Passei os últimos dois dias fazendo análises sobre as eleições. Ouvi, assisti e li diversos analistas das mais diferentes áreas de conhecimento, de múltiplos espectros políticos, de modo que eu pudesse chegar a alguma conclusão sobre o que representou esse primeiro turno. Não foi fácil, não é. Na verdade, para um historiador é praticamente impossível, fomos ensinados que só entenderemos esse momento de fato, no futuro. A história, porém, não é fator impeditivo de compreensão da sociedade no tempo presente, mas uma aliada.
Nas linhas abaixo estão expostas minhas observações, reflexões e posições. Não procuro aqui ser dono de qualquer verdade, não tenho a intenção de convencer alguém, não pretendo firmar posicionamento.
Diversas formas de explicação do fenômeno primeiro turno foram levantadas. A primeira que quero considerar é aquela que coloca em dúvida o processo eleitoral. Esta tem dois lados, ao lado da extrema direita, acionada pelo próprio presidente, temos a insistência na fraude eleitoral, a desconfiança no voto eletrônico não impresso. No outro lado, uma parte da esquerda que alega que essa mesma extrema direita capturou da esquerda a pauta do voto auditável. Segundo este lado, o sistema eleitoral no Brasil estaria nas mãos de um grupo estratégico liderado por militares que controlam todo o processo. O caso Wilson Witzel, nas eleições para governador do Rio de Janeiro em 2018, seria um exemplo de manipulação das urnas.
Favela Jardim Peri Alto - Foto de Lalo de Almeida |
Outros preferiram explicar o resultado do primeiro turno atacando a incapacidade dos institutos de pesquisa em capturar o cenário real de intenção de votos dos eleitores. Aqui tivemos um grande número de analistas, incluindo os ligados aos grandes veículos de comunicação. Estas análises são de amplo espectro, envolvendo jornalistas, cientistas políticos, sociólogos, analistas de estatísticas e outros.
No caso da defesa das fraudes eleitorais, devo dizer que eleições são passíveis de serem fraudadas em todo o mundo. O Brasil, particularmente, tem uma longa história de fraude eleitoral, mas também tem uma longa história de golpes de Estado contra os resultados nas urnas. Dito isto, creio que tal tese não explica um certo número de vitórias a grupos políticos contrários ao sistema vigente. No caso eleições presidenciais, por exemplo, Lula virou votos em mais de seiscentas cidades que votaram em Bolsonaro em 2018. Quanto as supostas falhas dos institutos de pesquisa, não pretendo me prolongar aqui, porque isso requer um texto específico sobre o assunto, basta dizer que as pesquisas de diversos institutos capturam bem a intenção de voto em Lula, já no “Messias” se distanciaram, tal distância, no entanto, não foi generalizada e sim localizada, em especial no sudeste e sul. A QUAEST, por exemplo, em sua última pesquisa, concluída em 1/10, véspera das eleições, perguntou aos entrevistados: O que você tem mais medo? “A continuidade de Bolsonaro” ficou com 48% e a “Volta do PT” com 40%. O fator medo é motivador, um medo que pode ter perfeitamente movimentado o chamado “voto útil” da tal “terceira via” para Bolsonaro ou ainda o tal “voto envergonhado”. Não precisa ser cientista político para ver que muitos votos, até então declarados a Tebet, Ciro e Soraya migraram para o atual presidente, tal migração não explica tudo, mas dá conta de parte significativa da diferença. Ainda sobre a “incapacidade” de capturar certas motivações dos eleitores, Antônio Lavareda, cientista político e sociólogo, lembrou que FHC, nas eleições de 1994 (primeiro turno) aparecia com 48% das intenções de votos na véspera, mas teve apenas 36,22% nas urnas. Sobre Lula ele escreveu: “Lula, quando por 1,4% deixou de ganhar no primeiro turno a eleição de 2006, tinha 46% sobre o total na véspera e nas urnas a abstenção lhe tomou nove pontos e ele obteve 37,07% do total de eleitores naquele ano.” Essas distâncias entre pesquisas e urnas ocorrem historicamente aqui e no mundo todo.
Mas você confia plenamente nos institutos de pesquisa? Não confio plenamente em nada, penso que os institutos são parte integral do grande capital, mas eles precisam usar metodologias minimamente confiáveis, pois são varridos por pesquisadores de vários espectros políticos. O que faz um Datafolha, por exemplo? Ele verifica se as manipulações com máscara de jornalismo produzidas pela grande mídia estão sendo digeridas pela sociedade. A grande mídia sempre esteve e sempre estará ao lado do grande capital.
Passemos as análises sobre quem perdeu e quem ganhou neste primeiro turno. Muitas foram as manifestações de “ressaca moral”. Entre os eleitores de Lula, a crença de uma vitória no primeiro turno ganhou força, como diz o velho ditado, grandes expectativas podem gerar grandes frustrações. O que a esquerda demorou um pouco para perceber foi que do outro lado havia algo parecido, não foram poucos os eleitores do “Messias” indignados, os grupos de watsapp davam 70% para o atual presidente. Ao lado da esquerda e centro-esquerda notava-se desânimo com as confirmações da ala ultradireitista eleita para o senado. A extrema direita esbravejava com a virada de Lula e denunciava a fraude. Os jornalistas da grande imprensa trataram de afirmar que Bolsonaro se saiu melhor, o grande vencedor. Então as análises mais racionais começaram a tranquilizar os eleitores de Lula. Vamos considerar apenas duas aqui:
Lula bateu o recorde de votos numa eleição com 48,43% de votos válidos (57,2 milhões de votos);
É o primeiro caso que um candidato sai na frente do candidato que disputa a reeleição.
O “Messias”, mesmo contando com a máquina pública não conseguiu deter o avanço de Lula. Sinal de incompetência da campanha de Bolsonaro? Ou a capacidade extraordinária de Lula em estabelecer alianças? Se o petista venceu em 14 Estados e 11 capitais, Jair levou 12 Estados mais o DF e 15 capitais. Para a surpresa da extrema direita, Lula ganhou de Jair na cidade de São Paulo e Porto Alegre, por outro lado, o “Messias” levou vantagem em Belo Horizonte e Rio de Janeiro.
Quanto ao legislativo, nunca tivemos um legislativo progressista no Brasil. O conservadorismo sempre foi maioria nas câmaras e assembleias legislativas do país. O fenômeno que se pode observar é o crescimento do ultraconservadorismo, cujas bases já estavam fincadas por aqui em 2018. Um fenômeno que não é privilégio nosso, infelizmente a ultradireita vem fazendo alianças com o neoliberalismo em vários continentes, nas Américas não faltam exemplos. A propaganda moral tem efeitos nefastos, para o cidadão das camadas médias e populares, pouco importa se o slogan “Deus, Pátria, Família e Liberdade” é fascista ou se o garimpo ilegal vai destruir a Amazônia e dizimar ainda mais os povos originários, ele não quer votar em quem defende “ideologia de gênero”, aborto ou drogas. Quem estuda a história sabe como a propaganda anticomunista foi eficaz.
Não faltaram propagandas responsabilizando Bolsonaro pela gestão de morte na pandemia, ainda assim ele conseguiu extraordinários 51 milhões de votos. Todos que votaram nele são fascistas ou ultraconservadores? Quantos eleitores que optaram por Ciro, por considerar Jair e Lula igualmente corruptos? Quantos mudaram para o “Messias” na última hora, porque entendem que o PT é mais ameaçador que Bolsonaro. O antipetismo segue forte em nosso meio e ele será usado para desacreditar Lula no segundo turno. O ataque direto a Lula tem menos efeito que a pauta moral e a criminalização do PT.
Discordo de Boulos sobre a questão do Pit bull, comparação que só é demérito para o cão. Mas ele tem razão sobre nossas resistências, se o ultraconservadorismo vem se alastrando, as forças progressistas chegaram nessas eleições onde jamais havia chegado antes, os movimentos sociais de base também estão em ascensão e a luta popular veio para ficar. Muitos entendem, como eu, que estamos em um estado de golpe desde 2016, não é somente com eleições que se enfrenta um estado cooptado, é necessário lutar diariamente e fortalecer os movimentos populares. Uma vitória de Lula é um alento, mas não será suficiente.
Jonatas Carvalho
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