terça-feira, setembro 27, 2022

ELEIÇÕES, ESPERANÇA E TEMOR: UM OLHAR SPINOZIANO.

A esperança é sentimento, assim como o desejo. Um e outro passeiam lado a lado em nossos pensamentos, desejar é esperar que algo se realize, esperar é desejar que se presentifique aquilo que ainda não chegou, desejar e esperar não são a mesma coisa, mas percorrem caminhos paralelos. E esperança só se concretiza na ausência daquilo que é desejado, uma vez que se alcança, não se espera mais. Mas a esperança é um sentimento que só se manifesta porque é compartilhada com outro sentimento: o temor. Se espera por algo porque se teme por outro algo. Se espera viver muito, porque se teme morrer cedo. Esperança e temor são afetos que se conectam mutualmente. Não existe temor sem esperança, nem esperança sem temor.

Hope - George Frederic Watts - 1886
A questão é que ambos, esperança e temor são produzidos politicamente. O lema: “Brasil, país do futuro,” nos convoca a buscar construir uma sociedade que ainda não existe, mas tem potencial para existir. As campanhas político-partidárias exploram o temor e a esperança ao mesmo tempo.


Nos tempos de hoje, temos de um lado, um discurso que convoca a nação a derrotar um inimigo: o fantasma do comunismo e toda imoralidade que com ele se instala. O que se teme de acordo com tal discurso? Se teme que o Brasil vire uma Venezuela e que se extinguam as liberdades. Para esses, a esperança, isto é, o que se deseja, o que se deve almejar é um projeto de nação que conserve valores como Deus, pátria, família e liberdade ao modo como tais valores foram concebidos a partir de uma certa moral judaico-cristã.



No outro discurso, a esperança está no retorno. Se deseja voltar a um tempo em que éramos felizes. A esperança naquilo que um dia já se teve e o temor que de que não seja mais possível alcançar de novo. A esperança de um Brasil menos miserável e menos subserviente, um país que considera as minorias como parte integral dele mesmo, um Brasil que se respeita e é respeitado. Espera-se que voltemos a um tempo em que a censura havia desaparecido e que o diálogo se sobrepunha ao ódio. Espera-se o retorno ao Estado Democrático de Direito. É evidente que para quem analisa nossa história social esse Brasil nunca existiu de fato. Nunca fomos uma democracia real, até porque esse conceito é um ideal e ideias são baseados na esperança, portanto, se alimenta pela ausência.

No entanto, se nossa esperança é fundada no ideal de nação que preza por justiça social, igualdade de direitos e de oportunidades, certamente devemos temer a permanência do projeto que se encontra em vigor. Se o Brasil que almejamos é o do Estado laico, que congrega e garante o direito de crença e de culto, devemos temer o Brasil teocrático. Se é assim, mesmo que nunca tenhamos alcançado um Estado Democrático de Direito, no atual projeto nos distanciamos ainda mais dessa possibilidade. A esperança não precisa ser tola, ingênua, esperar não é o mesmo que acreditar em milagres, porque esperança e fé são coisas diferentes. Se tememos pela permanência do atual projeto político devemos agir para que ele não se prolongue. Agir neste caso é mais que votar, é contribuir para que o projeto de um país justo, igualitário e livre, seja tão bem-sucedido, que nunca mais se ouse esperar por um retorno ao modelo que se instalou por aqui em 2018. O que a história tem nos mostrado é que quando falhamos em construir um projeto político de justiça e viabilidade econômica, o modelo moralista retorna com força, a Itália é nosso último grande exemplo.

Que os afetos esperança e temor sejam parte de nossa força motriz para nos aproximar ao máximo de um projeto de país que integre pessoas e outros seres viventes nessa terra.

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