“Lança menina, lança todo esse perfume, desbaratina não dá pra fica imune, ao teu amor que tem cheiro de coisa maluca”. Rita Lee/Roberto de Carvalho.
No final do século XIX, em La Plaine, na França, um experimento farmacológico com base em cloreto de etila e uma fragrância sintetizada de violeta fora colocada dentro de ampolas de kelene, um tipo de anestésico tópico, a ideia era que o aroma do anestésico não fosse desagradável a quem usasse. A indústria responsável pelo experimento em questão era a Société Chimique des Usines du Rhône, conhecida posteriormente no Brasil como Rhodia Farmacêutica.
O experimento, um acidente como muitos outros na história da indústria farmacêutica, foi apresentado em uma exposição em Genebra no ano de 1897. Teria sido um fracasso total se um brasileiro que lá estava não se interessasse e trouxesse o produto para o Brasil. Patenteado pelo nome do “Rodo”, odor ao contrário, o lança-perfume ganhou o coração dos foliões. O sucesso foi tão grande que a Rhodia iniciou a instalação da sua fábrica no Brasil em 1919 e em 1922 já estava produzindo Rodo em solo nacional.
O lança-perfume tornou-se um elemento agregador às chuvas de confetes e serpentina, um fenômeno que tomou às ruas, às festas de Rei Momo e os bailes chiques em todo o Brasil. Em 1909, casas de artigos carnavalescos faziam anúncios nos jornais em todo o país garantido o autêntico Rodo. O sucesso do produto, no entanto, deu-se por ter extrapolado sua utilização original, o conteúdo do tubo, que uma vez espirrado no ar causava um frescor aromatizado, passou a ser derramado em lenços e aspirados. A sensação de leveza e de sentir o mundo girando, associada aos ritmos das marchinhas fez do lança-perfume um produto indispensável nos carnavais por algumas décadas.
Não tardou para que a concorrência aparecesse. Após as festas de final de ano, a movimentação para o carnaval começava, as grandes casas especializadas e armarinhos tratavam de colocar anúncios de venda de lança-perfume de várias marcas com preços a atacado. Alguns anúncios eram destinados a contratação de “agentes de vendas”, cujo trabalho era visitar regiões adjacentes aos centros e os mercados varejistas. Os grandes clubes também anunciavam suas programações nos jornais comunicando que seus estoques de lança-perfume estavam garantidos. Nos dias seguintes os jornais divulgavam as fotos dos bailes com o povo se divertindo e o “cheiro” fazendo a alegria dos foliões.
Última Hora, 20 de fevereiro de 1963 |
Mas a vida não ficou fácil para os foliões por muito mais tempo. Após a 1ª Conferência Nacional da Polícia em dezembro de 1951, a reformulada Delegacia de Costumes e Diversões passou intensificar as portarias nos períodos de carnaval proibindo todo o tipo de atentado aos “bons costumes”. As matinês, devido a presença de menores, foram as primeiras a serem objeto das proibições. Uma portaria emitida pelo delegado Aldemir Gonçalves Pereira em Brasília, enumerava assim os itens proibidos: a) fantasias imorais; b) lança-perfume; c) permanência de menores de 20 anos; d) venda de bebidas alcoólicas. A portaria publicada no Correio Brasiliense em fevereiro de 1961, tinha por objetivo coibir o “libera geral” nos bailes dos clubes do recém Distrito Federal, mas as denúncias contra o Taguatinga Country Club e outros demonstravam que as portarias policiais não eram muito respeitadas.
Diário da Noite Fevereiro de 1961 |
No mesmo ano, o Diário da Noite, publicara uma página inteira sobre o Baile dos Artistas no Hotel Glória, com a manchete “Cheiro venceu uísque no Glória.” O jornal informava que “apesar do policiamento ostensivo, o lança-perfume animou os foliões a noite inteira”. O bar ficou mais vazio que de costume, a dose de uísque custava Cr$ 200, o mesmo preço que uma bisnaga de lança-perfume, mas a bisnaga “durava muito mais e seus efeitos eram fulminantes”. Uma outra manchete onde se lia “O cheiro é livre”, com uma foto que cobria uma página inteira, mostrava o baile no Hotel Quitandinha em Petrópolis, uma pequena nota abaixo da manchete resumia “Carnaval houve pouco. Mas o cheiro era livre, o lança-perfume (além de 300 litros de uísque), foi o combustível que lançaram mão os foliões para alegrar a festa.”
As denúncias ganharam repercussão nacional, Lamartine Babo, compositor dentre outras de “O teu cabelo não nega”, já havia declarado na Revista do Rádio em 1960, que o “carnaval deixou de ser uma festa espontânea, não há mais côrso, mascarados, blocos espirituosos. O confeti sumiu, a serpentina é escassa, o lança-perfume é um instrumento de vício.” [sic] A pressão por parte da sociedade e campanhas pela moralidade como as de Flávio Cavalcante fez com que o presidente Jânio Quadros baixasse o decreto presidencial nº 51.211 de 8 de agosto de 1961, cujo teor proibia em todo território nacional a fabricação, o comércio e o uso do lança-perfume. O decreto alegava que a prática de aspiração do “lança-perfume” como meio de embriaguez não podia ser tolerada pelo Estado, cujo dever é zelar pela saúde pública.
A partir do carnaval de 1962, os anúncios dos grandes bailes no
jornais vinham acompanhados de uma nota de rodapé onde se lia: em cumprimento do decreto 51.211/61 está proibido o uso de lança-perfume. Mas não foi tão fácil assim parar os foliões. Ainda era possível encontrar anúncios nos jornais como os do famoso lança-perfume Pierrot, sucessor do Rodouro (antigo Rodo), tinha também o Lança-perfume Dó-ré-mi que, em 1963, podia se comprar por Cr$ 4.800,00 a dúzia de tubos de 100 gramas.
O golpe em 1964, também foi um duro golpe aos carnavalescos, além de aumentar a censura sobre as composições do samba, o General Castelo Branco, baixou um decreto que iria substituir o de Jânio Quadros, o decreto 55.786/65 colocou o lança-perfume na clandestinidade. Cronistas da época denunciavam a “extorsão” que os “contrabandistas” cobravam no produto. No mesmo ano em Belo Horizonte, o Correio da Manhã publicava na sua edição de domingo, de 28 de fevereiro a seguinte manchete: "Em BH carnaval tem pulo, mas sem beijo", o conteúdo dizia que oito mil soldados, alguns estariam disfarçados, estariam lá para vigiar os foliões, nada de beijo ou lança-perfume, a infração poderia resultar em prisão.
O lança-perfume seguiu fazendo a alegria dos foliões por um bom tempo ainda, mas depois de 1965, só na surdina.
Abaixo um vídeo da marchinha "Carta da roça" ou melhor "Ozebio" de João de Barro, foi sucesso no carnaval 1961, cantada por Aracy Cortes.
Jonatas Carvalho.
Historiador.
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