quinta-feira, fevereiro 19, 2009

Águas Límpidas

Entre trancos e barrancos procuro seguir o ethos moderno de conservar o corpo, embora eu critique a “ditadura da saúde” que busca fabricar indivíduos com padrões exatos, que nos impõe uma intensa rotina de exercícios físicos e nos ilude com uma ideologia de cultuar o corpo. Na prática, não resisto muito, assim, alterno entre caminhadas e cervejadas, entre uma “nadada na praia” e uma feijoada no bar da esquina as sextas.
Hoje ao fazer minha caminhada na areia da praia do forte, percebi que o mar estava singularmente belo, suas águas estavam límpidas e calmas, não havia vento e eu fiquei paralisado diante de tanta beleza. O som do mar certamente é terapêutico, sempre que me encontro em conflito com algum problema é dele que vem o som capaz de trazer-me a paz de volta. Tenho alguns amigos, muitos certamente se colocariam a disposição para ouvir minhas neuras, poucos talvez fossem capazes de me ajudar a resolvê-las, não porque lhes falte capacidade, mas algumas questões dependem exclusivamente de mim para serem alteradas ou resolvidas.
As águas límpidas do mar fazem com que eu perceba os benefícios da transparência, com tal limpidez é possível ver o fundo do mar, saber onde estamos pisando e contemplar a beleza que há em baixo d’água. Quando a água está turva, não é possível obter os mesmos benefícios, o tom escuro das águas nos deixa inseguros, não saber onde pisamos é uma sensação desagradável.
Dificilmente é possível ser cem por cento transparente, as vezes somos conduzidos ou preferimos a obscuridade, o que não significa um levianismo deliberado, ao contrário, trata-se antes de auto-preservação. Esta talvez seja uma das características humanas mais primitivas ao mesmo tempo mais interessante, o modo como se age instintivamente para se auto preservar é sem dúvida herança dos nossos ancestrais.
Mas do que nos protegemos? Ou o que protegemos? Se levarmos em conta a noção de “homem do desejo” de Freud, podemos dizer que protegemos nossos desejos e pensamentos que são condenados em nossa sociedade. Todo e qualquer ato que é considerado infame, toda e qualquer vontade que fora considerada abominável, degradante, imoral, etc.
A mesma sociedade que condena, explora na obscuridade a ação condenada. Citemos um exemplo contemporâneo, o mesmo congresso nacional que mantém cafetinas circulando por seus corredores com seus “books” de notável exuberância e variedade, não aprova a existência de uma lei que reconheça a profissão de prostituta como legítima, garantindo a estas mulheres (tão fundamentais para a economia libidinal masculina), direitos básicos como uma aposentadoria legítima.
A transparência é fruto da sobriedade, o que me lembra Antonin Artaud, quando este dizia: “quero estar acordado nos meus sonhos e sonhar como um homem desperto”.

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