sábado, dezembro 23, 2023

A LIMPEZA ÉTNICA, PROGRAMADA, ANUNCIADA E ASSISTIDA EM TEMPO REAL.

 

"A recente abstenção dos EUA e a aprovação de uma resolução da ONU contrária ao prosseguimento dos assentamentos judaicos em áreas palestinas não interferirá no projeto do Estado de Israel. Donald Trump que condenou a abstenção dos EUA, retomará relações com Netanyahu, os anos que se seguirão serão ainda mais terríveis para os palestinos." CARVALHO, 26/12/2016. 


Já se passaram sete anos desde que escrevi, aqui mesmo neste blog: "A NOIVA É BELA, MAS É CASADA COM OUTRO HOMEM." (clique para ler), uma análise da situação dos palestinos com os crescentes assentamentos judaicos na região da Cisjordânia. Como vocês podem ler no recorte acima, na ocasião, eu terminei o texto com uma sentença: "os anos que se seguirão serão ainda mais terríveis para os palestinos." Evidente que não se trata de profecia, aliás, nós historiadores somos compelidos a não produzir prognósticos. Eu, pessoalmente, me empenho em não cair nessas armadilhas de tentar determinar, a partir do presente, o que poderia ser o futuro. Bem, se o que escrevi em 2016 não é um prognóstico, então é o que? Eu poderia teorizar aqui a partir da Marc Bloch, sobre a incompreensão do presente e a ignorância do passado, ou mesmo sobre a repetição histórica como tragédia e depois como farsa (Marx). Nada disso é necessário, trata-se apenas de olhar o tempo histórico, os acontecimentos desde os primeiros crimes sionistas no final do XIX e início do XX, acobertados pela potência imperialista da época, a Inglaterra, até os crimes de guerra cometidos pelo Estado de Israel, acobertados pelo novo poder imperialista: os EUA, logo: é a própria história dos imperialismos.  

Esta é uma história que as gerações futuras, olharão e se perguntarão: como normalizamos isso? Como fazemos hoje quando pensamos na escravização das sociedades africanas por quatro séculos, ficamos aterrorizados com os argumentos pró-escravização no século XIX.  Em um futuro não muito distante, nossos sucessores olharão as fontes... jornalistas, historiadores, sociólogos e outros, se depararão com a obviedade: tratava-se de uma limpeza étnica, até então, sem precedentes na história. Mas se era tão óbvio, até para nós do presente, por que permitimos? A resposta não é simples, mas escolherei aqui uma abordagem: trata-se de uma das mais bem sucedidas tecnologias de poder dos últimos tempos, que a filósofa e psicanalista Suely Rolnik chamou de “antropofagia neoliberal”; um instrumento de produzir subjetividades absolutamente voltadas para si, cujo maior efeito é nos manter tão egoisticamente mergulhados nas nossas questões, que somos incapazes de nos articular em função do outro. No máximo, nos engajamos via redes sociais, fazemos vaquinhas, ações que pouco modificam a realidade, mas que ajudam a diminuir a culpa que sentimos. Como zumbis, devoramos apenas o que serve ao nosso ego consumista.  

Os motivos dessa limpeza étnica eu já abordei aqui (uma perspectiva) em OS SENHORES DO CÁLCULO, DA GUERRA E DA FOME, já quanto aos requintes de crueldade com que o Estado de Israel elimina os palestinos, nos lembra os colonialismos dos grandes Impérios como a Grã-Bretanha na Índia ou o Congo sob o domínio de Leopoldo II. O deslocamento de massas populacionais, a destruição de bairros inteiros, até mesmo cidades. O que é pior, a destruição de unidades hospitalares, impedindo que os feridos sejam tratados, o bloqueio de luz, de água e comida. Mas o bárbaro é o outro. Quando escrevi "O SENHOR DA GUERRA NÃO GOSTA DE CRIANÇAS" (10/11), Gaza, já sofria com os bombardeios por parte de Israel por um pouco mais de 30 dias, a contabilidade, na ocasião, era de 4 mil crianças mortas. Desde então, passados 42 dias, mais 3,7 mil crianças morreram, ao todo são quase 8 mil crianças. Em que uma criança palestina é diferente de uma criança israelense? Como o massacre e o extermínio de um povo não resulta em total paralisação do mundo?  

Foto: Monitor do Oriente. 

Se a limpeza étnica dos palestinos foi programada e anunciada, ela também foi combinada com os conglomerados de comunicação (co-partícipes-financiados dos conglomerados das guerras), a ocultação de informações se converte na ocultação do massacre e de um mar de cadáveres. A adoção do título Israel X Hamas, para “cobrir” jornalisticamente o que vem ocorrendo na Palestina, tem por objetivo desinformar, por meio de um viés puramente favorável ao projeto colonial sionista. O caso do Congo, também pode ser um grande exemplo, o que sabemos sobre o que ocorre por lá? Quem são os grupos privados a financiar a “República Democrática de Congo” que está promovendo o maior deslocamento humano do século XXI? Estamos falando de mais de 6 milhões de deslocamentos internos e 1 milhão de refugiados. São informações que sequer aparecem nas notas dos jornais. Por quê?  

Os conglomerados das guerras investem milhões em armas, parte desses investimentos são provenientes de recursos públicos (isto é, dinheiro público) como vem ocorrendo nos EUA, cujo congresso aprova milhões “destinados à Ucrânia”, mas 90% do valor liberado vai para as empresas estadunidenses. Outro fator interessante é que, por um lado, os conglomerados das guerras financiam a destruição de outros povos, tomam o território e controlam a geração de riqueza natural-mineral, por outro, os sobreviventes deslocados, os campos de refugiados, são mantidos precariamente com ajuda dos governos e organismos multilaterais (mais dinheiro público), que estão a serviço destes mesmos conglomerados. Ao fim, os lucros são repartidos entre os conglomerados, já a destruição e os custos dela, são compartilhados entre os Estados-Nação e a sociedade civil, como Cruz Vermelha, Médicos sem Fronteira… 

Voltemos mais uma vez à questão: por que não há uma grande comoção social sobre o que ocorre na Palestina? Os conglomerados que financiam e lucram com as guerras, não contam apenas com as grandes redes de comunicação do mundo, contam, também, com as redes de entretenimento, como Hollywood e, claro, as Big Techs. Mas não apenas isto, eles financiam ainda a indústria de fomento em ciência, pesquisa e tecnologia. Vladimir Safatle, nos chamou a atenção para o silêncio dos intelectuais diante do que vem ocorrendo na Palestina. Após a emergência e fortalecimento do debate anticolonial e decolonial no Brasil, como se justifica o silêncio de grandes intelectuais brasileiros diante de um caso absolutamente clássico de colonialismo? A resposta? O poder econômico que os conglomerados sionistas possuem é capaz de inviabilizar tanto a carreira artística, quanto a acadêmica de quem ousar utilizar sua imagem famosa para criticar o massacre dos palestinos. Poucos corajosos se atreveram, alguns já estão pagando o preço. 

QUE A RESISTÊNCIA do povo PALESTINO nos encoraje a lutar contra toda forma de colonialismo, sionismo ou imperialismo. Estejam eles ocorrendo na Palestina, no Congo, ou mesmo em Maceió, Rio de Janeiro, São Paulo…. 

Jonatas Carvalho 

Historiador/Professor. 


Um comentário:

Flor do Sul disse...

❤️💙💜