Hoje foi a segunda vez esse ano que fui abordado sobre o tema política na sala de aula. Na primeira foi um pai, não de aluno meu, mas um amigo que tem filhos em idade escolar e me perguntou, demonstrando alguma preocupação, como nós professores de humanas estávamos lidando com isso. Eu lhe disse que não havia unanimidade em posições políticas, cada professor é de um jeito e que portanto não há um comportamento padrão.
Já hoje, foi a diretora de uma escola onde leciono, e que por sinal trouxe sua preocupação de maneira muito respeitosa, cuja precaução era pertinente, uma vez que tratava-se de alunos do ensino fundamental, isto é, crianças. Ela trazia a preocupação de que algum pai ou mãe pudesse achar que nós professores de ciências humanas, estejamos "doutrinando" seus filhos partidariamente. Não vi qualquer problema em ambos os casos, o amigo e pai, assim como a diretora manifestaram-se sobre o relevante papel que nós professores exercemos em uma sala de aula como formadores de opinião. Os pais tem todo o direito de conduzir o ideário de seus filhos, pelos menos, até o momento em que estes tenham idade e autonomia de pensar livremente. Até aqui tudo certo.
Há apenas um porém nisso tudo, como eu disse, foi a segunda vez que me abordaram este ano, este é o porém, Há anos que leciono, e nunca antes eu fora abordado com essa preocupação. Não me lembro de um dia sequer que um pai ou mãe, que um diretor ou diretora, tenha me parado na saída da escola para me perguntar sobre meu posicionamento político. Por que agora? Acho que fica evidente que é circunstancial. Vivemos um momento tenso no país, onde a polarização tem nomeado coxinhas de uma lado e mortadela de outro.
Quando imaginaríamos que um professor ao se candidatar para lecionar em uma escola, seus contratadores verificariam se ele é de esquerda ou de direita. Quando poderíamos pensar, que os pais de nossos alunos iriam olhar nossos perfis no facebook para saber que tipo de orientação política seu filho estaria sujeito. Esse é um fenômeno novo para todos nós que lecionamos após a redemocratização no Brasil. Quem lecionou antes, no início dos anos de 1960, por exemplo, certamente viveu experiências assim, mas isso já tempo. Nós professores de história, sociologia, filosofia, geografia, nos iludimos por acreditar que jamais esse tempo voltaria.
Não vejo como um mal em si, a preocupação dos pais ou das escolas, pelo contrário, penso que é legítimo e correta tal prudência. Penso que é de suma importância que as gerações futuras não seja de jovens apolíticos, pois isso só prejudicaria ainda mais os rumos de nossa democracia e cidadania. Nas escolas em que leciono a compreensão de que a subjetividade dos professores devem ser respeitadas é clara. Nossos diretores e coordenadores pedagógicos sabem muito bem que não se pode dissociar o sujeito do professor. Não somos máquinas, somos gente, pessoas com paixões, ideias, defeitos e virtudes. Indivíduos com percepções de mundo distintas, com com interpretações éticas e morais variadas. Por outro lado, não estamos mais em um tempo em que os "alunos" eram tratados como alguém que só tem a receber e nada a contribuir. Vivemos uma época onde temos plena consciência da relevância de colaborarmos para o desenvolvimento da autonomia de pensamento dos nossos alunos. É CLARO, temos ainda o "poder" de influenciar, mas subestimamos nossos alunos se achamos que somos capazes de fazê-los acreditar em tudo que dissemos; não somos. Eles nunca foram tão questionadores como hoje e isso é bom. Sou encantado pelos meus alunos de ensino médio, que questionam não apenas minhas posições ideológicas, mas sobretudo, questionam a própria história. Mas ouvir um aluno do ensino fundamental questionar o direito divino dos reis é sensacional.
Acredito que é nesses momentos de polarização, que nossa fala deve ser antes de qualquer coisa, uma fala que defende a sensatez, que alimenta a tolerância. O que não nos impede de ser militantes, de ser políticos no sentido pleno da palavra. Como professores temos o dever de ENSINAR a nossos alunos que só por meio do diálogo, da aceitação das diferenças, do respeito pleno de pensar e deixar pensar, será possível construir um país melhor no futuro. Se ensinarmos isso, quem sabe os filhos de nossos alunos, não precisarão testemunhar tempos de intolerância como os que eles estão vendo hoje acontecer em nosso tão querido país.
Jonatas Carvalho é professor e pesquisador de história.
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