quarta-feira, setembro 28, 2022

PAULO GUEDES, BOLSONARO E A ANTIESTÉTICA DA FOME.

A sincronia nos discursos promovidos por Jair Bolsonaro e Paulo Guedes, quanto a inexistência da fome no Brasil, não é coincidência. No mês passado, o “Messias” presidente afirmou em uma entrevista, que a coisa não é bem assim, disse ele: “alguém já viu alguém pedindo um pão ali, no caixa da padaria? Você não vê, pô!” (Programa Pânico, Jovem Pan, 26/08/2022). Exatamente um mês depois, em um evento para empresários na Bahia, Paulo Guedes disse que “não tem mais ninguém vendendo água no sinal!” Referia-se aos efeitos do “Auxílio Brasil”. Por que essa negação?

Em 1965, o cineasta Glauber Rocha, um importante nome do Cinema Novo, roteirista e diretor de filmes como “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1964), “Terra em Transe” (1967) e “O dragão da maldade contra o santo guerreiro” (1969), apresentou durante o Congresso Terceiro Mundo e Comunidade Mundial, na cidade italiana de Gênova, o manifesto intitulado “Eztetyka da Fome”.
Cena de Deus e o Diabo na Terra do Sol 

Para Glauber, a ruptura com o sistema que subjugava os chamados países de “terceiro mundo” passava pela produção de uma estética da fome, e uma estética da fome é uma estética da violência. Cito um trecho:

uma estética da violência antes de ser primitiva é revolucionária, eis aí o ponto inicial para que o colonizador compreenda a existência do colonizado; somente conscientizando sua possibilidade única, a violência, o colonizador pode compreender, pelo horror, a força da cultura que ele explora. Enquanto não ergue as armas, o colonizado é um escravo; foi preciso um primeiro policial morto para que o francês percebesse um argelino.(ROCHA, 1965).


A negação da fome funciona como uma antiestética da violência imposta pelas elites à classe trabalhadora. As matérias de jornais sobre a fome eram censuradas na ditadura militar, ditadura esta que forçou Glauber e tantos outros buscarem exílio no exterior. O chamado Mapa da Fome na era FHC constrangeu o Brasil diante da comunidade internacional. A violência explícita dos nossos governantes, estampada nos jornais de todo o mundo envergonhava os próprios brasileiros, em especial os que tinham fome. Glauber percebeu que para as sociedades de “primeiro mundo”, a fome não passava de um “estranho surrealismo tropical”, parte de nosso primitivismo. A fome seria então resultado de nossa incapacidade de nos adaptar ao novo sistema mundial. Será que algo mudou hoje? Se por um lado há maior pressão das organizações internacionais e das sociedades civis, por outro, o Grande Capital segue não se importando. Um país com alta concentração de renda e de terras é um prato cheio (um trocadilho necessário) para os gananciosos por lucros.

Uma antiestética da fome tem por função suprimir a estética da fome que, por sua vez é reveladora da violência. Nas propagandas governamentais o Brasil é exatamente o Brasil de Paulo Guedes e de Bolsonaro, ou, o Rio de Janeiro é lindo como querem Washington Olivetto e Cláudio Castro. O brasileiro, porém, que vive a luta diária de ser brasileiro, sabe como andam as ruas desta nação. A fabulosa canção “Ronco da Cuíca” (2000), letra do saudoso Aldir Blanc em parceria com João Bosco, um exemplo de uma estética da fome, traz em uma de suas estrofes a relação entre a fome e a violência.

A raiva dá pra parar, pra interromper
A fome não dá pra interromper
A raiva e a fome é coisas dos home
A fome tem que ter raiva pra interromper
A raiva é a fome de interromper
A fome e a raiva é coisas dos home

Que a raiva e fome, estéticas da violência, possam se manifestar com toda força no próximo domingo, interrompendo o projeto político de poder vigente para que seja possível a instauração de uma nova estética.

Jonatas Carvalho 

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