Sempre me senti insuficientemente anarquista para não votar e anarquista demais para defender a bandeira de um partido ou um certo conjunto de normas e ideias. Por anos trabalhei com políticas públicas, não faltaram convites para me filiar a certos partidos, é tentador, por vezes eu considerei, mas acabei recusando todas.
A vida toda eu me sensibilizei com questões relacionadas ao lado mais oprimido da história humana. Ainda garoto, a história da escravidão me comovia, para mim aquilo era mais que um passado dos homens narrado em umas páginas do livro didático. Não conseguia acreditar que homens, mulheres e crianças foram convertidos em mercadoria, que lhes tiraram a própria humanidade.
A dicotomia liberdade/igualdade, ou pelo menos o modo como a questão fora colocada por certos pensamentos ditos de direita e de esquerda, me causou muito mal-estar por anos. Foi preciso muita leitura e maturidade para compreender que esse conceitos são históricos e não necessariamente precisam estar em oposição. É possível conceber uma sociedade mais igualitária sem sacrificar a liberdade. Se conseguirmos construir individualidades valorizadoras do comum, que concebam que quando há injustiça social e oportunização desigual o seu "eu" estará comprometido apenas consigo, um "eu" pobre e egoísta. O "eu" só faz sentido quando existe um nós, o outro não está no mundo para ser subjugado, mas para cooperar e construir junto consigo um mundo bom para todos. Qualquer liberdade que desconsidere isso, não é liberdade, é egocentrismo.
Toda minha vida foi um desencaixe, os ideais mais a direita e mais a esquerda nunca me capturaram. Antes que você pense que eu seria um tipo de "isentão" ou de "centrão", vou lhe antecipar, não sou. Essas categorias esquerda, direita, centro-esquerda, extrema isso ou aquilo, são voláteis, já tiveram significados muito distintos historicamente. O que não significa que não podem ou devem ser usadas, a questão é que são usadas sem qualquer critério, em especial nas redes sociais.
Então vejamos, sou um defensor da liberdade e da igualdade de condições. Sou antiproibicionista e abolicionista. Tenho muito de anarquista em mim, como já citei acima, mas diante da conjuntura socioeconômica (sistema capitalista neoliberal), defendo um Estado plurinacional, multiétnico e multigênero. Sou favorável a uma sociedade de soberania popular não hierarquizada, sem tronos, oligarquias, monopólios ou oligopólios. Uma sociedade cooperativista e associativista, detentora e administradora de seus recursos naturais e zeladora de sua biodiversidade. Que seus mais importantes valores sejam o respeito absoluto à dignidade humana e à diversidade.
Para aqueles que julgarão minha forma de ver a vida utópica demais, eu lhes pergunto: e nosso atual modo de viver em sociedade não é demasiadamente distópica? Consideras normal um mundo com tamanha concentração de riqueza e terras? Achas que a fome e a miséria são inevitáveis? Acreditas que as guerras por petróleo e outros recursos naturais fazem parte do jogo geopolítico? A naturalização de todas essas aberrações sociais é o grande mérito das elites mundiais. A produção de subjetividades individualizantes, "cada um por si", nos compele, como sugeriu Georg Simmel (1858-1918), a tomar uma "atitude de reserva" (ou blasé), diante dos eventos que se enfileiram no dia a dia.
Por todas essas questões sou incapaz de hastear qualquer bandeira, pelo menos não encontrei até aqui uma que eu realmente queira. Se minha bandeira não é vermelha, muito menos é verde-amarela, quem sabe, uma multicor me cairia bem. Mas como eu escrevo esse texto em plena disputa eleitoral, em que dois projetos políticos amplamente antagônicos se enfrentam e polarizam o debate, não posso me omitir, sempre estarei ao lado daquele projeto mais próximo aos meus ideais e o atual governo é a contradição total de tudo que escrevi acima.
Jonatas Carvalho.
Um comentário:
Parabéns! Você me faz refletir e eu gosto disso
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