Em tempos que por meio das redes sociais a
circulação de "verdades históricas" circulam tão mais rápido, fazendo
com que a velha máxima de que uma mentira contada mil vezes se torna
verdade, faz-se necessário apelar para a tradição histórica. O velho e bom
rigor acadêmico que procura preservar acima de tudo a fonte histórica. Sim
claro, em nome desse rigor muitos exageros ocorreram, tentativas de transformar
a história numa disciplina serial matemática, positivista, totalizante, mãe das
ciências sociais e humanas.
Hoje sabemos que esse rigor acadêmico ganhou
outros sentidos, vimos a história se fragmentar em inúmeras possibilidades,
dialogando com uma grande diversidade de disciplinas e abandonando
definitivamente a inexorabilidade, mas a história ainda é a história. Ainda que
a busca pela verdade pura tenha deixado de ser o precioso objetivo a alcançar,
as fontes documentais ainda são as bases que sustentam a história. É claro que
a própria noção de documento já não é mais aquela do historicismo, assim como,
a própria noção de fonte.
A história não é, e nunca será uma ciência exata,
sua riqueza reside justamente nas possibilidades de se interpretar fatos
históricos. Há uma beleza singular na subjetividade do olhar do historiador, na
luta incessante pela representação do passado, na análise minuciosa de cada
fonte.
Como exemplo concreto trago aqui a recente
história de interrupção de nossa democracia, mais conhecido como regime militar
(ou Estado de Exceção), período esse que perdurou longos 21 anos (1964-1985). Apesar
de se tratar de uma época recente na perspectiva de tempo histórico, ainda que
muitas fontes tenham sido destruídas, outras perdidas e várias impedidas de
serem acessadas por força da lei, podemos dizer que sem dúvida há uma
significativa historiografia sobre esse período.
Na última década pode-se
verificar uma profusão de publicações sobre esses 21 anos e inúmeras revisões
na historiografia. Isso tudo foi possível principalmente pela luta por acesso
aos arquivos até então proibidos. Há
atualmente arquivos públicos espalhados pelo Brasil com milhares de documentação
sobre o período, há também uma expressiva quantidade de material digitalizado
disponível pra pesquisa como, por exemplo, “Arquivos da Ditadura” documentação
reunida por Élio Gaspari (http://arquivosdaditadura.com.br),
ou os “Acervos sobre a Ditadura Militar” do Arquivo Nacional (http://www.arquivonacional.gov.br/acervos-mais-consultados-titulo/acervos-da-ditadura-militar.html),
finalmente diversos acervos online sobre a memória desse período
(disponibilizarei no final do texto), alguns públicos e outros de entidades
sociais.
Se por um lado podemos
verificar o crescimento das pesquisas no Brasil e na América Latina sobre os
Estados de Exceção implantados no bojo do mundo bipolar, por outro, percebemos
também um substancial volume de sites e páginas nas redes sociais evocando uma
outra história, boa parte destes, baseiam-se em poucas publicações de uma
direita ultraortodoxa que ainda rezam a cartilha da Doutrina de Segurança
Nacional.
Enquanto movimentos como
o Escola Sem Partido tentam ganhar espaço midiático acusando professores de “doutrinadores”,
esses mesmos defensores alimentam sites e blogs com informações infundadas, sem
materialidade. Um grande ícone dessa
geração de jovens cooptados pelo ideal liberal conservador, Olavo de Carvalho,
o “Filósofo” e guru dessa gente que ainda vive o medo da ameaça comunista,
chegou a caçoar da prova documental, uma gravação entre o embaixador dos EUA Lincoln
Gordon e o Presidente John F. Kennedy em 7 de outubro de 1963, onde ambos
discutem as possíveis estratégias sobre o que fazer com o Brasil, até que
Kennedy questiona Gordon: “Você vê a situação indo para onde deveria, acha aconselhável
que façamos uma intervenção militar?”. Em outro momento, o nobre guru afirma
que os jornalistas brasileiros, uma boa parte da imprensa foi associada a KGB,
sem mostrar qualquer prova, apenas citou um texto do Noblat que ironicamente
escreveu ter trabalhado para a agência de inteligência da Rússia.
Em tempos como esse, cabe
a nós, professores e pesquisadores, usar o máximo desses canais para
desconstruir esse jogo midiático que busca desqualificar a história e a
historiografia sem qualquer fonte documental.
Os slogans vão ganhando espaços por serem fáceis de se assimilar, tais
como: - “Mas só perseguiram quem era bandido.” - “A intervenção
militar nos livrou de uma dominação comunista”
- “Os governos militares desse período foram moderados”. Tais slogans
ganharam ainda mais espaço no período que antecedeu o impeachment da Presidenta
Dilma, os adeptos da chamada “intervenção constitucional” foram úteis aos maquinadores
do golpe que colocou o PMDB na presidência.
Alguns acervos digitais de
História de Memória:
Acervo
sobre o Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo
(DEOPS/SP) comporta a documentação produzida entre 1924, ano de sua criação, e
1983, ano de extinção, pelo principal órgão articulador da polícia política
paulista.
Arquivos
da ditadura: Acervo pessoal de Elio Gaspari. Entre bilhetes, despachos,
discursos, manuscritos, diários de conversas travadas pela cúpula e telegramas
do governo americano, seu arquivo pessoal reúne mais de 15 mil itens sobre a
ditadura. São registros que se iniciam nos anos anteriores ao golpe de 1964 e
seguem até os estertores do regime. Entre eles, há 10 mil provenientes do
arquivo do general Golbery do Couto e Silva, como suas apreciações e análises
conjunturais redigidas em três momentos distintos, de 1960 a 1968.
Memórias
reveladas: O Centro tem por objetivo geral tornar-se um pólo difusor de
informações contidas nos registros documentais sobre as lutas políticas no
Brasil nas décadas de 1960 a 1980. Nele, fontes primárias e secundárias são
gerenciadas e colocadas à disposição do público, incentivando a realização de
estudos, pesquisas e reflexões sobre o período.
Documentos
Revelados é resultado de anos de garimpagem nos arquivos estaduais e arquivo da
Delegacia da Polícia Frderal de Foz do Iguaçu, de vasculhar caixas e pastas AZ, repletas de mandados de
prisão, informes,radiogramas, ofícios recebidos e expedidos, dossiês,relatórios
e outros tipos de documentos produzidos pela burocracia policial. Reconheço que
esta busca é tardia, pois no Brasil,ao contrário do Chile, Argentina e
Paraguai, os arquivos da repressão estão sendo abertos fora dotempo apropriado.
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