Jonatas Carvalho
Historiador e Doutor em Sociologia e Direito
Jonatas Carvalho
Historiador e Doutor em Sociologia e Direito
![]() |
Fonte: The New York Times. |
Neste domingo de frio em São Paulo, o DataFolha publica uma pesquisa que esfria ainda mais a vida política de Bolsonaro. A matéria que chama a atenção para a pesquisa tem o seguinte título: "67% afirmam que Bolsonaro deveria abrir mão da candidatura." No subtítulo, o instituto revela que "Michelle e Tarcísio são os nomes mais citados" entre os possíveis candidatos que o ex-presidente deveria apoiar.
Uma manchete aparentemente informativa é, na verdade, parte da máquina de propaganda que a direita econômica (por direita econômica, refiro-me aos conglomerados de mídia, agroexportação e especulação financeira) vem produzindo já faz algum tempo. Quando, em fevereiro deste ano, o Fantástico dedicou uma longa matéria expondo "áudios inéditos" sobre a trama do golpe para matar Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes, eu não tinha mais dúvidas de que Bolsonaro havia sido abandonado.
Ao longo dos dois últimos anos, a direita econômica esteve lado a lado com Tarcísio de Freitas, com um apoio poucas vezes visto. O governador de São Paulo recebe as benesses d**'O** Folha e d**'O** Estadão diariamente. O PIG (Partido da Imprensa Golpista), para relembrar um velho jornalista, não permite que qualquer mancha de sangue (da corrupção e associações criminosas do governador) chegue aos seus leitores.
![]() |
Fonte: ICL - (Foto: EVARISTO SA / AFP) |
Mas, para Tarcísio ascender, é preciso lançar Bolsonaro ao precipício. Na minha avaliação, este é o grande jogo, com muitas peças e movimentações. Enumerarei aqui algumas: um movimento eu já destaquei acima, isto é, trata-se de elevar a imagem de Tarcísio como um político moderado e competente; seus "sucessos" como governador do Estado mais poderoso do Brasil o colocariam como o mais preparado para a presidência. Por outro lado, é necessário abrir candidaturas à direita em outros Estados. O discurso de Caiado, Ratinho Júnior ou mesmo Zema contra Lula e o PT será fundamental para não permitir uma recuperação da aprovação do governo petista. No tempo certo, esses pré-candidatos da direita se uniriam numa aliança pró-Tarcísio.
Finalmente, um movimento absolutamente fundamental: a aceitação da Primeira Turma do STF em tornar Bolsonaro (e seu staff) réus. Ao longo de 2025, o ex-presidente irá sofrer enormes perdas de popularidade; o PIG trará inúmeras reportagens especiais revelando as imundícies da família do ex-presidente e o pressionará a se render a Tarcísio. Para não haver dúvidas, não estou sugerindo que o STF será usado como uma peça que a Direita Econômica utilizará – ao contrário, estou sugerindo que o Supremo é parte integral do jogo. Não creio que eu precise lembrá-los de que este é o mesmo Supremo que manteve Lula preso e o impediu de disputar uma eleição em que ele liderava nas pesquisas, só porque, na ocasião, esta mesma Direita Econômica havia optado por Bolsonaro e Paulo Guedes.
![]() |
Painel: Memorial da Resistência |
Acordei às 6h novamente. Um professor em recesso escolar, cujo relógio biológico não entra em recesso (ou é só a velhice chegando mesmo), acaba se dedicando a leituras diversas. Li algumas notícias, mas optei por compartilhar minha percepção sobre duas matérias.
A primeira é um texto do Xico Sá para o Diário do Nordeste, em que o jornalista e escritor coloca lado a lado a história de duas mulheres brilhantes: Eunice Paiva e Elisabeth Teixeira. A primeira passou a ser conhecida especialmente após o prêmio a Fernanda Torres pela brilhante atuação no papel da esposa de Rubens Paiva, ex-deputado paulista, capturado, torturado e assassinado em 1971 dentro de um quartel militar. A segunda, creio eu, é absolutamente desconhecida ainda entre nós, mesmo após o sucesso do documentário produzido por Eduardo Coutinho, "Cabra Marcado para Morrer", lançado em 1984. Xico nos lembra a história de Elisabeth, trabalhadora rural da Paraíba, casada com João Pedro Teixeira, mãe de onze filhos, perseguida pela ditadura militar. Ela precisou espalhar seus filhos e desaparecer por um bom tempo, mas Elisabeth está viva, ainda está aqui.
A segunda matéria foi escrita por Joel Pinheiro Fonseca, filho do economista Eduardo Giannetti, para a Folha de São Paulo. O título me chamou a atenção: "Neste oito de janeiro, lembre-se: o PT não é a democracia". O economista liberal argumenta que a direita não pode deixar a esquerda sequestrar a pauta da democracia, como teria feito com outros temas. Para tanto, caberia à direita combater veementemente a crítica à fraude eleitoral das urnas eletrônicas. A base de seu argumento é que, dois anos após os atos de 8 de janeiro de 2023, 86% dos brasileiros desaprovam as invasões nos prédios públicos de Brasília. O que significa, segundo o economista e filósofo, que, embora a direita tenha votado em Bolsonaro, apenas um bando de radicais se aventurou na loucura da invasão, no delírio de uma intervenção militar, enquanto a maior parte é moderada.
O jornalista liberal pode até ter razão ao afirmar que o PT não é a democracia, isto é, a democracia não é produto de um só partido. Mas, por outro lado, não lhe ocorre que a direita historicamente se alinhou com os fascismos quando lhes convinha deter os avanços das classes trabalhadoras. Os liberais de Washington (democratas e republicanos), com seus poderosos conglomerados, desde a Doutrina Monroe, patrocinam e sustentam golpes de estado no mundo todo. A direita brasileira apoiou a ditadura militar, que perseguiu, sequestrou e torturou mulheres como Eunice Paiva e Elisabeth Teixeira. Quanto ao PT, o caro colunista da Folha ignora a participação fundamental do partido contra a ditadura, assim como seu papel nos avanços da classe trabalhadora deste país. Avanços estes que a direita e a extrema direita vêm destruindo desde a reforma trabalhista em 2017.
![]() |
Eunice e Elisabeth |
Joel Pinheiro é um liberal que defende uma sociedade "baseada em regras", desde que estas sejam as regras liberais, podendo ser até um "bolsonarismo moderado", que verdadeiramente jogue nas "quatro linhas" do livre-mercado (as aspas são minhas). A democracia é um valor máximo, mesmo com seus defeitos, afirma Joel, não existe alternativa melhor. Fico na dúvida se o filho do grande economista liberal realmente acredita no mundo encantado das liberdades individuais e da livre iniciativa, ou se ele apenas se vende para divulgar tais propagandas. É de bom tom deixar claro que a nossa "redemocratização", tão aclamada pelos liberais, só chegou para as classes privilegiadas. As classes desfavorecidas (pobres, pretas e periféricas) continuam lidando com um Estado de Exceção. A classe trabalhadora, como a categoria "professor(a)", segue sofrendo ataques ininterruptos (com direito a violência policial) pelos "liberais moderados" como os governadores Tarcísio de Freitas (SP) e Cláudio Castro (RJ). Os mesmos liberais moderados que se recusam a taxar os bilionários, mas não hesitam em manter uma taxa de juros abusiva, pois entre deter a inflação e aumentar o desemprego, escolhem o último.
Entre o 6 e o 8 de janeiro, nós que lutamos por justiça social, por reparação histórica e não por uma democracia liberal, ainda estamos aqui.