEIRA GUERRA MUNDIAL.

 Um relevante trabalho dos historiadores é investigar não o que é dito, mas o que não é dito (ou escrito). O "não dito" é aquilo que não está implícito nos discursos, isto porque, o que se quer é apontar para outro lugar, assim, quando os olhares do público são conduzidos para este outro lugar pelo o que é dito, o "não dito" opera por diversas formas sobre onde se quer operar. Por exemplo, as diversas situações em que os EUA chamaram a atenção do mundo sobre algum "vazamento top secret", sobre "OVNIs", com direito à militares do Pentágono dando explicações e entrevistas, e as redes de notícias mostram em "primeira mão", imagens "obtidas", em que um suposto objeto voador não identificado aparece; é para lá que nossos olhos são conduzidos. A produção desse desvio do olhar, tem, evidentemente, um objetivo claro: reduzir, minimizar ao máximo, um tipo de escândalo que teria potencial para desgastar fortemente a imagem do governo, do presidente, das empresas...etc. 

O "não dito", está em todo lugar, nos documentos oficiais e extraoficiais, nas declarações dos governos, nos memorandos das empresas, e recentemente, claro, no "X" (Twitter). Foi assim que golpes de estado, massacres e guerras tiveram início, meio e fim. A questão para nós historiadores, não é exatamente o que é nomeado ou como se nomeou algo, mas o que essa nomeação esconde, oculta, ou tenta evitar que se mire sobre os reais interesses. 

O Sr. Trump sabe muito bem fazer esse jogo. Exatamente por isso, quando ele diz que vai taxar o Brasil porque nosso país está realizando uma "caça as bruxas", que Jair Bolsonaro é seu amigo e foi ótimo para o Brasil, certamente não devemos desconsiderar tais motivações, mas buscar compreender porque ele utilizou tal retórica e não outra. O objetivo de Trump é claro, trata-se de desviar a intenção e o foco. Bolsonaro é o OVNI, isto é, o lugar da contenda, os grupos políticos entram em cena, se digladiam contra e a favor, os jornais não param de noticiar, "novas revelações" emergem, adicionando mais "lenha na fogueira", enquanto o caos se instala, o "não dito" opera silenciosamente. 

Tem sido assim há muito e muito tempo, mas para ficar em eventos mais recentes, posso lembrar-vos de que a "Guerra Rússia X Ucrânia" (que não é exatamente um conflito entre Rússia X Ucrânia) não tem ralação com a Ucrânia, assim como o extermínio dos Palestinos impetrado por Israel, não é sobre os Palestinos (ainda que estes paguem o preço com as próprias vidas), e, certamente os ataques desferidos contra instalações nucleares iranianas não são sobre o Irã produzir bombas nucleares. 

Que raios quer então Trump com seu "tarifaço"? A resposta (especulações) a esta questão tem sido respondida desde o primeiro anúncio de tarifas à China, até agora, no entanto, nenhuma resposta encerrou suficientemente às intenções "por trás das tarifas". Manipulação da bolsa de valores? A vingança das big techs? As articulações dos BRICS?  Terras raras? 

Uma avaliação mais ampla, consideraria vários cenários. A crise da economia neoliberal ocidental escancara sua moralidade torpe e cruel. O ocidente sempre se comportou desta forma, mas agora existem meios de comunicação fora de ocidente que conseguem demonstrar sua vileza: o rei está nu. O livre comércio e a sociedade baseada em regras, uma ideologia (o dito) que esconde a verdadeira fonte da riqueza do Ocidente Coletivo: colonização e a espoliação (o não dito). Não foi com base em trocas comerciais que as nações europeias construíram seus palácios, templos e museus. Foi com navios de guerra.  

A ideia da autodeterminação dos povos, que deu origem à conferência de Bandung (Indonésia - 1955), finalmente começa se concretizar — não sem lutas e mortes — Ásia e África se tornam cada vez menos dependente da Europa e dos EUA, os BRICS (atualmente formado por onze países), são a consolidação deste projeto cujas bases são: China, Rússia, Índia, África do Sul e o Brasil.  

O que fará o Ocidente para frear os avanços e a autonomia do Sul Global? Uma Terceira Guerra Mundial. Será? Vejamos o seguinte, as chamadas guerras longas, impetradas pelo Ocidente, estão em curso há décadas, porém a estratégia mudou com a ascensão do BRICS. A Europa se prepara para um guerra direta contra o Rússia por volta de 2030 — não sou eu que afirmo isso, alguns analistas de geopolítica têm discutido este tema — o conflito contra a Ucrânia, serve assim, para desgastar os Russos, conhecer suas táticas para no futuro a OTAN entrar diretamente na guerra. A "saída" (ou o distanciamento) dos  EUA do conflito, obrigando a UE a ampliar para 5% os recursos de seus PIBs em engenharia bélica — que por sinal será comprada de empresas estadunidense — é a preparação para o front oriental. Esta estratégia irá impulsionar a indústria armamentista estadunidense e dar-lhe condições de se preparar contra a China — o front asiático. 

 Criador: halalstock  Crédito: AI-generated image created by halalsto

Alguns movimentos civis no Indo-Pacífico, já estão atuando para evitar o pior, como por exemplo, a Pacific Peace Network, que criou um grande manifesto pedindo aos países para declararem neutralidade em meio as hostilidades e uma possível guerra entre os EUA e a China. Dentre os itens do manifesto está a recusa em ceder "seus territórios ou águas soberanas sejam usados em tal guerra, incluindo a coleta e retransmissão de inteligência militar, vendas de armas e hospedagem de tropas e instalações de combate".  

As guerras no Oeste da Ásia (ainda conhecido como oriente médio), cujo "proxy" principal — guerra por procuração —  é Israel, visam enfraquecer as relações que Rússia e China vinham construindo na região, especialmente com o Irã. O projeto anunciado por Netanyahu da criação de um "Novo Oriente Médio", o chamado "Acordo de Abraão", e que conta com o apoio de países como os Emirados Árabes Unidos e Bahrein, requer a eliminação das oposições, a dominação do Líbano e da Síria, assim como os ataques ao Irã teriam por objetivo avançar o acordo. Enfraquecer ou mesmo impedir que Rússia e China utilize se beneficie não apenas com as rotas comerciais, mas principalmente que ampliem sua influência  no Oeste de Ásia é fundamental  para o Ocidente Coletivo.

Juntam-se a estes conflitos outras zonas de tensão, das quais podemos destacar os problemas no sul do Cáucaso, em especial as relações belicosas entre a Armênia e o Azerbaijão, e as instabilidades na Geórgia. Os recentes confrontos entre a Índia e Paquistão em razão da disputa pela Caxemira. E o mais recente conflito, desta vez no sudeste da Ásia, entre a Tailândia e o Camboja em razão do Triângulo da Esmeralda. Tanto os EUA, quanto a China apelaram pela interrupção do conflito, enquanto o primeiro é aliado da Tailândia, o segundo é do Camboja.  

Restam-nos as Áfricas e  as Américas. Comecemos pelas Áfricas — assim mesmo no plural — o domínio ocidental cada vez mais enfraquecido, mais ameaçado, irá, certamente, fazer de algumas regiões africanas mais suscetíveis à instabilidades e guerras. Mas as novas lideranças africanas estão fazendo renascer o Pan-africanismo, um exemplo claro é a criação da Aliança dos Estados do Sahel (AES) em 2023, que envolvem países como o Mali, Níger e Burkina Faso. Os Estados do Sahel se uniram contra a influência da França na Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO). Para se ter uma ideia, "oito dos quinze Estados da Cedeao ainda usam o franco (CFA), moeda controlada pelo Banco Central Francês, que retém 50% das reservas internacionais desses países e cobra taxas de gestão" (Veja artigo de Marcelo Leal). Ocorre que os países da AES foram recebidos pela cúpula do BRICS no Rio de Janeiro, não como membros, mas como parceiros, com direito a uma linha de crédito de quinhentos milhões de dólares que irá vir do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB). Esta é uma das situações que vem deixando o Ocidente pânico, a influência da Rússia e, sobretudo, da China no continente Africano vem aumentando significativamente, os chineses tem investimentos em infraestrutura em mais de trinta e cinco países por lá (Veja mais aqui). 

Os conflitos no Sudão (região do Sahel) e na Somália, além claro, do Congo existem para que a instabilidade impeça o fortalecimento de lideranças nacionalistas capazes de romper os laços com o Ocidente Coletivo ao mesmo tempo em que dificultam o acesso da Rússia e da China nestas regiões. Por último, justificam interferências e intervenções por parte do Ocidente, "ajuda humanitária" e outras atividades que as ONGs ligadas a USAID no continente Africano.

Nas Américas, parece que a bola da vez é o Brasil, mas ele não é o único. Os países americanos sofrem interferência dos EUA há pelo menos um século. Mas foi no período da Guerra Fria que as intervenções diretas vieram, com as ditaduras civil-militares que se espelharam pela América Latina e Brasil, até a Operação Condor em 1975. Ao longo desse período os EUA encontraram outra forma de intervir nos seus vizinhos de baixo, a chamada "guerra as drogas" virou um prato cheio para que as administrações estadunidenses passassem a operar de dentro dos países americanos. 

O Brasil, contudo, virou um grande alvo dos EUA. O real motivo? Sempre será econômico. Foi assim com Vargas — que se recusou a internacionalizar a Petrobrás — , foi assim com Dilma — pelo mesmo motivo. Hoje, na medida que o Brasil busca por mais autonomia, que expande seu mercado aos países do Sul Global através do BRICS, novamente sofre duras interferências do grande capital ocidental. A mensagem aqui é: vocês não podem fazer comércio com quem bem querem, vocês precisam da nossa permissão, se tentarem, vamos arrasá-los como já fizemos no passado. O que muda são os métodos, em 1964 foi um golpe civil-militar, em 2014 foi a operação Lava Jato, hoje são tarifas e sansões. 

Só em 2023, o Brasil assinou quinze acordos bilaterais com a China, ao todo são mais de trinta e cinco acordos em vigor. Um desse acordos visam um estudo de viabilidade para criar uma ferrovia de conectaria Chancay no Peru à Ilhéus (Bahia - Nordeste brasileiro). O projeto — Ferrovia Bioceânica — um grande corredor intermodal que ampliaria as possibilidades de relações comerciais na América do Sul (Pacífico-sul e Atlântico-sul) com o restante do Sul Global, escapando assim, das rotas controladas pelo Ocidente Coletivo.

Quando Trump ataca o Brasil, na prática, ele quer é atacar a China. Os EUA farão tudo o que estiver ao seu alcance para minar o projeto expansionista chinês. A Iniciativa Cinturão e Rota — Nova Rota da Seda — conecta mais de 150 países, destes, 20 são latino-americanos. O Panamá foi obrigado por Trump a renunciar a Inciativa. A Colômbia de Gustavo Petro, aderiu em maio a Iniciativa Cinturão e Rota. Por lá a vida de Petro não está nada fácil, com direito a ataques por parte de Marco Rubio. O encontro pela democracia em Santiago (Chile) nesta semana é uma tentativa das lideranças  progressistas (na ausência de uma nomenclatura melhor) de deter os avanços neoconservadores (neocons).  

Podemos chamar todos esses movimentos tensionados ou já em conflito aberto que teatro de preparação para uma grande guerra. Se como historiador sou tomado pela ética profissional a não fazer previsões, também como historiador sou levado, pela observação da própria história da humanidade, a reconhecer que existe uma grande chance de experimentarmos um novo conflito mundial, não com as mesmas características dos dois últimos, mas com potencial destrutivo ainda maior. Espero estar errado, torço para que sim. Por que então escrever tudo isso? Para me somar a outros tantos que visualizam tal possibilidade e poder compartilhar com aqueles que não conseguem perceber tais movimentos. 

Talvez ocorra na próxima década, não sei, mas o que está em curso hoje já é assustadoramente bizarro. 





quinta-feira, julho 24, 2025

A ECONOMIA DO GENOCÍDIO EM GAZA.

Quantos médicos e outros especialistas serão necessários para compelir o Ocidente na detenção do projeto sionista de genocídio? A médica Tanya Haj-Hassan, do Médicos Sem Fronteiras (MSF), mais recentemente, e muitos outros profissionais que estiveram em Gaza, denunciam o projeto genocida liderado por Netanyahu, mas que vai muito além dele. A coordenadora do MSF, Dra. Amande Bazerolle, denunciou que o cerco a ajuda humanitária tem transformado Gaza numa grande vala comum de corpos palestinos. 

Centenas de crianças com menos de 5 anos de idade morrem de fome a cada semana, mesmo com a presença de caminhões e caminhões de comida a poucos quilômetros dali. As organizações de ajuda humanitárias foram trocadas por apenas uma: a Fundação Humanitária de Gaza (GHF), liderada por ex agentes da Cia e mercenários estadunidenses. A GHF vem apoiando o pleno de extermínio, seus agentes atiram sem pestanejar nos palestinos famintos e desesperados que se acumulam em torno do pouco alimento que é distribuído. 

A relatora especial da ONU, Francesca Albanese vem afirmando o que já defendíamos a muito tempo, o bloqueio econômico é o único jeito de deter os sionistas que controlam o estado de Israel. Isso não significa que se deve abandonar outras iniciativas. Diversas organizações lideradas por judeus no mundo estão crescendo, como Judeus pela Paz e pela Justiça (JPJ), Israelenses pela Pressão Internacional (IPI) e Vozes Judaicas pela Libertação. Ações como a encabeçada pela África do Sul na Corte Internacional de Justiça em Haia — que o Brasil só aderiu agora, apesar de Lula vir contribuindo com a denúncia de genocídio em Gaza há muito tempo — já contam com apoio de mais de 70 países. Apesar da dura repressão nos países ocidentais — nas democracias liberais — as manifestações populares contra o genocídio em Gaza seguem crescendo no mundo.

Voltando ao relatório de Francesca Albanese, não é difícil compreender porque o genocídio não é interrompido: ele é altamente lucrativo. São centenas de empresas, de várias partes do mundo e dos mais diversos ramos de negócios. Muito além do setor bélico e industrial, há negócios de tecnologia como biometria, robótica, bancos de dados, entre outros. Aqui enquadram-se empresas como Microsoft, IBM, Google, Amazon... Há ainda aquelas que fornecem, por exemplo, equipamentos pesados de construção e implementos agrícolas, como as enormes retroescavadeiras utilizadas para derrubar as casas dos palestinos e outras máquinas, caminhões que possibilitarão a construção de outro assentamento ilegal — Neste caso temos empresas como HD Hyundai da Coreia do Sul e o Volvo Group da Suécia, dentre muitas outras. Não menos importante, as plataformas de aluguel Booking e Airbnb que contribuem com anúncios de venda e aluguel de casas, condomínios, hotéis construídos em áreas invadidas por Israel. (O relatório chama-se "Da economia de ocupação à economia de genocídio" e pode ser encontrado aqui

Por fim, o petróleo brasileiro, independente de ter sido vendido pela Petrobrás, ou alguma estrangeira que explora os nossos poços de petróleo, alimenta a máquina de extermínio em Israel, do mesmo modo que o carvão colombiano e da Bright Dairy & Food chinesa. Cito esses exemplos, porque trata-se de três países cujos líderes veem criticando duramente Israel, mas o empresariado destes mesmos países seguem contribuindo com o genocídio. É preciso parar o sionismo e só com um bloqueio total, político-econômico isso será possível. Enquanto isso não ocorrer os sionistas continuaram a limpeza étnica. Ontem, por sinal, o congresso israelense — Knesset — aprovou a "soberania israelense" sobre a Cisjordânia ocupada, um novo genocídio em andamento. 

quinta-feira, julho 17, 2025

Poema para João Vicente.

João Vicente, este é o primeiro texto que escrevo para você, o primeiro de muitos que espero escrever. Passar uma semana inteira ao seu lado é simplesmente restaurador. Escolhi escrever este primeiro texto em forma de poesia, porque não consigo ver outra coisa em você: tu és poesia em substância e forma.

Você é a alegria pura, integral,

raiz da própria felicidade. 

Seu sorriso é um raio que neutraliza qualquer dissabor, 

a ternura do seu olhar nos paralisa em êxtase.

A energia que flui por teu corpo pequenino, 

cansa o adulto angustiado e faz rejuvenescer a criança em nós.

Na tua companhia, o dia flui como as águas de um rio intocado. 

Você é ser que é, ser no mundo, 

que impacta nosso mundo e nos transforma. 

Expressão maior de uma manhã de sol, dos cantos dos pássaros, 

das popas (borboletas) coloridas, do bater veloz das asas dos colibris. 

Tu és presente, potência de existir, 

que nos impele um futuro marcado de nostalgia. 

Diante de ti a vida se expande em esplendor e vigor.

Ao teu lado o tempo desponta em riso e graça. 

A minha velhice se esvai,

emerge um outro ser, 

onde o sol se põe por entre as montanhas verdes, 

onde a noite  enluarada silencia toda a apreensão. 

João Vicente (Vincentius, vincere), aquele que venceu, 

que mobilizou o imobilizado, 

que arrancou a razão, fria, calculista e 

nos inundou com a força vital do amor. 

Inundado, escrevo esses versos.

Desmobilizado, me rendo ao teu encanto. 


Vovô Jonão. 


 

sexta-feira, julho 04, 2025

O "COMBO DA MAMATA": MUITO ALÉM DO CONGRESSO.

Não é segredo: as hashtags #congressodamamata e #congressoinimigodopovo viralizaram. As informações que circulam por meio delas são que 70% dos congressistas são contrários ao fim da escala 6x1, 53% são contra a redução dos supersalários no Judiciário e 46% opõem-se à taxação de super-ricos. Na semana passada, o Congresso já havia vetado projetos do governo no setor elétrico, cujo resultado direto será o aumento da conta de luz (bandeira vermelha ininterrupta). Para completar, após vetar o decreto do governo sobre o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), o Congresso votou pelo aumento do número de deputados, de 513 para 531, o que representará mais R$ 100 milhões por ano no orçamento da União. Nada mais antipovo que isso!

O que falta as hashtags é alcançar a raiz do problema: não há como o Congresso ser pró-povo, uma vez que o povo simplesmente não está representado lá. Em sua maioria quase absoluta, deputados e senadores são oriundos dos grandes setores econômicos. Mais da metade dos "nobres" congressistas está vinculada ao setor agropecuário, o famoso "agro" — estamos falando de 300 (dos 513) deputados que fazem parte da Frente Parlamentar Ruralista. Outros congressistas estão ligados a grandes setores da indústria, do comércio e de serviços. Menos de 15% dos deputados e deputadas vieram das classes populares. Além disso, mais de 240 deputados federais são milionários. Considerando que o número de milionários no Brasil não chega a 1% da população, como isso é possível?

Achou estranho? Pois é. Os milionários, mesmo sendo menos de 1% da população, formam quase metade do Congresso Nacional. Como isso se dá? Simples: no "sistema democrático" brasileiro (nas democracias liberais), é eleito quem pode investir pesado em campanha. Assim, fica fácil: quem não tem dinheiro não é eleito, somente poucas cadeiras (entre 10% e 15%) são preenchidas por representantes eleitos com base em pautas populares. Para se ter uma ideia, até 2015, apenas 10 empresas brasileiras eram responsáveis por financiar as campanhas de mais de 70% dos deputados. Estamos falando aqui de gigantes como: JBS (bancada do bife), Bradesco e Itaú (bancada dos bancos), OAS, Andrade Gutierrez, Odebrecht, UTC e Queiroz Galvão (bancada do concreto) e Ambev (bancada das bebidas). Isso significava que, de cada 10 deputados, 7 eram financiados por elas. Com a proibição do financiamento empresarial, o que o Congresso fez? Aumentou o fundo partidário. Hoje, são quase R$ 5 bilhões de dinheiro público. Assim, os empresários transferiram para o povo o custo de suas próprias campanhas.

Ainda não entendeu? A questão central não é que os políticos são individualmente corruptos e "trocam" apoio por financiamento — esses representam apenas uma parcela. O problema é que o Congresso pertence aos grandes grupos empresariais. Trata-se, portanto, de legislar em causa própria. É isso.

Aliás, essa história sempre foi assim, desde a Primeira República. A elite cafeeira paulista, por exemplo, conseguiu aprovar no Congresso uma lei que impedia a União de ficar com a arrecadação das exportações, que passou a ser encaminhada para os estados. O Convênio de Taubaté, aprovado em 1906, determinava que o governo compraria a produção excedente de café para manter os preços altos. Na prática, os próprios barões do café, que eram deputados, senadores e ministros, incluindo o presidente da república, Rodrigues Alves (de família de grandes proprietários de terra em negócios de café e borracha), usaram o Estado para garantir seus lucros. Eles simplesmente se apropriaram da máquina pública para beneficiar seus negócios. (Essa história é bem mais longa e bizarra, mas vamos parar por aqui).

Jamais houve um momento em nossa história em que as oligarquias brasileiras estiveram fora do poder central ou regional. Não é de hoje que essas famílias poderosas espalham seus descendentes pelos mais diversos ramos do poder. Seus filhos e netos estão hoje disseminados em cargos de confiança nos tribunais de contas e procuradorias; eles comandam sindicatos patronais, entidades como a Febraban, e as FIESPs e FIRJANs Brasil afora. Eles são sócios, literalmente, de grandes grupos de planos de saúde, educação e segurança. Controlam o setor imobiliário dos grandes centros, desabrigando comunidades inteiras — como a Favela do Moinho, em São Paulo — para ampliar seus empreendimentos. Então, meus (poucos) leitores, percebam: nosso problema não se resume ao Congresso, mas a toda a estrutura do Estado brasileiro, que é cooptada pelos grandes grupos financeiro-empresariais.

Outra questão importante, já que a grande imprensa se alvoroçou para contra-atacar em defesa (própria) das grandes fortunas, é que essa pauta precisa alcançar o pequeno empresariado. Alienado pela ideologia liberal do mérito, o pequeno empresário se ressente de pagar impostos demais (e paga mesmo), achando que a culpa é "dos políticos". Mal sabe ele que o grande empresariado, fonte de "inspiração e sucesso", praticamente não paga impostos sobre seus maiores ganhos, pois os recebe como lucros e dividendos isentos. Pior: ao dominarem o Congresso, esses senhores conseguem ir além, beneficiando-se de isenções e desonerações fiscais, só o governo do Tarcísio de Freitas (SP), projeta oferecer - renúncia de receitas tributárias de R$ 85,6 bilhões para 2026. Esse "combo de mamatas" nos Estados e na União, podem chegar na casa dos 800 bilhões ao ano. Toda essa grana é embolsada pelos ricos. O "bolsa milionária".

Mas isso não seria ilegal, imoral, antirrepublicano? Onde está a justiça? Bem, a grande maioria dos juízes, desembargadores e ministros do Supremo reside, metaforicamente, na mesma casa: eles são parte dessa mesma elite. Compõem uma "nobre casta" nacional, formada majoritariamente por pessoas brancas, que vivem de supersalários — a remuneração líquida de desembargadores em São Paulo, por exemplo, chegou à média de R$ 146.470 por mês em 2023 —, que mal dão para comprar ternos italianos e bolsas de 10 mil dólares.


O que restou? Restamos nós: o "povo sem medo".

Nós, os trabalhadores sem terra e sem teto.

Nós, as mulheres solo e nosses guerreires LGBTQIAPN+.

Nós, os movimentos periféricos, os quilombos e os ribeirinhos.

Nós, os povos originários.


Eles são apenas uma minoria poderosa. Eles têm o monopólio legítimo (e ilegítimo) da violência. Mas nós, nós temos uns aos outros. E juntos podemos calá-los e expulsá-los de cima do nosso dinheiro, do nosso Congresso e da nossa República.



Jonatas Carvalho - Historiador - Doutor em Sociologia e Direito.



terça-feira, junho 17, 2025

O IRÃ DA VEZ ou A VEZ DO IRÃ.

Todo historiador que preza seu ofício sabe que qualquer elaboração sobre o conflito entre sionistas e persas, em pleno fogo cruzado, configuraria uma análise pouco precisa. Basta pensar nas avaliações dos "analistas" na ocasião da eclosão do conflito entre Rússia e Ucrânia. Quanta bobagem foi proferida.

Isso não quer dizer que seja impossível fazer uma leitura minimamente razoável da situação. Mas sempre estaremos no campo das possibilidades e projeções, em especial quando se trata de futuros desdobramentos. Mesmo aqueles que avaliam as "causas", neste momento, correm o risco de se equivocar.

Para começo de conversa, toda análise que pauta o conflito a partir do "acordo" interrompido entre Irã e EUA — isto é, que o ataque sionista tinha como único objetivo "interromper" ou "forçar" os persas a assinarem o acordo — pode estar ignorando um cenário mais amplo. A história pode ser muito mais complexa e tem rastros mais longínquos.

Se tivermos que demarcar uma temporalidade, eu diria que poderíamos iniciar com a invasão de Gaza, em 2023, onde, certamente, um dos objetivos era enfraquecer o Hamas. Mas havia outras razões, entre elas a descoberta de reservatórios de petróleo e gás na Área C da Cisjordânia e na costa mediterrânea de Gaza, com estimativas iniciais de 122 trilhões de metros cúbicos de gás e 1,7 bilhão de barris de petróleo recuperável.


Em um cenário projetado, os sionistas invadiriam o Líbano em 2024 para enfraquecer o Hezbollah e, em seguida, fariam um ataque ao Irã, cuja resposta seria apenas de dissuasão. No final de 2024, com apoio da CIA, o governo de Assad, aliado do Irã, seria deposto na Síria. Finalmente, enquanto davam seguimento à limpeza étnica em Gaza, em novembro de 2024, seria a vez de os sionistas atacarem o Iêmen, buscando desmobilizar os Houthis.

Então, se olharmos esses movimentos, podemos pensá-los como uma preparação de médio prazo: primeiro, era preciso enfraquecer os grupos de apoio ao Irã para, depois, atacar o coração da resistência ao projeto sionista. Fica então a questão: qual o momento certo para atacar o Irã? Provavelmente em meio aos impasses nas negociações com os EUA de Trump. Era preciso retomar as negociações, impor um acordo inegociável, para que Israel pudesse alegar um "ataque preventivo" e cometer mais meia dúzia de crimes de guerra.

Uma possibilidade mais abrangente, que deve ser seriamente considerada para explicar o ataque, é a seguinte: o Irã tornou-se membro dos BRICS em agosto de 2023. Em maio deste ano, um trem de carga partiu da cidade chinesa de Xian e chegou ao porto seco de Aprin, perto de Teerã; a Iniciativa Cinturão e Rota reduziu de 30 para 15 dias o comércio entre Irã e China. Enfraquecer o Irã e substituir o governo dos Aiatolás pode, portanto, significar a interrupção do projeto chinês de ligar o leste da Ásia à Europa passando pelo Irã e pela Turquia. Sempre vale lembrar que o Irã possui a terceira maior produção de petróleo e gás do mundo e, em 2024, a National Iranian Oil Co. (NIOC) descobriu uma reserva de petróleo na província do Khuzestão avaliada em US$ 7,3 bilhões.

É preciso dizer que o Irã, embora seja majoritariamente persa (pouco mais da metade da população), sua composição social é multiétnica e multicultural: azeris (turcos), curdos, lurs, árabes, balúchis, armênios, assírios, georgianos e judeus. A comunidade judaica no Irã, aliás, é uma das mais antigas do mundo e uma das maiores no Oeste da Ásia, depois de Israel. Em Teerã, há pelo menos 12 sinagogas em atividade, e um pouco mais de 50 em todo o país.

Essa convivência pacífica histórica ajuda a compreender que o problema do Irã não é contra os judeus, mas com o projeto sionista. Ao olharmos os arranjos fronteiriços, pode-se verificar que os Estados-nação no entorno de Israel foram severamente enfraquecidos ao longo das últimas décadas: Líbano, Síria e Iraque. A Jordânia, passiva e silenciada desde que perdeu a Cisjordânia para Israel em 1967, possui uma monarquia constitucional de fachada, pois seu rei, Abdullah II, nomeia e troca o primeiro-ministro quando acha necessário.

Se esta conflagração iniciada pelos sionistas (com aval do império) fará do Irã  a bola da vez, ou, se a reação iraniana configurará no Irã da vez, ainda não sabemos. O que sabemos e podemos afirmar com certeza é que não há projeto mais imoral no mundo atual que o projeto sionista. 


sexta-feira, maio 02, 2025

MUITO MAIS QUE UMA GUERRA TARIFÁRIA OU UMA NOVA PAZ ARMADA.

Em seu livro de memórias O Mundo de Ontem (1934–42), Stefan Zweig escreveu o seguinte: “Quando tento encontrar uma fórmula simples para o período no qual cresci, antes da Primeira Guerra Mundial, espero traduzir sua plenitude chamando-o de Época de Ouro da Segurança”. A obra de Zweig, dentre muitas outras resgatadas por David Fromkin em O Último Verão Europeu, serviu ao historiador para demonstrar que, pouco antes de a Primeira Guerra eclodir e se desenvolver em um dos mais traumáticos eventos mundiais, o mundo vivia em paz — pelo menos, essa seria a sensação capturada entre os europeus. Até o início do verão de 1914, prevalecia, entre as lideranças políticas e econômicas, a crença na impossibilidade de um conflito armado entre as grandes potências. Os movimentos militares, entretanto, davam outros indícios. Justamente essa junção entre a chamada corrida armamentista e o ambiente da “época de ouro da segurança” resultou no que ficou conhecido como a “paz armada”.

O termo “paz armada”, notabilizado a partir da obra Paz e Guerra entre as Nações (1962), do historiador e diplomata francês Raymond Aron, conviveu com outro: o de “paz precária”, da historiadora Barbara Tuchman, em The Guns of August (1962). Em ambos os casos, a ideia era a de que a paz estava garantida pela elevação dos gastos em armamentos entre as potências europeias.

A “época de ouro da segurança” de Zweig, compartilhada por outras personagens da História, no entanto, não correspondia à realidade mundial; poderíamos dizer que se tratava de um “sentimento europeu”. O mundo, entre o final do século XIX e o início da Primeira Guerra, poderia ser muitas coisas, menos um lugar seguro. Se é verdade que, desde a Guerra Franco-Prussiana (1871), não havia ocorrido outro conflito armado entre duas ou mais potências europeias, isso não significa que os conflitos armados tivessem cessado no mundo — pelo contrário. As guerras coloniais seguiam a todo vapor: os britânicos deram início à Guerra Anglo-Zulu (África do Sul) em 1879 e, apesar de derrotas humilhantes como a da Batalha de Isandlwana, os colonizadores anglos venceram. Entre 1881 e 1899, a Guerra Mahdista, no Sudão, contra as tropas anglo-egípcias. A Itália, em 1895, invadiu a Etiópia na tentativa de tomar o território, no que ficou conhecido como Primeira Guerra Ítalo-Etíope (ou Guerra da Abissínia, para os italianos); o conflito terminou com a derrota dos invasores. No lado americano do Atlântico, em 1898, a Espanha travou uma guerra com os EUA, perdendo suas colônias (Cuba, Porto Rico e Filipinas) para os estadunidenses. Na virada do século (1899–1902), deu-se a Guerra dos Bôeres, na qual os britânicos dominaram os colonos holandeses (bôeres) na África do Sul, com direito até à utilização de campos de concentração contra civis bôeres.

Nas regiões da Ásia e Oceania, pelo menos três grandes conflitos merecem destaque: a Primeira Guerra Sino-Japonesa (1894–1895), momento em que Taiwan foi anexada pelo Japão; a Revolta dos Boxers (1899–1901), uma reação anticolonial chinesa, massacrada pela chamada Aliança das Oito Nações (Áustria-Hungria, Império Britânico, França, Alemanha, Itália, Japão, Rússia e Estados Unidos); e a Guerra Russo-Japonesa (1904–1905), confronto iniciado pelo controle da Manchúria e da Coreia, com vitória japonesa.

O período foi marcado por diversas reações anticoloniais. Destaco aqui: a Guerra de Aceh (1873–1904), uma longa resistência do Sultanato de Aceh (Indonésia) contra os holandeses; a rebelião Maji Maji (1905–1907), em que o povo da então África Oriental Alemã (atual Tanzânia), sofrendo com o trabalho forçado, se rebelou — os alemães massacraram os “revoltosos”; estima-se que mais de cem mil foram assassinados. Por fim, a Guerra do Rif (ou Segunda Guerra Marroquina), iniciada em 1909, entre os espanhóis e os berberes (tribos rifenhas), que só terminaria com a derrota dos berberes, devido ao apoio dos franceses aos espanhóis em 1926.

Não menos importante, na América do Sul, dois conflitos merecem ser lembrados aqui. O primeiro é a Guerra do Pacífico (1879–1884), envolvendo a disputa por minerais no Deserto do Atacama, terminando com o Chile vencendo a aliança boliviana-peruana; o outro foi a Revolução Mexicana (1910–1920), liderada por Emiliano Zapata e Francisco Villa contra a ditadura de Porfírio Díaz.

Como se pode verificar, na longa introdução acima, a chamada “época de ouro da segurança”, esse sentimento compartilhado entre os europeus após a Guerra Franco-Prussiana, reflete a percepção que estes tinham de si mesmos: sua superioridade civilizatória. Os conflitos enumerados acima eram, nesse sentido, vistos como parte do “fardo do homem branco” (Rudyard Kipling – 1899). Todos esses conflitos, impetrados pelos ocidentais fora do terreno europeu, não produziam qualquer sentimento de insegurança. A Europa se extasiava com o liberalismo. David Fromkin cita a admiração de John Maynard Keynes por esse período sem controles comerciais e alfândegas: “você podia entrar com o que quisesse na Grã-Bretanha ou mandar qualquer coisa para fora.” O historiador A. J. P. Taylor (História da Inglaterra – 1914–1945) escreveu que “até 1914, um inglês sensível e obediente à lei podia passar pela vida sem notar a existência do Estado.” Ainda assim, as guerras e massacres por parte das potências ocidentais nunca deixaram de ocorrer.

Algo semelhante foi construído no pós-Guerra Fria (1991) — por sinal, outro título ilusório, atribuído a George Orwell, mas, na verdade, cunhado pelo multimilionário e conselheiro presidencial estadunidense Bernard Baruch —: uma espécie de “sentimento” de paz estava sendo produzido desde a criação da La Colombe, a pomba branca que Pablo Picasso pintou sob encomenda da então recém-criada ONU, na ocasião do Congresso Mundial da Paz, em Paris, em 1949. O fim do “mundo bipolar” — mais um termo que não define o mundo — tinha, em sua propaganda, o fim dos conflitos, ou o fim da história, como sugeriu Fukuyama em 1992. O novo mundo monopolar capitalista, baseado em regras, resultaria na paz duradoura. Mais uma vez, tal discurso não correspondia à realidade.

Só na década de 1990, tivemos pelo menos três grandes conflitos armados: a Guerra do Golfo (1990–1991), em que os EUA expulsam o Iraque do Kuwait; as Guerras da Iugoslávia (1991–2001) — incluindo Bósnia (1992–1995) e Kosovo (1998–1999); e a Primeira Guerra da Chechênia (1994–1996), terminando com a independência da Chechênia diante da Rússia. Na virada para o século XXI, aqueles que imaginaram que, depois de tantos conflitos, os homens finalmente atingiriam a sensatez tiveram uma grande decepção. O onze de setembro inaugurou a chamada “Guerra ao Terror”: já em 2001 teve início a invasão dos EUA ao Afeganistão, uma guerra de vinte anos; em 2003, foi a vez dos estadunidenses invadir o Iraque, e sob a falsa alegação de armas de destruição em massa, massacraram os iraquianos. Na Segunda Guerra da Chechênia (1999–2009), a Rússia, já sob a liderança de Putin, retomou a Chechênia; e, não menos drástica, em 2006, Israel invadiu o Líbano — Robert Fisk, autor de Pity the Nation: Lebanon at War (1990), cobriu por décadas diversos momentos de destruição do Líbano, incluindo uma invasão anterior de Israel, em 1982, como o massacre de Sabra e Shatila.

É certo que, para quem acompanha as emissoras ocidentais, aparentemente, no mundo hoje temos apenas dois problemas: a guerra Rússia x Ucrânia e a guerra tarifária entre EUA e China. O Ocidente, por sua vez, ofusca brutalmente a limpeza étnica do povo palestino. Vimos de relance, recentemente, a derrubada de Bashar al-Assad, mas não sabemos quase nada da guerra civil na Síria, que ocorre desde 2011. Também vem ocorrendo uma guerra civil no Iêmen, iniciada em 2014, agravada pelo apoio da resistência dos Houthis à causa palestina, atacando navios em direção a Israel no Mar Vermelho e no Golfo de Áden.

No continente africano, tivemos uma guerra civil na Etiópia (2020–2022), com mais de 85 mil mortes e centenas de milhares de deslocados — um conflito mal resolvido que pode reacender a qualquer momento. Na região do Sahel, área de influência da França — que inclui dez países: Mauritânia, Senegal, Mali, Burkina Faso, Níger, Nigéria, Chade, Sudão, Eritreia e Etiópia —, mais de 4 milhões de pessoas foram forçadas a deixar suas casas. Na Somália, a guerra civil (em curso desde 2006) intensificou-se em 2022. E, certamente, um dos mais graves conflitos armados no continente africano: a guerra entre a República Democrática do Congo e o movimento 23 de Março (M23), com forças ruandesas aliadas avançando para Goma e Bukavu. Esse conflito sofre forte interferência das grandes empresas ocidentais, ávidas pelo controle das minas de cobre e cobalto do Congo — sim, a transição energética para carros elétricos está sendo realizada às custas da morte por contaminação de milhares de mulheres e crianças congolesas.

Para além de uma guerra tarifária, enquanto escrevo este ensaio, diversos movimentos são executados em várias partes do mundo na direção de mais e mais belicismo. Os gastos militares em 2024 chegaram perto dos 2,5 trilhões. A União Europeia propôs um plano (ReArm Europe) para ampliar seus “investimentos em defesa”, na ordem de 800 bilhões de euros. A China também ampliou seus gastos em defesa em mais de 7%. Além disso, outros movimentos deliberados em direção a conflitos diretos estão em plena atividade. É o caso da tensão entre a Moldávia e a Transnístria, como parte da guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Outra importante zona de tensão (e não é de hoje), a Caxemira, tem levado tropas de duas potências nucleares (Índia e Paquistão) para as fronteiras, à beira de um conflito que pode ser devastador.

Trump discursou recentemente em uma formatura na Universidade do Alabama, afirmando: “Vocês são a primeira turma de formandos da era de ouro da América.” Nunca houve uma época de ouro ou de segurança no mundo. O discurso idílico, evidente, produz seus efeitos, mas, quando se olha com mais atenção, o que vemos são os senhores da guerra, enquanto devoram carnes raras e vinhos caríssimos — que a maioria de nós jamais chegará perto —, com seus talheres de ouro, decidem quais outras partes do mundo poderão fazer emergir um novo conflito armado. O mundo não é a La Colombe, é Guernica. 

Jonatas Carvalho 

Historiador e Doutor em Sociologia e Direito